Discurso durante a 17ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COBRANÇA DE UMA POLITICA GOVERNAMENTAL EFETIVA DE CONSERVAÇÃO E RECUPERAÇÃO DA MALHA RODOVIARIA BRASILEIRA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • COBRANÇA DE UMA POLITICA GOVERNAMENTAL EFETIVA DE CONSERVAÇÃO E RECUPERAÇÃO DA MALHA RODOVIARIA BRASILEIRA.
Publicação
Publicação no DSF de 21/03/2001 - Página 3631
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • NECESSIDADE, ACOMPANHAMENTO, SITUAÇÃO, REDE VIARIA, PLANEJAMENTO, CONSERVAÇÃO, RECUPERAÇÃO, AMPLIAÇÃO.
  • REGISTRO, SUPERIORIDADE, RODOVIA, BRASIL, DEFESA, DEBATE, ALTERAÇÃO, MATRIZ, TRANSPORTE, AMPLIAÇÃO, FERROVIA, HIDROVIA, TRANSPORTE INTERMODAL.
  • PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, RODOVIA, REGISTRO, DADOS, CONSELHO NACIONAL DE TRANSPORTES (CNT), ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, ESTADO DO CEARA (CE).
  • SOLICITAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DOS TRANSPORTES (MTR), ATENDIMENTO, REIVINDICAÇÃO, PRODUTOR, ESTADO DO CEARA (CE), LIBERAÇÃO, VERBA, EMERGENCIA, RECUPERAÇÃO, RODOVIA, ACESSO, AREA INDUSTRIAL, CAPITAL DE ESTADO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, assim como a fina rede de veias e artérias está para o corpo humano, a malha de vias de transporte está para a vida de um país.

Assim como o delicado sistema de circulação sangüínea garante a irrigação de todo nosso corpo, assegurando que nossos órgãos vitais disporão dos elementos necessários ao desempenho de sua função, o Brasil depende visceralmente do bom funcionamento de sua rede de transportes para que seus setores vitais possam, eles também, desempenhar-se a contento.

Assim como temos a necessidade de, pelo menos uma vez ao ano, efetuar uma revisão geral de nosso corpo, tratando, se for o caso, as disfunções constatadas, o País precisa ter um programa permanente de acompanhamento do estado de sua malha de transportes, que se complete por um planejamento estratégico de conservação, recuperação e ampliação da malha.

O Brasil, logo após a Segunda Guerra Mundial, optou por uma matriz de transporte essencialmente rodoviária. O resultado dessa opção é, ainda hoje, visível nos indicadores relativos ao setor. Enquanto as rodovias contam com 1,7 milhão de quilômetros de extensão, as ferrovias perfazem apenas 30 mil quilômetros e as hidrovias ainda menos. Enquanto as ferrovias transportam cerca de 400 bilhões de toneladas/quilômetro por ano, as ferrovias ficam com 130 bilhões, a navegação de cabotagem com 82, as dutovias com 24 e a navegação aérea com apenas 2 bilhões.

Sem necessidade de maiores demonstrações, fica cabalmente estabelecido que o Brasil depende essencialmente de suas rodovias para que sua economia possa funcionar a contento, já que elas respondem por cerca de 64 por cento do que é transportado dentro do território nacional.

E aqui emerge a primeira grande questão relativa ao setor de transportes que deve ser posta hoje para toda a sociedade e, principalmente, para os setores produtivos e para os formuladores de políticas públicas: não chegou a hora de revermos nossa matriz de transporte, redimensionando nossos diversos modais e estabelecendo um novo equilíbrio entre eles? Não estaríamos no tempo de explorar nosso imenso potencial hidroviário? Nossas possibilidades dutoviárias? De expandir nossa malha ferroviária? E de incentivar a cabotagem ao longo de nosso extenso e propício litoral?

Sabemos todos, perfeitamente bem, que o Governo Federal está agindo nesse terreno. Mas não seria o caso de envolvermos mais fundamente toda a sociedade, a partir de um debate no seio do Parlamento Nacional?

