Discurso durante a 16ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

TRANSCURSO DOS DEZ ANOS DA APROVAÇÃO DA LEI 8.078, QUE DISPÕE SOBRE A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.

Autor
Nabor Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Nabor Teles da Rocha Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.:
  • TRANSCURSO DOS DEZ ANOS DA APROVAÇÃO DA LEI 8.078, QUE DISPÕE SOBRE A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.
Publicação
Publicação no DSF de 20/03/2001 - Página 3475
Assunto
Outros > CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
Indexação
  • ANIVERSARIO, CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, ANALISE, MELHORIA, CIDADANIA, RELACIONAMENTO, CONSUMIDOR, EMPRESA, APERFEIÇOAMENTO, INDUSTRIA, COMERCIO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO.
  • DEFESA, AMPLIAÇÃO, NUMERO, DEPARTAMENTO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (PROCON), MUNICIPIOS, REFORÇO, CONSCIENTIZAÇÃO, CIDADÃO, CONSUMIDOR.
  • ANUNCIO, PROPOSTA, GOVERNO, CRIAÇÃO, AGENCIA NACIONAL, DEFESA DO CONSUMIDOR, VINCULAÇÃO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ).

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB - AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há pouco mais de dez anos, no dia 11 de setembro de 1990, o Presidente da República sancionou a Lei nº 8.078,que "dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências".

Esse instrumento revolucionário teve sua vigência marcada para 11 de março do ano seguinte quando efetivamente passou a ser aplicada.

O Código de Defesa do Consumidor foi uma autêntica revolução nos costumes, nas relações de comércio e prestação de serviços, afetando todas as transações como nunca se vira antes. Cobriu desde as singelas operações de compra e venda no pequeno varejo até os grandes negócios protagonizados por macroempresas e interesses do mesmo porte.

O alcance registrado poderia ser previsto por todos que lessem o texto legal então sancionado cujo art. 1º já preconizava:

“Art. 1º. O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor de ordem pública e interesse social.”

Sim, porque a compra de bens e serviços é o primeiro passo para poder viver na moderna sociedade.

O povo costuma afirmar quando enfrenta sacrifícios e consegue resolver problemas “antes tarde do que nunca”. Isso se aplica, com perfeição, ao Código de Defesa do Consumidor, que rapidamente passou a ser uma referência concreta para o cidadão exigir direitos e não se deixar iludir por propaganda enganosa ou manobras diversionistas. Como admitem até mesmo os eternos céticos, essa foi uma lei que “pegou” - em grande parte pela perfeita sintonia registrada entre as aspirações sociais e o trabalho dos legisladores.

Os cidadãos, que sempre foram o lado mais frágil nas relações de consumo e de serviços, investiram-se de prerrogativas e passaram a exigir respeito nas compras e nos contratos que assumiram. Isoladamente ou integrados em alguma das diversas associações de consumidores, entrosaram-se com organismos como Procon, ONG, Ministério Público e até mesmo a OAB.

As empresas, por seu turno, também assumiram responsabilidades, criando, desenvolvendo e prestigiando seus serviços de assistência ao consumidor.

Foi com imensa satisfação que participei, na última quinta-feira, de um debate promovido pela TV Senado, ao lado do Chefe do Departamento de Proteção do Direito do Consumidor Brasileiro do Ministério da Justiça e do repórter Beto Almeida da própria emissora desta Casa.

Quero enfatizar, em primeiro lugar, os cumprimentos ao jovem paladino da sociedade, Roberto Freitas, cujos argumentos, sólidos e simples, revestiram-se de uma força que só a solidez e a simplicidade podem propiciar.

Afinal, nas lides parlamentares aprendemos que argumentações hiperbólicas e linguagem empolada escondem a inconsistência de seus autores. Naquele programa, ficou-nos a certeza de que muito mais ainda está por ser feito, na sistematização legal da defesa do consumidor brasileiro.

