Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

ANALISE SOBRE O AUMENTO DA VIOLENCIA E A SUPERLOTAÇÃO NOS PRESIDIOS BRASILEIROS.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • ANALISE SOBRE O AUMENTO DA VIOLENCIA E A SUPERLOTAÇÃO NOS PRESIDIOS BRASILEIROS.
Aparteantes
Roberto Saturnino.
Publicação
Publicação no DSF de 21/02/2001 - Página 1417
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • GRAVIDADE, MOTIM, CRIME ORGANIZADO, PENITENCIARIA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANALISE, ORIGEM, PROBLEMA, VIOLENCIA, PAIS, AMBITO, CARENCIA, EDUCAÇÃO, CIDADANIA, INEFICACIA, ATENDIMENTO, JUSTIÇA, FALTA, EMPREGO.
  • DEFESA, ATUAÇÃO, LEGISLATIVO, REFORMULAÇÃO, CODIGO, MELHORIA, AGILIZAÇÃO, JUSTIÇA, FORMAÇÃO, ADVOGADO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta semana todos nós tomamos um susto ao ver as penitenciárias do Estado de São Paulo, que deveriam estar cuidando de melhorar as condições psicológicas, sociais e educacionais dos apenados, de repente se transformarem, num mesmo momento, em fulcro de tensão, temor e preocupação para toda a Nação. Todos nós ficamos pasmos - ação coordenada, fulminante, digna de qualquer Força Armada - e começamos a nos perguntar o que nos levou a isso.

            Não resta dúvida, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de que podemos apresentar parcelas de culpa em muitos itens, a começar pela educação. Se ela fosse melhor, com toda certeza teríamos cada cidadão brasileiro cumprindo o seu dever e solicitando, pedindo, exigindo os direitos que tem em relação ao Estado.

            Talvez pela carência nessa área, temos um segundo item também muito importante: a Justiça não tem celeridade, e concordei com o Senador Bernardo Cabral. No entanto, muitas vezes, nesse assunto, pensamos apenas no advogado, mas eu, quando fui Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos procurei verificar como andava a Justiça quanto aos seus segmentos, seja a Justiça Comum, seja a Federal. Espantei-me com o resultado, porque nem sendo super-homens S. Exªs conseguiriam fazer Justiça com eficiência e eficácia. Sr. Presidente, são milhões de processos que entulham os Tribunais! Por mais que um juiz tente ser eficaz e eficiente jamais conseguiria, até porque, hoje, temos uma processualística que trabalha no sentido de soluções mais demoradas.

            Sr. Presidente, em primeiro lugar, vou me referir à Educação e, em segundo, à Justiça. Pobre do País que não tem Justiça atuante, porque tudo se degringola. A Educação é um elemento exponenciador da qualidade humana. Quem tem educação se veste melhor, se alimenta melhor, cuida melhor de sua habitação, enfim, todas as necessidades básicas melhoram quando a educação é aprimorada. E em relação à Justiça, sabemos que ela reflete intensamente no tecido social. 

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Justiça é um outro item que devemos corrigir o mais depressa possível. Não quero, aqui, culpar o juiz por isso, mas devemos cuidar dos Códigos. Vejam V. Exªs que há Códigos dos anos 30; há outros que tramitam há 12 anos! Um outro ponto que merece nosso cuidado é a formação do advogado. Outro é essa processualística.

            Devemos nos preocupar com as vantagens da globalização, mas também com suas desvantagens. Na verdade, esse processo tem trazido exemplos e itens perniciosos à sociedade, como no caso da droga. A globalização tem generalizado as drogas, não a maconha e a cocaína, mas outras drogas sintéticas que estão causando enormes danos e contagiando a sociedade. É um círculo vicioso: educação fraca; justiça fraca; globalização trazendo mais problemas; Códigos precisando de reformas e sistema penitenciário corrompido.