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a partir da introdução que acabo de fazer, estou convicto de que dispomos de temática mais do que suficiente para estabelecermos um debate dos mais interessantes e que repercutiria fundamente em toda a vida nacional. Contudo, irei, neste pronunciamento, restringir-me a tratar do modal rodoviário, mais precisamente das rodovias em si.

Creio não precisar repetir os números que acabo de citar para convencer meus nobres ouvintes de que estamos falando de algo que toca mais da metade da produção nacional, de nosso PIB ou de qualquer outro indicador de nossa economia. Mais ainda, de algo que toca a vida de todos os brasileiros, pois eles são a realidade que se esconde atrás dos números da economia.

Para situar V. Exªs no universo de que estou tratando, gostaria de citar mais alguns dados, mesmo com o risco de ser um pouco enfadonho. A malha rodoviária brasileira é constituída por um triplo sistema de rodovias: o federal, o estadual e o municipal. O conjunto comporta, como já disse, um total aproximado de 1,7 milhão de quilômetros, distribuídos de modo algo inesperado, para um leigo na matéria, como seja: 67,5 mil km de rodovias federais; 200 mil estaduais e incríveis 1,3 milhão de quilômetros de rodovias municipais. Ou seja, o imenso sistema capilar de estradas abertas e geridas pelos municípios brasileiros responde por mais de três quartos do total da malha.

Contudo, são as rodovias federais que formam os grandes corredores de escoamento da produção do País. Os Estados, principalmente os do Sul e Sudeste, completam esse quadro, integrando suas vias ao sistema federal.

E como vai este nosso aparelho circulatório? Infelizmente, para usar uma linguagem médica que me é muito familiar, ele apresenta um acelerado processo de esclerose. Suas veias estão entupidas, não de placas de gordura, mas de buracos. Suas artérias estão enrijecidas pela precariedade de seus traçados e limitada capacidade de receber veículos.

Para citar apenas um exemplo que todo brasiliense conhece bem, basta querer ir de Brasília a Belo Horizonte de carro. Neste momento, a BR-040 tem seguramente mais de 100 km quase que intransitáveis pela quantidade e profundidade dos buracos que se abriram desde que a estação das chuvas começou.

Se uma estrada importante como a BR-040 está nesse lamentável estado, imaginem os meus nobres Pares como estão as demais pelo Brasil afora. Eu fico imaginando, mais do que isso, constato visualmente o estado em que se encontram as rodovias do Nordeste e, em particular, as do meu Ceará.

Faço este comentário, ou melhor esta análise crítica, reconhecendo o esforço que fazem os Governos Federal, Estadual e os Municipais para cuidarem de nossas estradas. Contudo, não posso me esquivar admitir que precisamos mais fazer, muito mais, sobretudo no que diz respeito aos grandes eixos de escoamento da produção nacional.

Sr. Presidente, não poderemos jamais pensar em desenvolvimento sustentado sem um sistema de transporte que lhe dê a devida sustentação. Ora, a região que mais necessita impulso desenvolvimentista é o Nordeste, mercê de suas carências históricas. Mesmo assim, somos obrigados a nos rendermos à triste constatação de que nossa malha rodoviária é precária em sua extensão e abrangência, e péssima em seu estado físico de conservação.

Se coligirmos os dados da pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Transportes, em 1997, sobre nosso parque rodoviário, podemos ver que:

- 92,3% das rodovias estão em estado péssimo ou deficiente no que respeita a conservação geral;

- 76,2% encontram-se, também, com a sinalização em estado péssimo ou deficiente;

- 85,3% apresentam o pavimento no mesmo estado péssimo ou deficiente.

Se agregarmos a esses dados o fato de que 93,3% dessas vias se deterioram por causa de suas deficiências de engenharia, ou seja, são estradas de pista simples com acostamento em regiões com topografia acidentada, vemos que o futuro de nosso parque rodoviário não se mostra dos mais alvissareiros. Traduzindo a linguagem técnica, são estradas cujo traçado e configuração de tráfego são inadequadas para as regiões onde foram implantadas, tendo em vista o tipo e quantidade de veículos que nelas trafegam, o clima da região que atravessam, o terreno em que se desenvolvem.

