Discurso durante a 147ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre as dificuldades dos países africanos decorrentes das guerras e da exploração pelas nações ricas

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA EXTERNA.:
  • Considerações sobre as dificuldades dos países africanos decorrentes das guerras e da exploração pelas nações ricas
Publicação
Publicação no DSF de 02/11/2000 - Página 21817
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, CONTINENTE, AFRICA, GUERRA, MISERIA, FOME, SUPERIORIDADE, OCORRENCIA, EPIDEMIA, DOENÇA TRANSMISSIVEL, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), COMENTARIO, DADOS, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), BANCO INTERNACIONAL DE RECONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO (BIRD).
  • CRITICA, PAIS, PRIMEIRO MUNDO, EXPLORAÇÃO, RECURSOS NATURAIS, AFRICA, OMISSÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, FALTA, APOIO, COMERCIO EXTERIOR, PROVOCAÇÃO, EMPOBRECIMENTO.
  • NECESSIDADE, POLITICA EXTERNA, BRASIL, DEFESA, PAIS, TERCEIRO MUNDO, EFEITO, GLOBALIZAÇÃO.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL - TO) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, durante todo o século XX, o continente africano foi permanentemente devastado pelas guerras, pelas epidemias, pela fome, pela corrupção praticada por ditadores sanguinários a serviço das grandes potências, pela instabilidade política, pelos massacres tribais, e pela exploração das empresas transnacionais.

Após a Segunda Guerra Mundial e no decorrer das décadas seguintes, com o acirramento da luta contra o colonialismo e o apartheid, esperava-se que a maioria dos seus líderes, ao assumirem o poder em todos os países da região, levassem o continente a encontrar a paz, a democracia, e o caminho do desenvolvimento.

Lamentavelmente, nada disso aconteceu e as imagens que nos chegam todos os dias de lá são desoladoras e de cortar o coração. Além das guerras disputadas ferozmente com as armas compradas sobretudo no Ocidente, milhões de pessoas já estão com a morte anunciada para os próximos anos, condenadas pelas doenças do subdesenvolvimento estrutural e pela AIDS.

Diarréia, sarampo, malária, tétano, desidratação e tuberculose, por exemplo, doenças totalmente controladas nos países ricos, são as principais causas de morte em quase todos os países africanos. Só na África Subsaariana, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) referentes a 1998, mais de 22 milhões de pessoas estavam infectadas pelo vírus da Aids e inevitavelmente deverão estar todas mortas nos próximos anos. Segundo a mesma fonte, para termos uma idéia da gravidade da doença nessa região, em comparação com o resto do mundo, basta dizer que o número de infectados pela Aids em todas as partes do planeta era de 33,4 milhões de pessoas.

Por outro lado, em relação ao conjunto das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), o número de infectados chegava a 65 milhões, apresentando o alarmante índice de 25 casos para cada grupo de 100 pessoas, o mais elevado do mundo.

De acordo com o Banco Mundial (Bird), em 1998, 1,5 bilhão de pessoas em todo o mundo vivia com menos de 1 dólar por dia. Em contrapartida, só na África Subsaariana, esse número era de quase 300 milhões de pessoas para uma população total do continente africano, da ordem de 765,8 milhões de habitantes. Dessa maneira, cerca de 39% de todos os africanos viviam com essa renda insignificante.

No que se refere à fome, acompanhando ainda os dados do Banco Mundial para o ano de 1998, quase 800 milhões de pessoas em todo o mundo não tinham o que comer. Entre elas, mais de 200 milhões de crianças eram diretamente atingidas. Vale dizer que nesse enorme universo de esfomeados, a África Subsaariana estava representada por 180 milhões de subnutridos.

Em termos de mortalidade infantil, uma em cada três crianças nascidas em países africanos não consegue sobreviver aos primeiros cinco anos de vida. Assim, segundo as estatísticas da OMS, Serra Leoa, Guiné Bissau, Gana, Angola, Moçambique, Somália e Nigéria, são os campeões africanos em mortalidade infantil, apresentando o maior índice do mundo, ou seja, 87 óbitos por mil nascidos vivos.

É importante lembrar que na Europa do Leste, mais precisamente na região dos Balcãs onde estão situadas a Albânia, a Macedônia, a Iugoslávia, a Bósnia-Herzegovina e a Croácia, países detentores de economias ainda primárias, e saídos recentemente de conflitos armados encarniçados, o índice de mortalidade infantil não passa de 12 ocorrências para cada grupo de mil nascimentos.

Em um continente com 30 milhões de quilômetros quadrados, com quase 800 milhões de habitantes, e com a maior taxa de crescimento demográfico do mundo, média anual de 89% entre 1995 e 2000, segundo previsões feitas pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), o agravamento da miséria, a persistência dos confrontos armados, o avanço das epidemias, o aprofundamento da corrupção e a desagregação econômica e social são os elementos verdadeiramente mais comuns aos 53 países que representam a geografia dessa parte do planeta.

Em contrapartida, a diversidade religiosa, profundamente marcada pela prática de centenas de crenças animistas tribais, que disputam espaços entre si e com religiões importantes como o islamismo, introduzido pelos árabes no século VII, e com o cristianismo, trazido após o século XIX pelo colonizador, dificulta claramente a construção da chamada unidade africana.

