Discurso durante a 23ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COBRANÇA DE POLITICA GOVERNAMENTAL DESTINADA A PREVENÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • COBRANÇA DE POLITICA GOVERNAMENTAL DESTINADA A PREVENÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO.
Publicação
Publicação no DSF de 29/03/2001 - Página 4358
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, DADOS, ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT), PRECARIEDADE, SEGURANÇA DO TRABALHO, MORTE, INVALIDEZ, TRABALHADOR, EXPOSIÇÃO, SUBSTANCIA, TOXICIDADE, ACIDENTE DO TRABALHO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, BRASIL.
  • ANALISE, INFERIORIDADE, NOTIFICAÇÃO, ACIDENTE DO TRABALHO, ECONOMIA INFORMAL, ZONA RURAL, REGISTRO, ATUAÇÃO, MINISTERIO DO TRABALHO E EMPREGO (MTE), MINISTERIO DA PREVIDENCIA E ASSISTENCIA SOCIAL (MPAS), MINISTERIO DA SAUDE (MS), AUMENTO, INFORMAÇÃO, SETOR, TENTATIVA, REDUÇÃO, PREJUIZO.
  • ANALISE, ANALFABETISMO, DESEMPREGO, CORRELAÇÃO, ACIDENTE DO TRABALHO.
  • NECESSIDADE, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, TRABALHADOR, AUMENTO, FISCALIZAÇÃO, MELHORIA, CONDIÇÕES DE TRABALHO, OBJETIVO, REDUÇÃO, ACIDENTES, PARCERIA, PODER PUBLICO, IMPRENSA, SINDICATO.
  • DEFESA, REFORÇO, POLITICA, PREVENÇÃO, ACIDENTE DO TRABALHO.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL - TO) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, os acidentes de trabalho constituem um problema que não tem recebido a atenção correspondente à sua real gravidade. Parece inquestionável que fenômenos como a Aids, os acidentes de trânsito, os conflitos armados e a violência urbana ocupam mais espaço nos meios de comunicação e são objeto de maior preocupação por parte da opinião pública do que os acidentes de trabalho. No entanto, tais acidentes ceifam, em todo o mundo, um maior número de vidas humanas do que qualquer das outras causas de morte mencionadas.

Por ocasião do 15º Congresso Mundial sobre Segurança e Saúde no Trabalho, realizado no período de 12 a 16 de abril do ano passado, em São Paulo, a Organização Internacional do Trabalho - OIT - divulgou relatório que bem evidencia o quanto a segurança nos ambientes laborais ainda é precária. Segundo o documento, morrem, a cada ano, em todo o mundo, nada menos de 1 milhão e 100 mil pessoas vítimas de acidentes desse tipo. O quantitativo é superior à média anual de mortes no trânsito - cerca de 1 milhão; em guerras - pouco mais de quinhentas mil; provocadas pela criminalidade violenta - quinhentas e sessenta mil; e pela Aids - trezentas e doze mil.

Uma simples operação aritmética permite-nos concluir que, a cada dia, mais de 3 mil trabalhadores perdem a vida por conta de sinistros relacionados às suas atividades remuneratórias. Ou, ainda mais impressionante, dois óbitos no fugaz transcurso de um minuto!

Ainda segundo o relatório da OIT, cerca de um quarto dessas mortes resulta da exposição a substâncias perigosas que causam graves enfermidades, como câncer, distúrbios cardiovasculares, respiratórios ou no sistema nervoso. O amianto, por exemplo, é responsável pela morte de 10 mil trabalhadores por ano. De fato, uma pesquisa realizada pela Organização Mundial de Saúde - OMS -, em 1994, concluiu que um índice entre 30% e 50% de todos os trabalhadores do planeta são constantemente submetidos a agentes físicos, químicos ou biológicos que podem ter conseqüências nefastas sobre sua saúde e capacidade de trabalho.

