Discurso durante a 165ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Presta homenagens pelo transcurso do centenário de nascimento do ex-Senador Milton Campos.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Presta homenagens pelo transcurso do centenário de nascimento do ex-Senador Milton Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 01/12/2000 - Página 23477
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, MILTON CAMPOS, EX-DEPUTADO, EX GOVERNADOR, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), EX MINISTRO, EX SENADOR, ELOGIO, VIDA PUBLICA, DEFESA, DEMOCRACIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Exmº Sr. Ministro Carlos Velloso, Srªs e Srs. Senadores, ilustres convidados, a homenagem a alguém deve ser prestada, de preferência, pelos que lhes foram coetâneos, conterrâneos, amigos e correligionários. Nada disso eu fui de Milton Campos, porque até mesmo a contemporaneidade foi marcada por um hiato temporal de mais de três décadas. Maior ainda a distância física entre o filho das alterosas, cravadas no sudeste, e o habitante da planície, lá no setentrião longínquo. E abissal o fosso ideológico que separa o liberal convicto, a batalhar pelo Estado democrático de direito, do jovem militante de esquerda, a sonhar com a revolução transformadora e purificadora.

            Mas eu não poderia deixar de estar presente, de forma ativa, nesta sessão solene, para render tributo à memória do grande mineiro, por ocasião do centenário de seu nascimento.

            Não vou cansá-los com dados biográficos, nem lembrar, repetitivamente, passagens de sua vida, possivelmente do conhecimento da maioria dos que me ouvem. Tampouco vou prestar depoimento, revelador de fatos ignorados, porque testemunha não fui de episódios que viveu. Deixo a tarefa a cargo de panegiristas mais credenciados porque o conheceram de perto ou porque ouviram relatos de terceiros que lhes foram próximos.

            Cabe-me apenas um breve registro, ditado por um imperativo interior, em razão da excepcionalidade do homenageado. Conto nos dedos os políticos de qualquer época, pelos quais sinto grande admiração. Não por ser avaro, mas pelo rigor que imprimo às minhas avaliações, mediante critérios que levam em conta principalmente a dimensão ética do avaliado.

            E Milton Campos é dos poucos, pouquíssimos, a passar qualquer crivo, ainda o mais rigoroso, a se crer no testemunho unânime de tantos que sobre ele depuseram. Logrou o feito de ser o político mais respeitado entre os seus coevos, num tempo riquíssimo em vultos de escol. E seu Partido, a legendária UDN, no qual militou a vida inteira, teve o privilégio de reunir a crème de la crème, uma constelação de brilho incomum, que tinha em Milton a sua estrela maior. Seguramente nunca antes, nem depois, até hoje, o Parlamento brasileiro abrigou, ao mesmo tempo, um conjunto de pessoas dotadas de tamanho valor moral e intelectual, a maioria na mesma legenda partidária.

            E Milton Campos conseguiu ser o Everest desse Himalaia como primus inter pares, reconhecido por seus companheiros sem contestação. Curiosamente, embora intelectual de mérito, ele não se sobrepunha aos correligionários, nesse particular. Professor de Direito, não era um jurista do porte de Aliomar Baleeiro; escritor, não chegou a ser um estilista do nível de Afonso Arinos de Mello Franco; orador, não atingiu a fulgurância de Carlos Lacerda.

            Ele se distinguia e se sobrelevava aos demais pelo raro conjunto de virtudes de caráter que reunia, pois, além de culto, era íntegro, sereno, tolerante, discreto, desambicioso, modesto e, sobretudo, elegante na maneira de ser e de agir. Como disse um de seus biógrafos, “Milton Campos era nobre, daquela nobreza e grandeza de alma, com aquela sensibilidade de espírito de sentimentos, que honram o ser humano e fazem com que outros homens, menores que ele, ainda acreditem na humanidade”.

            Tais virtudes ele soube demonstrar e praticar, sem nunca alardeá-las, em todos os numerosos cargos que ocupou, de professor, de deputado, de governador, de ministro e de senador, este último que dignificou como poucos talvez o fizeram.

            Para dar um único exemplo do seu rigor ético, sabe-se que desejava muito ser Ministro do Supremo Tribunal Federal, para o qual recebeu três convites, todos recusados por motivos que só o engrandecem. Na primeira vez, para ocupar a presidência do seu Partido, rendendo-se ao apelo de que apenas o seu nome seria capaz de uni-lo. Na segunda, mal saído de uma derrota eleitoral, entendeu que sua condução ao posto seria uma compensação inaceitável. Por último, rejeitou uma terceira vez, ao argumento de que, tendo encaminhado a proposta de aumento do número de membros do Tribunal, aceitar sua nomeação seria beneficiar-se de um ato que praticara. Como se vê, manifestação de escrúpulo somente possível num ser de eleição como ele.

            Desafortunadamente, num erro de graves conseqüências, a maioria do povo brasileiro negou-lhe a oportunidade de exercer essas virtudes na Presidência da República.

            Em 1960, num regime eleitoral que permitia o voto direto no Vice-Presidente, concorreu ao posto na chapa de Jânio Quadros, e perdeu para o Sr. João Goulart. Fosse eleito Milton Campos, diferente teria sido a história política do País, vez que ou Jânio Quadros não teria renunciado, ou Milton assumiria e concluiria tranqüilamente o seu mandato. Em qualquer das hipóteses não teria ocorrido o eclipse das liberdades, que se estendeu por longos vinte anos. Naquela eleição, não apenas ele perdeu, perdemos todos nós.

            Essa mágoa, sem ressentimento, que não lhe era próprio, ele deve ter guardado até o fim da sua luminosa vida, um fim que soube encarar com a mesma grandeza de sempre, quando, doente em fase terminal, comentou em público: “Estou aprendendo a morrer”.

            Falar mais o quê a respeito da figura paradigmática de Milton Campos, que não seja a repetição da oceânica apologia feita por todos, e foram tantos que dele se ocuparam. Mas, enfim, para arrematar com fecho realmente de ouro, porque não me pertence, vou lembrar o elogio que recebeu, incomparavelmente valioso, pelo seu conteúdo e pelo autor. Foi feito por Carlos Drummond de Andrade, um intelectual infenso a louvaminhas, mas que dedicou ao amigo o maior panegírico que já se fez a alguém em qualquer tempo. Um epitáfio talvez definitivo, feito pelo grande poeta ao igualmente grande político. Sem adjetivação, numa síntese lapidar, Drummond assim definiu o homenageado de hoje: “Milton Campos foi o homem que cada um de nós gostaria de ter sido.”

            Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas)


            Modelo17/18/246:29



Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/12/2000 - Página 23477