Como se não bastassem essas gigantescas dificuldades econômicas, políticas, sociais e religiosas, a tragédia africana se completa com o abandono por parte das nações ricas que continuam pensando apenas na exploração sem limites de suas riquezas naturais e na fomentação das guerras.

Se a história do colonialismo e do neocolonialismo foi cruel com o povo africano, as recentes políticas de ajuda empreendidas pelos organismos internacionais criados com o apoio decisivo das antigas potências coloniais, não foram diferentes e pecaram pelo paternalismo, pelos interesses mesquinhos, pelo desprezo, pelo preconceito e pela própria falta de interesse em resolver realmente os problemas estruturais do continente africano. Portanto, o saldo positivo deixado até hoje é insignificante e a prova disso é que o povo africano, como todos sabemos, continua vivendo na mais profunda miséria e no maior abandono.

No que se refere ao comércio internacional, por exemplo, onde a ajuda dos ricos poderia ser bem mais produtiva do que as tradicionais doações de alimentos, os países desenvolvidos, que dominam completamente os mercados, se esquivam de qualquer discussão sobre a abertura de espaços para produtos africanos. Assim, sem terem compradores para os seus produtos primários e para as suas matérias-primas, as economias africanas, sem poder de barganha, são obrigadas a se submeter às regras impostas pela correlação de forças desigual que impera nas relações econômicas internacionais. O resultado desse injusto tratamento, como todos nós sabemos, é o colapso econômico generalizado para os países pobres, e é justamente isso que acontece em toda a África.

Apenas para ilustrar, nos últimos quarenta anos, a economia africana encolheu e seu peso no comércio internacional não chega hoje a 2% do total. Quanto aos empréstimos e doações originários do chamado Primeiro Mundo, não chegam a representar 10% de tudo o que é produzido na economia global da África Subsaariana.

Aliás, a África Subsaariana, de cor negra, tem 48 países e cerca de 670 milhões de habitantes. De 1980 até os dias de hoje, sua renda per capita caiu em mais de 20%. Em termos de expectativa de vida, a média é de 51,8 anos, contra 64,5 na Ásia; 68,5% na América Latina; e 79,5 no Japão. Em Serra Leoa, um dos países mais miseráveis do mundo, que enfrenta neste momento uma guerra fratricida, a expectativa de vida é de apenas 39 anos.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, lembro-me de que no início da década de 1970 se falou muito no estabelecimento de uma Nova Ordem Econômica Internacional para melhorar a situação econômica e social dos chamados Países do Terceiro Mundo. Naquela época, ganhou força as posições defendidas pelos chamados Países Não Alinhados, e em muitos fóruns internacionais foram discutidas as novas bases que deveriam nortear o relacionamento entre países ricos e países pobres. Talvez por falta de unidade política no seio do Terceiro Mundo, e pela pressão exercida pelos países desenvolvidos, as discussões sobre a necessidade dessa Nova Ordem Econômica foi caindo no vazio e atingiu seu ocaso no início da década de 1990 com a aceleração da globalização.

Lamentavelmente, durante todo esse período, por causa do regime militar então dominante, o Brasil não abraçou a causa dos Não Alinhados. Em quase todos os encontros internacionais, a posição brasileira era dúbia e tímida, e o Itamaraty deixava claro que nossas preferências estavam mais ligadas aos mercados do Primeiro Mundo. Além disso, naquela conjuntura, não nos sentíamos muito a vontade em um fórum de países em vias de desenvolvimento.

Todavia, os tempos mudaram, e nos dias de hoje, os vendavais da globalização, que têm provocado abalos econômicos constantes, desemprego em massa e aumento da miséria e da violência nas chamadas economias emergentes, nos unem inevitavelmente e aproximam os nossos interesses. Por isso, precisamos construir uma unidade sólida entre nós para impedirmos novos choques que provoquem um desastre ainda maior em nossas economias, que são frágeis. Assim, diante dessa realidade ameaçadora, é chegada a hora de reorganizar o Terceiro Mundo para lutar contra a dominação do Sistema Financeiro Internacional (SFI) sobre o mercado mundial. É justamente nessa direção que o Brasil deve caminhar para exercer um papel relevante, realmente de liderança, no seio dessa comunidade.

Detentor da economia mais importante do Terceiro Mundo, ao lado da China, o nosso País tem representatividade, peso e respeito internacional de sobra para assumir uma posição de porta-voz principal dos países menos desenvolvidos. É sem dúvida com esse cacife que devemos nos preparar para entrar no século XXI, em lugar de pecarmos mais uma vez pela omissão, como aconteceu durante a existência do movimento dos Países Não Alinhados.

Para finalizar, gostaria de dizer que, se percebermos logo a importância desse caminho para o nosso futuro, seremos capazes de exigir com firmeza que a comunidade internacional coloque em prática um plano emergencial para livrar a África do caos iminente e das guerras sangrentas, e o resto do Terceiro Mundo das conseqüências dramáticas da globalização.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/11/2000 - Página 21817