No que concerne ao número total de acidentes, o relatório da OIT aponta a ocorrência de 250 milhões a cada ano, equivalentes a 685 mil acidentes por dia ou 475 por minuto. Doze milhões de acidentes profissionais envolvem crianças trabalhadoras. Desses, uma média de 12 mil são mortais.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, como se pode ver, trata-se de uma tragédia de grandes proporções em nível mundial. Todavia, como ocorre com qualquer outra mazela social, o infortúnio não é equanimemente distribuído entre as nações. Os índices de acidentes e de óbitos em relação à população empregada variam drasticamente de acordo com o estágio de desenvolvimento de cada país.

A situação do Brasil, dentro desse contexto, está longe de ser invejável. Em 1997, ocupávamos o 14º lugar no ranking mundial de acidentes do trabalho da OIT, que leva em consideração o número de mortes em relação à quantidade total de trabalhadores em atividade. Conseguíamos estar em posição pior do que o Cazaquistão, o Panamá e a Colômbia, que ocupavam, respectivamente, a 16ª, 18ª e 25ª colocações. No ano seguinte, último dado disponível, nossa evolução havia sido pequena: passáramos à 15ª posição. Outros países que se encontram em posição semelhante são Indonésia, Burundi, Turquia, Zimbabue, Índia e África do Sul.

Não se pode, portanto, discordar de editorial publicado pelo Correio Braziliense e iniciado com a seguinte afirmação: “As estatísticas de acidentes de trabalho no Brasil assustam e envergonham”.

Com efeito, a comparação com as estatísticas internacionais leva a classificar a situação brasileira como absurda. Com cerca de 400 mil acidentes notificados a cada ano, o número de óbitos no País insiste em manter-se acima da casa dos 3 milhares. Em 1998, último dado disponível, os acidentes de trabalho foram 403 mil 532, e as mortes chegaram a 3 mil 785. Mesmo nos Estados Unidos, onde os acidentes chegam a quase 3 milhões por ano, os falecimentos não passam de 2 mil e 800. Canadá e México proporcionam comparações interessantes, pois seus totais de acidentes ficam na casa dos 400 mil, tal como no Brasil. No Canadá, para 411 mil acidentes registrados em 1995, apenas 749 trabalhadores morreram. E no México, foram computadas 1 mil 223 mortes para 441 mil acidentes. No Brasil, como já disse, foram quase 4 mil mortes em 403 mil acidentes.

Segundo a OIT, de 1992 a 1996 morreram, em média, 22 trabalhadores brasileiros para cada 100 mil que estavam empregados. Em 1965, a Alemanha e a França já tinham resultados melhores: de 19,2 e 19,9 óbitos por 100 mil trabalhadores. Há 11 anos, a Alemanha já havia reduzido seu índice para 5,5 e a França para 7,6. Na Espanha, a média é de 12 mortes por 100 mil. Nos Estados Unidos, de 5, na Finlândia, de 4,2, na Suécia, de 3, e na Suíça, o modelo mundial, de 2,7.

O economista americano Armand Pereira, diretor da Organização Internacional do Trabalho no Brasil, define a situação como perturbadora: numa comparação entre os países de renda média alta - classificação do Banco Mundial para nações com renda per capita entre 766 dólares e 9 mil 385 dólares e na qual o Brasil se enquadra, com a renda em torno de 5 mil dólares - as estatísticas brasileiras estão entre as dez piores.

O insucesso do País em reduzir o número de acidentes de trabalho fatais afeta de maneira fortemente negativa sua imagem internacional e constitui motivo de preocupação para os órgãos do setor. Segundo o já mencionado diretor da OIT, foi essa preocupação que motivou a escolha do Brasil para sede do 15º Congresso Mundial sobre Segurança e Saúde no Trabalho, realizado no ano passado em São Paulo. Foi a primeira vez que a América Latina abrigou esse evento. A agência da ONU está determinada a descobrir as causas desses índices tão negativos.

A par do elevadíssimo número de óbitos, outra triste estatística evidencia o grave quadro da insegurança no trabalho no Brasil: a geométrica progressão do número de trabalhadores que acabam sendo aposentados por invalidez. Em 1994, o número de segurados que foram qualificados como permanentemente incapacitados foi de 5 mil 962. No ano seguinte, esse número sofreu acréscimo superior a 150%: 15 mil 156 trabalhadores inválidos. Em 1996, mais um aumento assustador: 25 mil e 95 casos de invalidez. Ou seja, num espaço de apenas dois anos, o número de trabalhadores permanentemente incapacitados foi multiplicado em mais de 4 vezes!