Se, ainda mais, olharmos os recentíssimos dados do levantamento do DNER sobre as rodovias federais pavimentadas, veremos que 27% de sua extensão encontram-se em mau estado, 39,4% em estado apenas regular e o restante em bom estado. Se olharmos ainda mais fundo, veremos que o meu Ceará, tem suas rodovias em situação em tudo semelhante à média nacional: 25% em mau estado, 31% regular e apenas 44% em bom estado. Contudo, este não é o sentimento nem a vivência das pessoas que utilizam o sistema federal de estradas no Ceará.

Sr. Presidente, acabo de receber expediente do Presidente da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), cujo tom ingente não deixa dúvidas quanto às dificuldades causadas pela má conservação de estradas importantes para a economia e a vida de meu Estado. O anel viário e o trecho da BR-116 que formam o conjunto sob administração federal que dá acesso ao Distrito Industrial de Fortaleza está em tal estado que até casos de mortes ocorrem por conta disso. Não se trata mais de pedir manutenção. Trata-se de estancar um processo de acelerada deterioração de artérias vitais para a produção do Ceará, já que é desse Distrito que sai um terço da produção industrial cearense. Estamos, só para citar meu Estado, nos aproximando do estado de emergência, beirando o colapso de nossa capacidade de escoar o produto do esforço do povo cearense.

Sr. Presidente, sou um Senador membro do PSDB. E por isso mesmo é que me permito traçar este perfil do estado de nossa malha rodoviária. Quero que o Governo Fernando Henrique atente para a urgente necessidade de estabelecer e cumprir um plano de metas para a recuperação e ampliação de nosso sistema rodoviário.

O que hoje ocorre com a conservação das rodovias nacionais vai muito além de questões de política de governo. Trata-se de um hábito cultural profundamente arraigado no espírito brasileiro. E, infelizmente, de um mau hábito. O hábito de que basta implantar os sistemas, descurando-se totalmente de que eles necessitam de manutenção, conservação, recuperação e restauração.

Desde todo o sempre nós imaginamos, primeiro que o melhor é criar e implantar sistemas - sejam leis ou infra-estrutura física - que supostamente resolvam em definitivo os problemas, e que neles não mais se precise pensar. De fato, esse seria o ideal: soluções definitivas e permanentes que não mais precisassem ser revistas. Desgraçadamente, nada na natureza é perene, a começar pelo ser humano. Tudo se desgasta, se transforma, se deteriora. Tudo, em conseqüência, necessita de conservação para assegurar-lhe uma vida útil que corresponda às expectativas e necessidades nossas, enquanto indivíduos e sociedade.

E aqui gostaria de mencionar uma lei empírica muito usado no mundo da engenharia civil, que sabidamente não é meu campo de especialidade, mas do qual empresto a sabedoria. Diz essa lei, chamada de Lei de Sitter ou “Lei dos Cincos”, que cada dólar economizado indevidamente no projeto de uma obra significa custo adicional de 5 dólares na implantação do projeto, 25 dólares de custo de manutenção para evitar as deteriorações causadas pelos defeitos, e 125 dólares de recuperação para sanar os erros não corrigidos até então. Ou seja, os custos diretos e indiretos se multiplicam por 5 cada vez que não se age a tempo e a hora para maximizar a qualidade do que se constrói e do processo de manutenção permanente.

Ora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não podemos ignorar que a malha rodoviária de qualquer país, em especial de um Brasil continental, é um sistema de elevado índice de uso e que necessita, portanto, de contínua ação de conservação.

Se, confrontados com problemas de restrição orçamentária, a primeira atitude que temos é a de cortar as verbas de custeio e manutenção, o que estamos fazendo é postergando ações impostergáveis. O resultado será o agravamento de custos e a conseqüente piora do problema orçamentário. Não adianta zerar rubricas de custeio e manutenção. Pode-se, isto sim, racionalizá-las, minimizar custos, planejar ações que aumentem sua eficácia e eficiência. Nunca se deve, para o bem da sociedade, eliminar as verbas para tais ações.

