Discurso durante a 12ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

INTERPELAÇÃO AO SR. MINISTRO DE ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, SR. CELSO LAFER.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • INTERPELAÇÃO AO SR. MINISTRO DE ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, SR. CELSO LAFER.
Publicação
Publicação no DSF de 14/03/2001 - Página 2908
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • INTERPELAÇÃO, CELSO LAFER, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, POSIÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, REFERENCIA, EXPORTAÇÃO, REPRESALIA, PAIS ESTRANGEIRO, CANADA, NECESSIDADE, DEFESA, BRASIL, GARANTIA, LEGISLAÇÃO, PROPRIEDADE INDUSTRIAL.
  • SOLICITAÇÃO, COMENTARIO, RECONHECIMENTO, AMBITO INTERNACIONAL, EFICACIA, BRASIL, COMBATE, PREVENÇÃO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Obrigado, Sr. Presidente.

Ministro Celso Lafer, no início do meu mandato, nesta Casa, de quando em vez eu fazia algumas críticas ao Departamento de Apoio ao Comércio Exterior do Itamaraty. Hoje, já não as faço, principalmente depois que conheci os Srs. Ministros Roberto Jaguaribe e Mário Vilalva, que têm feito um trabalho brilhante e permitido a nós uma grande parceria, que fizemos durante esses dois últimos anos com a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Realizamos algumas ações muito profícuas ao comércio internacional do nosso País.

Portanto, Sr. Ministro, tenho uma preocupação com a balança de pagamentos do Brasil. Não entendi por que largamos as compras com os países árabes e passamos a comprar majoritariamente no Mercosul. O nosso mercado com a Argentina, no ano passado, correspondeu a US$5,8 bilhões contra US$1,8 bilhão referentes ao que nos compraram, o que totalizou quase US$4 bilhões. A grande pauta foi petróleo.

Quanto ao petróleo, pode-se dizer que houve isenções em virtude do Mercosul. Mas deixamos de exportar produtos - como frango, soja, eletrodomésticos de linha branca e outros - a esses países árabes, que não têm, inclusive, cotas. Insistimos em países que não possuem cotas, e a dificuldade sempre tem sido muito grande. Como é do conhecimento de V. Exª, até fui à Líbia e iniciamos lá um comércio interessante, que certamente poderá alcançar US$2 bilhões anuais. Então, a minha primeira preocupação é que promovamos incentivos.

Outros dois pontos também me deixam muito preocupado, um deles em relação ainda ao Canadá. V. Exª foi preciso quando explicou o episódio da vaca louca. Contudo, há dois outros problemas com relação ao Canadá que me deixaram, além de triste, um tanto quanto perplexo. O primeiro deles, que me decepcionou muito, ocorreu quando nós, brasileiros, acatamos aquele acordo comercial - que considero intolerável - com o Canadá e nos obrigamos a pagar US$1,5 bilhão. Fiquei triste e decepcionado com isso. Mas fiquei mais decepcionado ainda, Ministro, quando fizemos a opção de comprar genéricos no Canadá, genéricos que são vendidos no Canadá, não obrigatoriamente produzidos lá. Temos uma indústria nascente de genéricos - é importante dizer isso -, mas o Decreto 3.675 veio com os termos “produtos vendidos no Canadá”, produtos esses genéricos, que não passam sequer pelo teste de qualidade dos órgãos de fiscalização brasileira. Isso é muito ruim, principalmente para a pequena indústria brasileira, que entrou com muita fé nessa área e que está enfrentando a grande indústria americana ou estrangeira. Ainda por cima, vemos que nos Estados Unidos isso não acontece, Ministro. Quando aquele país fez algo semelhante, permitindo comprar genéricos no México e no Canadá, a indústria americana Pharma imediatamente fez uma campanha com Senadores americanos, para que não votassem a favor. Quer dizer, nem lá, nem no Nafta eles aceitam; no entanto nós, de bom grado, aceitamos aqui, o que me deixou muito decepcionado.

Por último, eu gostaria que V. Exª tecesse comentários sobre o problema do sucesso que temos tido no nosso pacote contra a epidemia de Aids. E usamos o que a nossa lei de patentes permitia, ou seja, a autorização compulsória, arts. 68 e 71, o que permitiu escapar-se dos preços abusivos desses medicamentos. Contudo, os Estados Unidos abriram contra nós um painel na OMC, e fiquei perplexo de ver que ainda colocaram dois Secretários de Governo, todos dois oriundos da indústria farmacêutica, para enfrentarem os nossos diplomatas e defensores. Eu pediria a V. Exª que não afrouxássemos em relação à licença compulsória, que a mantivéssemos, porque é muito importante para a nossa população.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Sr. Ministro Celso Lafer, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, considero satisfatórios os esclarecimentos prestados por V. Exª no episódio da vaca louca, mas não posso deixar de valer-me da sua presença nesta Casa para interpelá-lo com relação a duas outras questões importantíssimas para afirmação do Brasil perante si mesmo e perante o cenário mundial e cujo as origens remontam ao contencioso em pauta, ou seja, o conflito comercial entre o Brasil e o Canadá.

A primeira delas, Sr. Ministro, diz respeito a minha profunda decepção com o assentimento e a concordância do Governo brasileiro com um arranjo comercial, a meu ver, intolerável. Como resultado da primeira rodada de conflito, na OMC, entre Bombardier e Embraer, que o Brasil perdeu, fomos condenados a oferecer compensações ao Canadá, segundo a imprensa, no valor de 1 e meio bilhão de dólares. Estranhamente, o Governo brasileiro fez a opção de comprar do Canadá medicamentos genéricos, uma inoportuna agressão à nascente indústria brasileira de genéricos, que nosso Ministro da Saúde tanto prometeu ajudar e promover.