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, os números são alarmantes, mas o próprio Governo reconhece que a realidade é ainda mais dramática, existindo uma enorme subnotificação. Estudos da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho - Fundacentro -, órgão ligado ao Ministério do Trabalho, indicam que os números oficiais não alcançam 25% do número real de ocorrências.

Uma evidência inquestionável da subnotificação surge do confronto entre a relativa estabilidade do número de mortes decorrentes dos acidentes de trabalho e a significativa redução do número total de acidentes oficialmente registrados. Os acidentes totais tiveram seu pico em 1978, quando foram registrados 2 milhões e 200 mil. Vinte anos depois, em 1998, esse número estava reduzido em mais de 81%, com a notificação de 403 mil acidentes. A variação no número de mortes, contudo, foi pouco expressiva, inferior a 13%: 4 mil 342 óbitos em 1978; 3 mil 785 em 1998. Fica claro que os acidentes de menor gravidade deixaram, progressivamente, de ser notificados. Já os acidentes graves, que resultam em incapacidade permanente ou morte, dificilmente deixam de ser notificados, porque geram benefícios previdenciários permanentes a que as pessoas têm direito.

Os motivos para a subnotificação são diversos, a começar pela vastidão de nossa economia informal. Basta lembrar que, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a População Economicamente Ativa (PEA) em 1998 era formada por mais de 75 milhões de trabalhadores. Desses, apenas 36 milhões eram considerados empregados e 22 milhões - menos de um terço da PEA - eram segurados pelo Seguro de Acidentes de Trabalho da Previdência Social. Na medida em que o Instituto Nacional de Seguro Social - INSS - só registra os acidentes ocorridos com os 22 milhões de segurados, pode-se começar a ter uma idéia do volume da subnotificação.

Aliás, o avanço da informalidade no mercado de trabalho do País tem sido avassalador. O Presidente da Federação das Indústrias do Espírito Santo, José Bráulio Bassini, ao participar de mesa redonda realizada durante o 15º Encontro Nacional dos Agentes de Inspeção do Trabalho, lembrou que em apenas sete anos, de 1990 para 1997, a parcela da força de trabalho sem registro em carteira saltou de menos de 40% para 57%. E as conseqüências dessa conjuntura não se limitam ao crescimento do número de acidentes de trabalho não notificados. Com o aumento da informalidade, deterioram-se também as condições do ambiente de trabalho. Em outras palavras, ocorre um aumento do número de acidentes e uma diminuição do número de notificações.

Além da informalidade, diversos outros motivos levam empresas e trabalhadores a não noticiar acidentes de trabalho. No caso dos trabalhadores, há o medo do desemprego e o baixo valor da cobertura. Muitas vítimas de acidentes de trabalho ou portadores de doenças ocupacionais não requerem o afastamento com medo de serem substituídos. Outro fator é a falta de informação. Um trabalhador rural que, durante a colheita, é picado por uma cobra, talvez não encare esse evento como um acidente de trabalho, mas é exatamente disso que se trata. O mesmo vale para os trabalhadores que se intoxicam por causa de agrotóxicos.

Já os empresários resistem em registrar os acidentes por causa da burocracia. Como nos primeiros 15 dias de afastamento os empregadores são os responsáveis pela cobertura do acidente, eles não enxergam vantagem em submeter-se à burocracia de comunicá-lo. Somente depois desse período, quando a responsabilidade passa a ser da Previdência Social, é que acontece a maior parte das notificações. Outro motivo é a estabilidade funcional de pelo menos um ano garantida a todas as vítimas de acidentes afastadas por mais de 15 dias do emprego.

