Discurso durante a 18ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

NECESSIDADE DE PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NA SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS QUE ASSOLAM O PAIS.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • NECESSIDADE DE PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NA SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS QUE ASSOLAM O PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 22/03/2001 - Página 3747
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, AUMENTO, NUMERO, PESSOAS, SITUAÇÃO, POBREZA, MUNDO, ESPECIFICAÇÃO, BRASIL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, PARTICIPAÇÃO, CIDADÃO, SOCIEDADE, ESPECIFICAÇÃO, EMPRESA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, NATUREZA SOCIAL, PAIS.
  • IMPORTANCIA, CONDUTA, EMPRESARIO, PAIS ESTRANGEIRO, APOIO, PROJETO, ASSISTENCIA SOCIAL.

           SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL - TO) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, há uma estatística que, sempre que me vem à mente, me causa indignação e perplexidade. Esse dado está inserido no Mapa da Miséria, divulgado recentemente pela Assembléia Geral da ONU, em Genebra. Dá conta de que 3 bilhões de pessoas vivem hoje na mais absoluta pobreza. Isso representa nada mais nada menos do que a metade da população mundial.

Não há homem - se homem for, no sentido pleno da palavra - que não se sinta impressionado, sensibilizado, abalado, comovido, ao se deparar com tal cifra.

Acabar com a pobreza no mundo parece tarefa apenas pensável no mundo dos heróis, da mitologia, das lendas, onde os seres são dotados de superpoderes. Mas se foi o homem que produziu a pobreza, saberá ele, querendo, acabar com o sinistro quadro de fome, doenças e morte que a pobreza arrasta atrás de si.

No Brasil, não estamos no melhor dos mundos. A distribuição da renda nacional coloca-nos em posição aviltante no ranking das nações, até mesmo entre os países mais subdesenvolvidos do planeta. Consta de um estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, o Ipea, que, em 1999, o contingente de pobres brasileiros ganhou a adesão de mais de 3 milhões de pessoas. Essa informação me surpreende tanto que já a mencionei aqui semanas atrás, e volto a repeti-la agora, tal a gravidade que vejo nela.

Nossos governos e poderes constituídos muito podem e devem fazer para minorar o sofrimento dos mais necessitados. O papel que cabe ao Estado nas áreas de educação, saúde, segurança, habitação e em todas as ações básicas é imprescindível e insubstituível. É, inclusive, atribuição constitucional.

Mas é uma verdade, cada vez mais plena e cabal, que a sociedade deve participar da resolução dos graves problemas sociais que tanto nos afligem e inquietam. Ter a crença de que cabe unicamente ao Estado cuidar dos problemas sociais e ficar à espera de que tudo se resolva por esse caminho são pensamentos e atitudes que não mais condizem com os tempos em que vivemos.

Se quisermos vencer os grandes desafios de nosso País na área social para melhorarmos os índices relativos à educação, saúde, habitação, segurança, temos de contar com a participação dos cidadãos, da sociedade organizada e especialmente das empresas. A responsabilidade social que acredito caber às empresas, principalmente em países onde a dívida social atinge contornos graves, é muito grande, Sr. Presidente! E, no Brasil, o chamamento que se faz às empresas deve ter resposta urgente, tanto se avolumaram nossos problemas nos últimos anos.

Caminhamos a passos largos para uma situação de assustador esgarçamento do tecido social. Se não houver uma mobilização ampla, um grande mutirão envolvendo governo e toda a sociedade civil, corremos o risco de descambar para o caos social completo. Não custa lembrar que na cidade de São Paulo, por mês, são assassinadas 520 pessoas. A previsão é de que esse número aumente 20% a cada ano.

Falo particularmente das empresas, Sr. Presidente, porque a capacidade que elas têm, para sensibilizar as comunidades nas quais atuam, faz delas agentes sociais de extrema importância. Repito: não devem substituir a ação do Estado. Seu papel é mais de dar referências, apresentar formas novas de atuação, criar padrões originais de prestação de serviço que possam ser adotadas como políticas públicas.

Reconheço que boa parte do empresariado brasileiro é conservadora e não deseja mudança. Muitos desses empresários perderam a consciência de Brasil e de seus problemas. Enclausuram-se num mundo particular, para o qual adotaram serviços privados de segurança, saúde, educação, transporte, previdência. É como se tivessem criado um estado particular, que funciona quase autonomamente, dissociado do próprio Estado e muito distante de qualquer projeto coletivo de sociedade.