Essa infeliz idéia está consubstanciada no Decreto 3.675, de 28 de novembro de 2000. Ele abre nosso setor de saúde pública aos genéricos vendidos pelo Canadá; note-se: vendidos; e não necessariamente produzidos pelo Canadá. Esse verdadeiro ato de agressão à indústria brasileira torna-se ainda mais intolerável ao verificarmos que o tal decreto dispensa o exportador canadense de fazer passar seu produto pelos testes de qualidade dos órgãos de fiscalização brasileiros.

Desconsidera-se aí a autoridade de nossos órgãos de fiscalização - a Anvisa ( Agência Nacional de Vigilância Sanitária) é totalmente alijada do processo - e pune-se duplamente a nascente indústria brasileira de genéricos, para a qual, há pouco tempo, o Governo brasileiro fazia juras de apoio e estímulo. E essa indústria, que vinha se firmando com dificuldade frente à oposição dos grandes laboratórios farmacêuticos multinacionais aqui instalados, está agora ameaçada de rápida destruição.

Para se ter uma idéia do impacto que um Decreto dessa natureza pode ter sobre a indústria doméstica, basta lembrarmo-nos de episódio recente onde a poderosa indústria farmacêutica norte-americana - Pharma - veiculou campanha nacional na mídia conclamando os senadores a votarem contra uma emenda que autorizaria a importação de medicamentos do México e Canadá, parceiros dos Estados Unidos no mesmo bloco econômico, o Nafta. A campanha alertava para o risco de adulteração e falsificação, rejeitava o controle sanitário das agências daqueles países e, em suma, defendiam a reserva do mercado norte-americano para produção norte-americana. Detalhe importante: assim como o Brasil, os Estados Unidos também estão obrigados às regras estabelecidas pelos acordos de TRIPs. 

A segunda é com o painel que o governo dos Estados Unidos abriu na OMC contra o Brasil, em vista da interpretação que o Governo brasileiro vem dando à nossa lei de patentes. Uma interpretação, de resto, alinhada com princípios jurídicos internacionais. Efetivamente, na luta contra a epidemia da Aids, que o Brasil vem conseguindo controlar servindo de exemplo para o mundo, estamos nos baseando em certos artigos da lei para obter medicamentos genéricos que barateiam o vital coquetel anti-retrovírus. São os artigos 68 e 71, que nos permitem escapar dos preços extorsivos cobrados pelas empresas farmacêuticas estrangeiras, entre as quais, a Merck, americana. Esses artigos dizem respeito à prática de abuso do poder econômico e a situação de emergência, como é o caso da epidemia da Aids.

As Nações Unidas e a União Européia têm assumido posições próximas às do Brasil em vista da necessidade dos países pobres e emergentes de obterem medicamentos a preços módicos.

Mesmo assim, o Governo dos Estados Unidos recorreu à OMC com o objetivo de forçar o Brasil a rever sua Lei de Patentes, notadamente os dispositivos referentes à licença compulsória. A recente designação de dois Secretários de Governo, Donald Rumsfeld e Paul Henry O’ Neill, egressos da indústria farmacêutica, sinaliza para o peso específico do tema da administração Bush e certamente os norte-americanos pretendem jogar toda sua a força na OMC para fazer prevalecer o seu ponto de vista e impor os seus interesses. Inclusive, soubemos por empresários brasileiros do setor que o Embaixador Rubens Barbosa já teria alertado o governo brasileiro para o conteúdo emblemático da designação.

Ao encerrar, gostaria de solicitar a V. Exª uma breve explanação sobre as posições do Itamaraty acerca das questões por mim levantadas e de ter o seu compromisso público no sentido de orientar os nossos diplomatas para se empenharem na preservação do instituto da licença compulsória para fabricação local, fundamental para coibir práticas abusivas decorrentes das patentes monopólicas, bem como de outras providências para rechaçar práticas de imposições unilaterais de países do G-7 na nossas questões domésticas.

Muito obrigado. 

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado, Ministro, pela informação.

Encerro, pedindo a V. Exª um apoiamento. Sonho com este Brasil invadindo todos os comércios e todas as oportunidades possíveis. E temos uma chance de transformar o nosso porta-avião Minas Gerais numa feira permanente que saia de porto em porto, levando todos os produtos brasileiros, até uma casa inteira se for preciso, uma vez que o navio se adapta. Esse navio está sendo desativado. Já estive com o Ministro da Marinha e com o Presidente da República. Criamos um grupo de apoiamento às exportações e convidamos o Dr. Roberto Gianetti, que se entusiasmou com a idéia. E também solicito ao Ministério das Relações Exteriores que também se engaje nesse estudo, para, após a verificação da viabilidade, transformarmos o nosso Minas Gerais numa feira permanente. Feiras são montadas e desmanchadas, o que custa uma fortuna. A última custou R$14 milhões, e foi um escândalo. Já com o porta-avião, sairemos de porto em porto levando o Brasil, inclusive com muitas vantagens. Trata-se de uma idéia viável, plausível e que, com toda a certeza, fará com que o Brasil abra suas fronteiras, levando seus produtos a cada porto estrangeiro, auxiliando o comércio internacional.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/03/2001 - Página 2908