Para o Ministério do Trabalho, a subnotificação representa um problema de monta, pois o planejamento de qualquer ação contra acidentes e doenças do trabalho exige o conhecimento da totalidade dos acidentes, da situação em que eles ocorrem e de como pode ser realizada a intervenção. Nessa medida, deve ser louvada a iniciativa lançada pelo Serviço Social da Indústria objetivando identificar o sub-registro. A pesquisa desenvolvida pelo SESI tem o nome de “Número Real de Acidentes de Trabalho”, e foi aplicada, a partir do final de 1998, na Bahia, em Minas Gerais e em Santa Catarina, nos setores de metalurgia, alimentos e indústria gráfica de pequenas, médias e grandes empresas.

Também o Governo pretende aperfeiçoar o sistema de coleta de informações. Já há bastante tempo existe um compromisso entre os Ministérios do Trabalho, da Previdência e da Saúde, que estão ligados diretamente à questão, de buscar um sistema que contemple mais notificações. A alternativa em pauta não contempla a criação de um novo sistema, mas sim a melhoria do sistema já existente.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, tendo em vista todas as evidências de subnotificação, não é mesmo de se duvidar que o número real de acidentes de trabalho no Brasil supere em quatro vezes ou mais o número oficial. Para completar esse quadro tenebroso, falta ainda considerar a situação dos trabalhadores rurais.

Longe dos centros urbanos, a morte também ronda o dia-a-dia de quem sobrevive da venda de sua força de trabalho. De acordo com um trabalho da Fundacentro, a cada ano, acidentam-se no campo entre 150 mil e 200 mil trabalhadores, variando o número de vítimas fatais entre 3 mil e 6 mil.

A situação no setor agrícola é, portanto, ainda mais grave do que no urbano. Considerados os 3 mil 785 óbitos em relação aos 403 mil 532 acidentes registrados pelas estatísticas do INSS em 1998, concluiremos que um pouco menos de 1% desses acidentes resultaram em morte. Já na zona rural, a comparação entre as estimativas de mortes e de acidentes reproduzidas acima indicam uma taxa entre 2% e 3% de óbitos. Há ainda outro agravante: estima-se que, no campo, o número de acidentes não notificados seja muito maior do que nos centros urbanos.

Tal como nas cidades, a baixa escolaridade aparece como um dos principais fatores para o elevado número de acidentes. Segundo os pesquisadores da Fundacentro, a falta de informação adequada sobre o uso de agrotóxicos e de treinamento para lidar com máquinas, especialmente tratores, são as principais causas de acidentes. A maioria dos casos ocorre com pequenos produtores que têm baixa escolaridade e pouca informação sobre os produtos. O pouquíssimo conhecimento acerca dos problemas de saúde decorrentes do manuseio errado dos defensivos agrícolas acaba gerando muitos casos de intoxicação por exposição em excesso a esses produtos.

Pesquisa realizada pela Fundacentro junto a três mil agricultores de cem municípios no interior de São Paulo chegou a dados estarrecedores. No universo pesquisado, um em cada seis trabalhadores rurais já foi internado por danos à saúde causados por agrotóxicos! Uma parcela superior a 85% dos agricultores não recebem instruções de uso dos produtos e 90% deles não utilizam luvas durante o preparo. A desinformação é tão grande que 80% dos entrevistados disseram que sequer tomam conhecimento das instruções contidas nos rótulos.

A situação se agrava por conta da enorme utilização de agrotóxicos no Brasil. De acordo com dados do Sindicato Nacional da Indústria de Defensivos Agrícolas, o País consome nada menos que um quinto do total utilizado no Terceiro Mundo! Em 1997, as vendas desses produtos atingiram a impressionante cifra de 2 bilhões de dólares, 11% a mais do que o faturamento de 1996 e 30% superior ao de 1995.

Além das intoxicações, os agricultores também enfrentam muitos problemas com equipamentos manuais e tratores. Não são raros os casos de mortes por causa de tombamento de tratores e de perda de membros no manuseio de equipamentos.