Mas trocamos idéias e experiências sobre o que já se fez nessa década. Com a certeza de que o Código, mesmo sendo prioritariamente uma arma nas mãos dos contratantes, é também um instrumento de defesa dos fornecedores e contratados em geral, pois ali estão os direitos e deveres de ambos os lados, o ponto de partida para a solução de qualquer problema superveniente.

Quero, em primeiro lugar, oferecer destaque ao lado menos mencionado das inovações implantadas pelo Código de Defesa do Consumidor: os benefícios prestados às empresas industriais, comerciais, representativas e prestadoras de serviços.

A simples existência de regras claras e expressas para a sua atuação as levou a otimizar estruturas, definir padrões de produção, transporte, distribuição e venda; criou a consciência jurídica de seu papel na sociedade; implantou uma promissora e sadia competição; acima de tudo, modernizou todo o sistema mercantil e fabril do País.

Quem enriquecia à custa do lucro abusivo, da fraude, da burla e da mentira, perdeu espaços e enfrentou sérios problemas na Justiça e na concorrência com empresas do mesmo ramo; a vigilância do consumidor se firmou como um divisor de águas, condenando os maus empresários e suas práticas deletérias - enquanto privilegia quem, além de praticar preços decentes, oferece produtos e serviços de boa qualidade.

As principais indústrias e redes comerciais, como disse há pouco, criaram organismos próprios de atendimento às exigências, cobranças e dúvidas dos consumidores - e, através deles, aprimoraram suas ofertas e ganharam competitividade.

Mas não podemos esquecer um velho provérbio português que diz: “Quem precisa de lei é o pobre, porque o rico tem o seu dinheiro para se fazer respeitado”. E o lado mais fraco na disputa empresa versus consumidor é, inegavelmente, o consumidor.

O CDC, passados esses dez anos, confere aos clientes um elenco de vitórias substanciais, cobrindo desde a área de serviços prestados por instituições públicas até as compras feitas na lojinha da esquina. Coisas como proteção contra cláusulas contratuais abusivas, propaganda enganosa e práticas deturpadoras da livre concorrência; mecanismos de proteção à vida, à saúde, aos direitos objetivos e subjetivos; indenizações nas lesões mais graves aos direitos dos contratantes, compradores ou usuários; informação de aspectos essenciais que até recentemente eram sonegados, como a composição dos produtos alimentícios, com discriminação de calorias, lipídios etc.

Todas essas conquistas podem ser englobadas numa palavra, que só recentemente veio a merecer o devido respeito: cidadania. A consciência é o primeiro gesto do cidadão, ao afirmar-se como agente social; valorizá-la é uma obrigação do Estado e da sociedade organizada. Quem não conhece seus direitos não pode cobrar deveres aos interlocutores; não havendo normas consistentes, resta o pântano das omissões e das indefinições, onde medram as míseras leis que “não pegaram”.

Reforçar esse trabalho de conscientização do cidadão, do consumidor, é - de fato - o grande desafio de todos nós.

            No plano material, como oferecer mais eficácia aos mecanismos de proteção ao consumidor? Primeiro, ampliando e fortalecendo organismos institucionais e privados devotados a esse objetivo. É urgente a necessidade de estendê-los a todos os municípios e rincões nacionais, porque o Poder Público continua ausente em cerca de 5.500 cidades, numa frontal violação do princípio básico do Código de Defesa do Consumidor, que é propiciar a todo cidadão o direito de exigir respeito ao adquirir algum bem ou serviço.

É como afirma o Dr. Roberto Freitas, Chefe do Departamento de Proteção do Direito do Consumidor do Ministério da Justiça: “Os municípios interioranos continuam sendo os mais prejudicados pelas deficiências estruturais do sistema oficial”.

Na citada mesa-redonda promovida pela TV Senado, ficamos sabendo que o Poder Executivo pretende criar uma agência nacional reguladora dos direitos dos consumidores, que seria vinculada ao Ministério da Justiça. Já existe, até mesmo, um anteprojeto de lei sob exame da Casa Civil da Presidência da República, para promover tal unificação.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acredito que essa questão deva ser tratada com prudência e objetividade. Não podemos permitir a destruição de entidades que, ao longo da última década, alavancaram a consciência coletiva, tão aguda e sensível. Lembro-me dos tempos em que Ralph Nader era citado como um ser do outro planeta e “direito do consumidor” soava como algo exótico, “coisa de gringo criador de caso”.