            Sr. Presidente, não poderíamos e nem deveríamos ter misturado presos políticos, treinados para a guerrilha, com criminosos comuns. Daí surgiram os comandos, que se espalharam pelo Brasil, com técnica, agilidade e disciplina como se fossem organismos militares. Hoje, o crime domina até aqueles que deveriam combatê-lo: a própria polícia.

            A penitenciária deixou de ser uma casa de correção e passou a ser uma universidade do crime. Pobre do criminoso comum que vai para a penitenciária! Ele sai de lá escolado para qualquer tipo de crime, inclusive fazendo parte de uma das facções existentes dentro das penitenciarias, caso queira sobreviver. O problema é sério.

            Há algum tempo apresentei um pacote contra a violência. Eu dizia naquela época que deveríamos ter uma série de itens para tentar inibir a violência que cresce rapidamente. Façamos uma reflexão sobre a violência e onde ela começa. Ela nasce, na sua maioria, nas casas humildes. E por quê? Porque o sistema e as leis econômicas tão duras levam grandes massas ao desemprego ou ao subemprego. E, na casa que falta pão, começa a violência da palavra. A palavra tem muita força. Vai num crescente a discussão, e, de repente, essas crianças já não estão em suas casas; estão nas ruas. Lá, a violência continua, só que de uma outra forma. Vêm as ilusões causadas pela droga: cheira cola, toma merla, fuma o craque e, a partir daí, passa-se a fazer parte das gangues. Poucos conseguem superar essa fase. Enquanto são pequenas, essas crianças servem de aviõezinhos para levar tóxico. Quando crescem, deixam de ser aviõezinhos, porque já são grandes e podem ser presos, e passam a ser os ultraleves, como se diz na gíria do tóxico. No entanto, o espaço é pouco para voar tantos aviões e muitos morrem cedo; outros conseguem sobreviver, e, nessa escolaridade, terminam em casas corretivas. E já vimos como são as casas corretivas que temos para menores. É outra vergonha! Sejam elas para adulto, sejam para menores, as casas corretivas se transformaram em universidades do crime. Brutalizam-se ao invés de se melhorarem.

            O Sr. Roberto Saturnino (PSB - RJ) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador?

            O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Com muita satisfação, Senador Roberto Saturnino.

            O Sr. Roberto Saturnino (PSB - RJ) - Senador Ney Suassuna, V. Exª faz um pronunciamento extremamente oportuno e lúcido. Há pouco fazia referência a respeito do significado das penitenciárias e das casas de correção de menores como verdadeiras universidades do crime. No entanto, na sua própria análise, V. Exª nos convence de que antes da universidade do crime há a escola fundamental do crime, ou seja, a que está na própria organização da sociedade, nas injustiças e desigualdades que contempla, na crueldade com que age sobre as camadas mais pobres. Esse episódio de São Paulo serviu para revelar à Nação alguns dados espantosos. Por exemplo, há cinco anos havia um contingente de 115 mil detentos; hoje temos um contingente de 230 mil detentos. O que significa que, em cinco anos, dobrou o número de detentos no Brasil. Senador Ney Suassuna, isso é de se espantar, porque isso não decorre de uma eficiência maior da polícia em prender criminosos, nem numa eficiência maior da Justiça em julgá-los. V. Exª mesmo apontou, e o Senador Bernardo Cabral antes já havia dito, que há uma deficiência da Justiça. Esse aumento brutal e espantoso de detentos resulta de um aumento do número de criminosos, um aumento exatamente da delinqüência, essa a que V. Exª está-se referindo. E não adianta pensar em recursos, em mais penitenciárias e em mais vagas para elas. Nesses 5 anos foram abertas 70 mil vagas nas penitenciárias. No entanto, o número de detentos foi de mais 130 mil! Não há vaga em penitenciária que dê conta desse exército de delinqüentes e criminosos que a sociedade brasileira está formando. Temos que pensar nisso. Senador, meus cumprimentos pelo pronunciamento, acrescentando essas informações que me espantaram.

            O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado, Senador Roberto Saturnino. V. Exª está coberto de razão. Agradeço a V. Exª pelas colocações.

