Discurso durante a 19ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DEFESA DA PRODUÇÃO, PELO BRASIL, DOS MEDICAMENTOS ANTI-AIDS, E DA CONTINUIDADE DA DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS INFECTADOS.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE. POLITICA EXTERNA.:
  • DEFESA DA PRODUÇÃO, PELO BRASIL, DOS MEDICAMENTOS ANTI-AIDS, E DA CONTINUIDADE DA DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS INFECTADOS.
Aparteantes
Eduardo Siqueira Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 23/03/2001 - Página 3810
Assunto
Outros > SAUDE. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • REGISTRO, AMPLIAÇÃO, MEDICAMENTOS, PRODUTO GENERICO, BENEFICIO, POPULAÇÃO CARENTE.
  • COMENTARIO, ABUSO, INDUSTRIA FARMACEUTICA, AUMENTO, PREÇO, MEDICAMENTOS, POSTERIORIDADE, ACORDO, GOVERNO, CONGELAMENTO.
  • ELOGIO, PROGRAMA, GOVERNO BRASILEIRO, COMBATE, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), PRODUÇÃO, MEDICAMENTOS, PRODUTO GENERICO, DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, DOENTE.
  • ANALISE, PENDENCIA, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), RELAÇÃO, QUEBRA, PATENTE DE REGISTRO, MEDICAMENTOS, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), BRASIL, COOPERAÇÃO TECNICA, AUXILIO, TERCEIRO MUNDO, OBJETIVO, PRODUÇÃO.
  • REGISTRO, APOIO, BRASIL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), UNIÃO EUROPEIA, RELAÇÃO, PROGRAMA, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há algum tempo, pronunciei-me neste plenário sobre uma situação esdrúxula, que, infelizmente, ocorre em nosso País: a das leis que não “pegam”, isto é, não são acatadas, cumpridas, embora tenham existência real, uma vez que foram promulgadas.

Hoje, entretanto, desejo reportar-me a um diploma legal que, após vencer os obstáculos e resistências iniciais, vem encontrando grande aceitação popular. Refiro-me à Lei nº 9.787/99, conhecida como “Lei dos Genéricos” - tema de diversos pronunciamentos e debates nas duas Casas do Congresso Nacional.

Apesar de aprovada e promulgada em 1999, a Lei dos Genéricos só foi implantada, na prática, no ano passado, com o registro de vários títulos junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVS), responsável pela autorização dos genéricos para comercialização no mercado nacional.

Ainda no ano 2000, o Governo começou a abrir mercado para os genéricos, por meio da distribuição desses produtos na rede pública. Posteriormente, o registro de medicamentos desse tipo passou a ser feito por entidades e não mais por pessoas. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária credenciou instituições - geralmente universidades - para avaliar e assegurar a qualidade e a bioequivalência dos genéricos.

Em um País em que 36 milhões de pessoas vivem abaixo do nível de pobreza, os medicamentos genéricos representam uma economia de até 50%. Essa é, por conseguinte, uma concretização do que vem sendo recomendado pela Organização Mundial de Saúde - OMS, no sentido de que os países garantam aos seus cidadãos o acesso a medicamentos essenciais e a vacinas.

Uma das vantagens dos genéricos - e que os torna mais baratos - é o fato de que os respectivos laboratórios produtores estão livres de duas grandes despesas: o investimento em pesquisas, já que as drogas foram descobertas pelo laboratório das marcas famosas, e os custos de publicidade, já que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária se encarregará dessa divulgação. Em várias situações, senhores, comprar um genérico representa uma economia de 50%, o que significa muito para quem vive em situação de pobreza.

No início deste mês de março, por exemplo, o Conselho Regional de Farmácia do Distrito Federal constatou que 385 medicamentos tiveram um reajuste no final do mês de fevereiro. As negociações do Governo Federal com os laboratórios estabeleceram que os preços deveriam permanecer congelados entre janeiro e dezembro de 2001. Enquanto as providências cabíveis não coíbem esses abusos, a população se vale dos genéricos em suas necessidades.

Sr. Presidente, Sras e Srs Senadores, em 1991, o Brasil decidiu iniciar a produção em laboratórios públicos de medicamentos genéricos para combater a Aids. Recebemos muitas críticas da comunidade internacional. Entendia-se que, à época, todo país pobre deveria cuidar apenas da prevenção.

Em 1992, as projeções do Banco Mundial indicavam que, em 2000, haveria no Brasil 1,2 milhão de pessoas infectadas pelo vírus HIV. Entretanto, senhores, os cálculos do Ministério da Saúde indicam apenas 536 mil, sendo que é de 95 mil o número de doentes que faz uso do coquetel antiviral e de 22 mil o número de doentes registrados nos últimos cinco anos.

Esses totais, embora preocupantes, são altamente positivos, se considerarmos a população brasileira de 169,5 milhões de habitantes.

O Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, classificou o programa de combate à Aids adotado em nosso País como um exemplo a ser seguido pelas demais nações. Aquela autoridade pretende enviar uma comissão de técnicos para reunir-se com funcionários do Ministério da Saúde, objetivando maiores informações sobre o programa. Esse material poderá ser o passo inicial para a aplicação das nossas estratégias em outras regiões pobres do mundo, como a África.

Desejo ressaltar, Srªs e Srs Senadores, que, pela política de distribuição gratuita, reduziu-se à metade o número de mortes pela doença, e evitaram-se milhares de hospitalizações, com enorme economia para o Governo brasileiro - o que tornou o programa viável.

O coquetel utilizado para combater a Aids é composto por doze medicamentos, dos quais quatro são importados. O gasto total para produção da fórmula foi de US$319 milhões. Mais de US$100 milhões foram gastos apenas com os dois componentes mais caros - o Efavirenz e o Neufinavir. É um custo absurdo, Sr. Presidente, e plena razão teve o Ministro da Saúde, José Serra, ao detalhar em Nova Iorque, na Organização das Nações Unidas, o programa brasileiro de combate à Aids: “queremos preços razoáveis para continuar tratando dos aidéticos no Brasil”. Sua Excelência informou que, enquanto o preço médio dos genéricos caiu 70% nos últimos quatro anos, os medicamentos de marca mostraram queda de apenas 9%. Por isto, como o Brasil tem experiência na produção de genéricos, pode, com base em lei, produzir esses medicamentos anti-Aids.

Este, nobres Colegas, é o estopim da contenda entre o Brasil e os EEUU, junto à Organização Mundial do Comércio -- OMC. Alegam os norte-americanos que o art. 68 da nossa Lei de Patentes desrespeita o acordo de direito de propriedade intelectual relacionado ao comércio.

Esse art. 68 da Lei nº 9.279/96, combinado com o art. 71, que permite a produção de medicamentos com quebra de patente, em caso de urgência nacional, fornecem ao Brasil o necessário embasamento legal para a produção local do Efavirenz e do Neufinavir, caso a negociação com os respectivos laboratórios não reduza os preços a um patamar razoável.

No final do próximo mês de junho, durante a Assembléia-Geral das Nações Unidas, está prevista uma sessão específica para discutir políticas mundiais de combate à Aids, que é considerada a mais grave ameaça ao desenvolvimento das nações.

O universo dessa epidemia mortal, Sr. Presidente, afeta 36,1 milhões de indivíduos, inclusive crianças, no mundo . No ano passado, 5,3 milhões foram contaminados e três milhões de pessoas morreram vítimas desse mal. Ressalte-se que mais de 30% dos soropositivos, no mundo, têm menos de 25 anos; 80% dos pacientes de Aids vivem em países pobres e menos de 10% dessas pessoas têm acesso aos medicamentos desenvolvidos pela indústria farmacêutica internacional, em razão dos elevados preços que cobram.

O Brasil tem sido um campeão em matéria de cooperação técnica com outros países da América Latina e com a África lusófona. Nosso País, senhores, está disposto a oferecer treinamento de pessoal e a transferir, gratuitamente, a tecnologia necessária à fabricação do coquetel, a qualquer país que a solicite.

Recentemente, em fevereiro deste ano, conseguimos dois grandes aliados na guerra comercial entre Brasil e Estados Unidos, na OMC: o Programa das Nações Unidas de Combate à Aids (Unaids) e a opinião do Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan. Em um relatório sobre o impacto da epidemia de Aids no mundo, Annan elogia o Brasil e aponta a produção local de anti-retrovirais genéricos como um dos principais elementos do Programa Nacional de Combate à Aids, que reduziu o número de mortes em mais de 25%. O comunicado da Unaids é ainda mais decisivo: sugere que os grandes fabricantes que detêm as patentes estendam os acordos com produtores locais e ofereçam a licença para que fabriquem os remédios a preços mais baixos.

Também a União Européia pretende apoiar a fabricação de genéricos e similares, não só para o combate ao vírus HIV, mas de controle da tuberculose e da malária nos países pobres. Portanto, nobres Colegas, até entre as Nações ricas existem partidários da quebra de patentes. A União Européia, além de incentivar os Governos a fabricar os medicamentos para o controle da Aids, quer que as grandes empresas vendam os medicamentos a preços mais baratos para o Terceiro Mundo.

O Sr. Eduardo Siqueira Campos (PFL - TO) - Senador Carlos Patrocínio, V. Exª me concede um aparte?