Foi estranho quando lemos nos jornais, há 15 ou 20 anos, que uma delegação de donas-de-casa dos Estados Unidos se encontrava a caminho do Paraná, para ver se realmente estava geando ou não, porque os preços do café disparavam nas bolsas e nos mercados internacionais, sob o pretexto de perdas da safra brasileira, decorrentes de tal geada. E elas vieram, viram, comprovaram e só aí admitiram que o problema, de fato, existia. Mas, nem por isso, deixaram de estimular o consumo de sucedâneos, como o chá, cujos preços passaram a ser mais razoáveis que o nosso então inflacionado café.

Aliás, isso é prática comum no chamado Primeiro Mundo. Nos Estados Unidos e nos principais países da Europa, quando um preço é aumentado exageradamente, instituições de defesa do consumidor denunciam essa especulação e promovem o boicote do produto, que, sem grandes delongas, logo retorna à tabela anterior.

Pois o Brasil, hoje, está consolidando a certeza de que a luta pioneira de Ralph Nader não era fenômeno puramente norte-americano - ao contrário, converteu-se num imperativo da própria condição humana, convergente e coerente com pelo menos três dos quatro desejos fundamentais: consideração, segurança e correspondência. O quarto desejo básico da humanidade, aliás, também está na raiz da questão: a busca de novas experiências, que leva o consumo de produtos e serviços desconhecidos ou pouco freqüentes.

A partir de 11 de março de 1991, demos passos gigantescos e acelerados.

A cada dia, verificam-se ocorrências que comprovam a cautela das empresas no atendimento aos clientes. Eu mesmo, recentemente, tive um sério problema com o telefone celular, cujo conserto foi pedido e efetuado diversas vezes pela assistência técnica autorizada. Mas o defeito jamais foi sanado e, então, entrei em contato com o fabricante, exigindo a substituição do aparelho. Após vários contatos e envio de correspondências, só consegui uma solução favorável no dia em que ameacei recorrer ao Procon.

Fica claro, assim, que fomos do quase zero para uma rede de proteção à cidadania, representada por 27 Procons estaduais em cerca de 600 Municípos. Existem pequenas variações constitutivas como, por exemplo, o fato de que três Estados dispõem de Promotorias e, em um ou outro, a defesa do consumidor se faz através de uma Delegacia.

Mas, isso não invalida o muito que se fez nem pode afetar a abordagem construtiva do que ainda falta ser feito.

Ao contrário, devemos dedicar o melhor de nossos esforços para suprir deficiências e sanar desvios operacionais. Não podemos deixar, por um momento sequer, de defender a população, pois essa é a nossa obrigação. Não temos o direito de retroceder, de desperdiçar as conquistas já incorporadas à cultura social brasileira.

Somos um povo pobre e trabalhador. Como dizem as pessoas simples, “dinheiro só tem valor na hora de ganhar; para gastar, não vale nada”. Com isso, o cidadão fala do sacrifício a que é submetido, na busca de recursos para sobreviver com dignidade, criar e educar os filhos; cobra, ao mesmo tempo, apoio das instituições públicas, na hora em que transforma esse dinheiro em benefícios e progresso para a família.

O mínimo que o Estado tem de fazer, portanto, é andar sempre para a frente, na valorização dos direitos do consumidor.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, concluo com a exortação, dirigida a V. Exªs e a todos quantos se invistam da responsabilidade de trabalhar pelo desenvolvimento econômico, político e social do País: defender os direitos do consumidor é, na realidade, lutar pelas mais elementares regras de cidadania, pela autêntica democracia. Essa defesa precisa de bases profundas na consciência coletiva e na promoção do bem-estar de toda a Pátria.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/03/2001 - Página 3475