            Vejam: trata-se de algo muito complexo: depende da Educação, que tem de ser mais voltada para a cidadania; depende da Justiça, que tem que ser mais rápida e eficiente; depende da ordem econômica, porque essa é cruel e tange legiões de pessoas para a marginalidade; depende, com toda a certeza, da polícia, que não tem a habilidade necessária, além de um envolvimento que não queríamos que tivesse. É muito complicado, principalmente quando nos deparamos com códigos retrógrados, que precisam ser revistos. Também temos que rever a ordem econômica, o item Educação e seus conteúdos quanto à cidadania têm que ser fortalecidos. A Justiça tem que ser fortalecida. Mas, Sr. Presidente, preocupa-me bastante os exemplos dos líderes: quantos líderes não deviam ser líderes e quantos líderes dão mau exemplo?

            Há poucos dias, em uma reunião do Tribunal de Contas da União, ouvi um Ministro daquele Tribunal dizer que havia um prefeito que já estava em seu terceiro mandato, mas que, nos dois mandatos anteriores, não teve um ano sequer de suas contas aprovadas; todas foram refugadas. Mas basta ir ao Tribunal, protocolar um simples ofício, e, com aquele protocolo, aquele prefeito pode concorrer de novo e continuar dando o mau exemplo a toda uma juventude, a toda uma plêiade de cidadãos. É preciso, pois, que façamos um esforço. A nossa sociedade tem que sentar e repensar o nosso modelo.

            Com toda certeza, Senador Roberto Saturnino, embora o número de pessoas presas tenha crescido, ainda está muito aquém do que tinha que ser. E digo isso porque temos quase 150 mil pessoas que foram condenadas e ainda não foram presas ou porque não foram encontradas, ou porque fugiram, ou porque não há lugar nas penitenciárias, ou, pior ainda, porque a polícia deixou para lá. Ou seja, o sistema não tem a eficiência que gostaríamos que tivesse.

            Ontem o nosso Presidente, Senador Jader Barbalho, disse nesta Casa que esse não é um problema estadual, mas um problema nacional, de todos nós: Judiciário, Legislativo e Executivo. Temos, portanto, a obrigação de, juntos, tentar solucioná-lo.

            Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, a Nação não pode mais esperar, a Nação não pode conviver com essas manchetes que correm o mundo mostrando uma terra tão linda, com problemas tão sérios. Tenho certeza que tudo está no querer. Se quisermos, daremos conta do recado e encontraremos a solução. Mas é preciso que queiramos, porque nada na vida deixa de ter preço. O simples fato de estarmos nesta Casa, neste momento, e uma pessoa sentar para nos ouvir, isto tem um preço: o preço de deixar de estar em qualquer outro lugar. Tudo na vida tem um preço, e nós, dirigentes, líderes, parlamentares, não estamos pagando o preço para a correção desse desvio da sociedade que poderá custar muito caro no futuro. Hoje, está custando a intranqüilidade de alguns, mas, no futuro, poderá custar muito mais caro.

            É hora de darmos um basta! É hora de repensarmos! É hora de mudarmos esse sistema, buscando aprimorá-lo, corrigi-lo, para podermos ter uma sociedade irmã, solidária, capaz de nos dar orgulho e não de nos assustar a cada hora e a cada momento, coisa que tem acontecido. Cada vez que abrimos um jornal é um susto. São atos que em uma gradação macabra, dia-a-dia, assombram mais. E quando pensamos que chegou ao final, percebemos que está apenas começando, que há muito mais pela frente.

            Pensamos que o que aconteceu com Carandiru era o máximo a que se podia chegar. Mas vemos que não. Já tivemos uma gradação a mais: a sincronia das rebeliões ao mesmo tempo. Qual vai ser o próximo passo? É preciso que levemos a sério essa problemática e busquemos uma solução a curto prazo. Legislativo, Executivo, Judiciário e o Poder Civil, todos nós temos que buscar uma solução séria e a curto prazo se queremos ter um País com futuro.

            Muito obrigado.


            Modelo16/30/249:22



Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/02/2001 - Página 1417