Mas há outra parte que conta muito e na qual podemos depositar nossa esperança. São lideranças mais jovens, não comprometidas com esquemas tradicionais, nem atreladas a favorecimentos e benesses. São novas gerações, de pensamento mais aberto, mais cosmopolitas e viajadas, mais intelectualizadas e conscientes.

Exemplo de liderança moderna no mundo dos negócios é o empresário Oded Grajew, que se considera hoje um “empresário social”. Foi ele que criou a Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança, entidade do setor de brinquedos que reúne 2.500 empresas para apoiar projetos em favor de crianças e adolescentes. Mais de um milhão de crianças são beneficiadas pelos projetos da Fundação Abrinq, que já se tornou referência na área da infância.

Temos de mencionar também o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, dirigido por Oded Grajew. O Instituto tem o objetivo de mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a adotarem e implementarem práticas e políticas socialmente responsáveis. Grajew conta, em entrevista à revista IstoÉ, de 31 de janeiro último, que, nos dois anos de existência, o Instituto já associou 350 empresas, que representam 22% do PIB brasileiro.

Para Grajew, o Instituto Ethos representa “um outro patamar de engajamento das empresas com as questões da sociedade em geral. É uma forma de gerir a empresa com responsabilidade social, com a ética, em que princípios e valores orientem as ações.” A ética deve estar presente em todas as relações mantidas pela empresa: com os fornecedores, funcionários, consumidores, governo, meio ambiente, sociedade, concorrentes, investidores, acionistas, etc.

Segundo Grajew, “31% dos consumidores brasileiros já levam em conta a responsabilidade social da empresa na hora de comprar produtos e serviços. E 50% dos formadores de opinião também consideram essa questão. Responsabilidade social hoje é um grande fator de sucesso das vendas e a irresponsabilidade um grande fator de risco.

Estamos no começo desse processo aqui no Brasil, é bem verdade. Nos Estados Unidos, existe uma associação que reúne 47 mil fundações. O similar no Brasil, que é o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas, GIFE, tem 57 organizações privadas. Entre 47 mil e 57, há, convenhamos, uma distância monumental. Mas é como se diz: sem o primeiro passo, não se chega a lugar algum.

Muitas de nossas empresas já têm seus próprios programas sociais, que não se limitam ao quadro de empregados, mas alcançam parcela significativa de seu entorno. Outras, por não disporem de estrutura adequada, optam por associar-se a organizações que as ajudam a realizações programas e ações sociais.

Não é difícil entender que tenha sido o “empresário social” Oded Grajew o idealizador do Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, no final de janeiro. A idéia era criar um fórum em que o centro fossem as pessoas, e a economia estivesse a serviço das pessoas. Vejam que nessa formulação simples está toda a diferença. É uma maneira de pensar e ver o mundo de outra ótica: as pessoas não estão subjugadas pela economia; estão servidas pela economia. O objetivo final é o bem estar das pessoas e sua qualidade de vida; no fundo, a preservação do planeta e da espécie humana.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, a humanidade parece estar acordando do que lhe prometeram como sonho, mas que está sendo, na realidade, um pesadelo. Já em maio de 1998, em Genebra, tínhamos as primeiras manifestações contra a globalização, por ocasião do aniversário de 50 anos da Organização Mundial do Comércio, a OMC. No ano seguinte, no encontro, na Alemanha, do G8 (grupo dos sete países mais ricos do mundo e Rússia), cerca de 5.000 pessoas formaram uma corrente humana pedindo o perdão da dívida externa dos países mais pobres. Ainda em 1999, tivemos o protesto de Seattle, com 50 mil manifestantes nas ruas protestando durante a 3a Conferência Ministerial da OMC.

No ano passado, os protestos não pararam. Houve manifestações em Davos, durante o Fórum Econômico Mundial, em janeiro. Em maio, em Londres, cerca de 4.000 manifestantes fizeram protestos no centro da cidade. Em Washington, durante a reunião do FMI, mais de 15 mil manifestantes protestaram contra a globalização. Em Gênova e em Bolonha, na Itália, mais manifestações nas ruas. Em setembro, em Praga, os protestos se deram durante encontro do FMI e do Banco Mundial, reunindo mais de 15 mil pessoas.