E o reflexo deste nefando hábito nacional está na relação entre a necessidade e o efetivamente aplicado em recursos nas rodovias. O Brasil necessita, segundo avaliam os técnicos, de R$2 bilhões/ano, enquanto que no período 1995/1999 aplicou-se apenas R$1 bilhão/ano. Ou seja, a metade do que deveria ter sido aplicado. Se refletirmos que isso se passou durante 5 anos, concluímos que estamos, já, com um déficit de investimento da ordem de 5 bilhões de reais. Ou seja, estamos cavando buracos em nossas estradas, já na elaboração do orçamento e na liberação de recursos.

Ao longo de 2000 o Governo Federal investiu 1,8 bilhão de reais em sua malha rodoviária, dos quais 1,1 bilhão em manutenção e recuperação de vias. Ou seja, repetiu-se o quadro dos anos anteriores, com o déficit aumentando, mesmo com todas a boa vontade do Governo.

Retomando ainda um dado do universo da engenharia civil, podemos mencionar que a falta de conservação aumenta em muito os custos de recuperação quando se decide agir. Assim, é clássico na engenharia considerar como valor de referência para manutenção de um sistema a alocação, para suas ações, de 0,5% do valor patrimonial do empreendimento ao ano. Tal índice pode subir para até 1%, se as ações não forem feitas no tempo e na medida exatas. Contudo, esse mesmo índice pode baixar substancialmente se as ações forem eficazes e executadas dentro de um planejamento bem-feito e de modo continuado.

Ora, Srªs e Srs. Senadores, se nos restringirmos apenas ao conjunto das vias pavimentadas dos sistemas federal e estaduais, seu valor patrimonial estimativo gira em torno de 300 bilhões de reais. Em conseqüência, o Orçamento Geral da União deveria alocar, anualmente, no mínimo 1,5 bilhão para manutenção desse conjunto. Ora, o OGU de 2001 prevê apenas 1,1 bilhão, o que não é de modo algum desprezível, mas obviamente insuficiente, infelizmente para todos nós. E as conseqüências serão a repetição de situações como a de Fortaleza, um pouco por todo o País.

Na fase de implantação um governo pode escolher se faz ou não determinada rodovia. Uma vez que ela está começada, ou já existe, não lhe cabe mais a alternativa de não lhe destinar recursos de manutenção. Tal atitude eu diria que corresponde a dar um tiro no próprio pé, pois os problemas serão cada vez mais difíceis de sanar e seus custos aumentam rapidissimamente.

Sr. Presidente, não podemos nos arriscar a reviver a situação que enfrentamos há pouco mais de uma década, quando circular em veículo por qualquer via era uma aventura de desfecho incerto, até mesmo dentro das cidades. Quanto o Brasil não perdeu, e ainda perde, de sua produção pela absoluta impossibilidade de fazer circular por estradas intransitáveis sua produção agrícola ou industrial?

Por tudo que acabo de dizer, é que, como Senador eleito pelo povo do Ceará, venho aproveitar a força desta Tribuna para solicitar ao Sr. Ministro dos Transportes, Dr. Elizeu Padilha, que atenda aos produtores de meu Estado e libere a verba emergencial solicitada em expediente conjunto da FIEC, do Chefe do Distrito do DNER e do Departamento de Estradas do Ceará.

São 1,3 milhão de reais que servirão para recuperar o sistema de acesso ao Distrito Industrial de Fortaleza. Serão recursos que aliviarão sobremodo a economia cearense e que representam cerca de 3% do que foi investido ano passado no Estado e do que está previsto no OGU deste ano. É pouco, mas é muito importante para um Estado pobre mas trabalhador e que quer, por seu próprio esforço superar suas malezas sociais.

Creio que meu povo merece esta consideração do Governo Federal. Creio mais! Creio que o País como um todo merece a consideração de ter alocados para seu sistema circulatório vital os recursos necessários para evitar sua esclerose e o colapso de todo o organismo produtivo nacional.

Não repitamos erros de um passado ainda recente! Para o bem do País!

Muito obrigado, era esse o alerta que desejava fazer!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/03/2001 - Página 3631