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL - TO) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Eduardo Siqueira Campos (PFL - TO) - Senador Carlos Patrocínio, como médico e digno representante do nosso Estado nesta Casa, V. Exª aborda um tema da maior importância. Se há alguma coisa da qual podemos nos orgulhar, é o tratamento, o enfoque e os resultados dos programas que o Brasil vem desenvolvendo para o combate da Aids. V. Exª conhece o assunto e tem, portanto, todas as condições de fazer esta análise profunda sobre essa situação que, no meu ponto de vista, é a mais cruel perspectiva de supremacia do poder econômico contra questões humanitárias. Por trás da patente, no que se refere aos coquetéis e genéricos que combatem a proliferação do vírus da Aids, está a visão mais mesquinha e a posição mais anti-humana que se pode esperar de qualquer país, de qualquer segmento. Portanto, faz bem V. Exª destacar a posição de nações que integram o grupo seleto dos países considerados desenvolvidos. Vem crescendo entre eles essa posição de vanguarda do Brasil na luta cruel e perversa que enfrentamos na defesa do interesse comunitário da população, do direito que o homem tem de dividir entre seus irmãos as descobertas que nos possibilitem o combate e a busca da cura de um mal que realmente assusta a humanidade. V. Exª é muito feliz ao tratar deste assunto com profundidade, com muita visão. Tenho certeza de que a posição brasileira há de prevalecer, surgindo daí o entendimento global de que não pode o interesse econômico, de forma mesquinha, sobrepor-se ao interesse humanitário, principalmente tendo em vista a questão da Aids. Neste caso específico, o Brasil é exemplar no tratamento da saúde pública: as nossas campanhas são eficazes e os resultados são estimuladores. Também trata dessa questão muito bem, de forma permanente, nesta Casa, o eminente Senador Tião Viana. E nisso o Brasil vai bem, e não será uma imposição resultante desse entendimento mesquinho dos segmentos econômicos que haverá de prevalecer sobre a questão humanitária no combate à Aids. Parabéns a V. Exª!

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL - TO) - Eminente Senador Eduardo Siqueira Campos, agradeço-lhe o aparte muito lúcido. V. Exª, como todos os membros desta Casa, comunga da mesma preocupação: a de que se abram os corações de todos os homens, a fim de que deixem de pensar um pouco nas cifras para pensar somente naqueles pobres espalhados pelo mundo, que necessitam, não só de cura, mas também de assistência para ter prolongada a sua vida - como é o caso dos portadores de Aids, ainda considerada doença incurável - e para ter, o que é mais importante, uma qualidade de vida decente. É o que desejamos a todos os nossos irmãos.

Nesse caso, tem razão V. Exª, Senador Eduardo Siqueira Campos. Parece-nos que os interesses humanitários haverão de prevalecer sobre a ganância financeira, haja vista a manifestação da União Européia nesse sentido, elogiando e procurando hipotecar apoio à política de tratamento da Aids em nosso país, bem como a do Secretário-Geral das Nações Unidas, Sr. Kofi Annan, que nos elogiou.

Portanto, já temos a solidariedade da grande maioria dos países na questão da Aids. Penso que nesse aspecto o Brasil está dando o exemplo, à frente de todas as nações desenvolvidas. Assim, incorporo o aparte lúcido de V. Exª ao meu pronunciamento.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o programa brasileiro antiaids, elogiado por especialistas de todo o mundo, corre o risco de ser interrompido em razão da ação norte-americana na Organização Mundial do Comércio. Em contrapartida, inúmeras entidades e organizações, como a Unaids, a Médicos sem Fronteiras, a União Européia e dezenas de países e autoridades já manifestaram seu apoio à política brasileira de combate ao vírus HIV e criticaram os grandes laboratórios farmacêuticos.

A diretora-geral da Organização Mundial da Saúde, Gro Harlen, em entrevista à imprensa, resumiu com clareza o drama dos soropositivos em países pobres:

É trágico sofrer de uma doença para a qual não existe tratamento ou cura; e é desesperador saber que existe remédio, mas que o remédio é caro demais.

            Sr. Presidente, o Brasil está no caminho certo. A Aids é mais que um problema de saúde pública; é uma questão de segurança nacional e internacional, acima de fronteiras e de ideologias. É preciso vencer a barreira das patentes dos produtos farmacêuticos, para socorrer os doentes nas regiões menos favorecidas. Assim o entendemos. Assim o entende a opinião pública internacional.

Um exemplo desse entendimento é o documento divulgado pela Cruz Vermelha Internacional. Segundo os jornais que circularam no dia 19 de março deste ano, aquele organismo afirmou que as necessidades humanitárias devem prevalecer sobre questões comerciais, de modo a garantir que as drogas capazes de salvar vidas estarão disponíveis nos países em desenvolvimento. Essa declaração aumenta a pressão sobre os 39 laboratórios farmacêuticos que lutam contra o Governo sul-africano, defendendo seu direito de importar ou produzir seus medicamentos genéricos para tratamento da Aids.

É uma questão de humanidade. E a sobrevivência da espécie humana é um valor muito acima dos mesquinhos interesses comerciais.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/03/2001 - Página 3810