Este ano não começou diferente, Sr. Presidente. Logo em janeiro, durante a 31ª edição do Fórum Econômico Mundial, os manifestantes antiglobalização queimaram carros e entraram em choque com a polícia, em Zurique. Impedidos de entrar em Davos, cidade suíça que se transformou em uma verdadeira fortaleza, cercada de arame farpado por todos os lados, os manifestantes rumaram para Zurique, onde puderam fazer seus protestos.

A voz das ruas chegou ao ouvido de muita gente. Os meios de comunicação deram conta de que até o megaespeculador George Soros, que não é contra a globalização, admitiu que “há algo, no capitalismo global, contra o que protestar”. O próprio Diretor-Gerente do Fórum, Claude Smadja, reconheceu que há um mal-estar no planeta.

Esse mal-estar bem que se pode chamar “globalização”. Por isso é que reputo da maior importância fóruns como de o Porto Alegre. A globalização tem de ser bem estudada e bem compreendida para que possa ser alvo de críticas, avaliações e mudança de rumos. As economias dos países emergentes estão ficando sufocadas pelas dificuldades contínuas de colocar seus produtos nos centros do capitalismo mundial. Temos bem fresco na nossa memória o caso da Embraer.

As conseqüências sociais de certas políticas econômicas, formuladas pelo FMI e pelo Banco Mundial e impostas goela abaixo aos países em desenvolvimento (como condição para a renegociação da dívida), têm lançado à miséria parte considerável da população mundial. Continuarmos no caminho de uma globalização que se alimenta da pobreza humana e da destruição do meio ambiente é, no mínimo, burrice ou loucura. Consentir com um processo econômico que traz no seu rastro tantas conseqüências funestas para os mais pobres não é mais tolerável nem suportável.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, antes de chegar ao fim deste pronunciamento - que está próximo, devo dizer -, quero relembrar, Sr. Presidente, um evento realizado no ano passado, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas, que foi chamado de Fórum do Milênio. Pois bem, esse Fórum reuniu, em Nova Iorque, representantes de mais de 1500 organizações não-governamentais de todas as regiões do mundo.

De pronto, já chama a atenção o fato de ter a ONU centrado seu apoio em organizações que fogem à órbita de poder dos governos, sendo ela uma instituição tão afinada com o pensamento estadista. Se patrocinou o encontro das ONGs, o fez por reconhecer o imprescindível papel dessas organizações no enfrentamento dos graves problemas que afligem a humanidade.

No documento final do Fórum do Milênio, há uma advertência que merece nossa reflexão. Chama-se a atenção do mundo para as conseqüências danosas que podem vir quanto mais avança a globalização. As diferenças entre pobres e ricos vão se ampliar; a desigualdade social aumentará; as culturas locais e nacionais correrão risco de virarem pó. Vejam bem, esses são dizeres patrocinados pelas Nações Unidas.

Também me vêm à mente as palavras do estudioso Paulo Bonavides. Elas são amedrontadoras, mas temos de ouvi-las e guardá-las na mente para nos precavermos enquanto for tempo. Diz ele o seguinte, a respeito da política de sujeição externa a que se submetem os países periféricos, em obediência aos interesses da globalização econômica:

Esta poderá significar para as economias periféricas o começo da mais nova e irresgatável servidão, aquela aparelhada por um colonialismo tecnológico e informático, que fará os fortes mais fortes e os fracos cada vez mais fracos. Entre esses, sem dúvida, há de arrolar-se, caudatariamente, na miragem do desenvolvimento, países como o Brasil, a Argentina e o México.

São prognósticos sombrios e assustadores, não há dúvida! Mas não irão se realizar! Não aceitamos qualquer tipo de servidão ou sujeição que agrida a soberania nacional e submeta nosso povo a maiores padecimentos. Não aceitamos nenhum aumento nas estatísticas de pobreza, de desnutrição, de mortalidade infantil, de violência! A globalização e o liberalismo, mal direcionado, já produziram vítimas demais!

Chegou a hora de se olhar para o outro lado da moeda. É tempo de rever ideários e mudar rumos. É também para isso que servem os fóruns como o de Porto Alegre. Que eles venham para nos salvar da hegemonia, que deve ser tão burra quanto o é a unanimidade!

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/03/2001 - Página 3747