A gravidade da situação no campo é reconhecida pela Organização Internacional do Trabalho. Um boletim publicado pelo órgão afirma que os trabalhadores agrícolas correm, ao menos, o dobro de riscos de morrer no local de trabalho do que os empregados dos demais setores. Segundo a OIT, nos países em desenvolvimento a situação é mais grave devido aos baixos índices educacionais. De acordo com o órgão, nos últimos dez anos, o número de mortes na agricultura, em nível mundial, tem aumentado, ao contrário do que acontece em outros setores perigosos, como a mineração.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, é indiscutível que o custo maior dos acidentes de trabalho é o que não pode ser mensurado: aquele representado pela perda de vidas humanas, pela invalidez permanente, pelo sofrimento físico e moral das vítimas e de suas famílias. No entanto, o seu custo econômico está longe de ser desprezível. Ao contrário, é imenso e muitas vezes superior ao que custaria a prevenção desses sinistros.

Dados do Ministério da Previdência e Assistência Social indicam que o Brasil gasta com indenizações e pagamentos de auxílios doença e acidente, aposentadorias por invalidez e pensões por falecimento o dobro do que é gasto por países como Alemanha, Espanha e França. No período de 1995 a 1998, a arrecadação do Seguro por Acidentes de Trabalho cresceu 29%, chegando a 2 bilhões e 600 milhões de reais. O pagamento de benefícios, contudo, cresceu ainda mais no mesmo período, cresceu mais de 60%. Grande parte da arrecadação é gasta com o pagamento de indenizações. Em 1998, mais de 55% da arrecadação foram destinados ao pagamento de benefícios. Em 1995, esse percentual era de 44%.

No entanto, esse 1 bilhão e meio de reais, aproximadamente, que a Previdência Social vem gastando com o pagamento de benefícios representa uma parcela bem pequena das perdas totais ocasionadas pelos acidentes de trabalho. Levantamento da Confederação Nacional da Indústria - CNI - estimou essas perdas em torno de 5 bilhões e 800 milhões de dólares, 85% dos quais bancados pelas empresas, entre as despesas com saúde, multas, afastamento do trabalhador e outros itens. Essa cifra é equivalente à arrecadação de ICMS do Estado de Minas Gerais, o segundo mais rico da Federação.

No entanto, estudo do Professor José Pastore, da Universidade de São Paulo, chegou a cifra ainda mais elevada: nada menos de 20 bilhões de reais ao ano, dinheiro suficiente para gerar cerca de 500 mil empregos!

Segundo Pastore, as empresas têm uma despesa de aproximadamente 12 bilhões e meio de reais, considerados os custos segurados e os não-segurados; os familiares dos acidentados bancam mais de 2 bilhões e meio de reais, acomodando-os, tratando deles e perdendo horas de trabalho e renda; e o Estado, juntamente com as famílias, gasta estimativamente 5 bilhões de reais para acudir os que se acidentam e adoecem no mercado informal e nada contribuem para a formação do fundo previdenciário que garante o seguro aos acidentes de trabalho, valendo lembrar que apenas 43% dos usuários do sistema previdenciário são contribuintes.

Se as avaliações de ordem macroeconômica são contundentes, a análise microeconômica também impressiona. Segundo estimativa de um empresário da construção civil, a morte de um trabalhador no setor custa à empresa perto de 300 mil reais, entre indenizações e outros gastos. É fácil entender que, para empresários de pequeno porte, um acidente pode significar a falência.

Evidentemente, o ônus decorrente dos acidentes de trabalho acaba se agregando aos demais custos de produção, diminuindo os lucros, pressionando os preços de bens e serviços e prejudicando a competitividade. Com efeito, como já afirmou a Confederação Nacional da Indústria, os prejuízos gerados pelos acidentes de trabalho constituem um dos componentes mais dramáticos do chamado “custo Brasil”.

E é preciso lembrar que o prejuízo à competitividade não decorre apenas do aumento de preços derivado dos acidentes. A exportação de produtos cuja produção envolva mortes, mutilações, degradação do ambiente de trabalho e doenças ocupacionais fica seriamente prejudicada, pois esses fatos representam grave dano à imagem das empresas no mundo globalizado.

Além de tudo isso, ainda é preciso considerar que, quando da ocorrência de um acidente, a empresa, muitas vezes, acaba ficando com a máquina parada, ou tendo custos de reparos fora do previsto. Ocorre queda na produção, também por conta da desmotivação que atinge os colegas do acidentado. A substituição do trabalhador acidentado por outro, via de regra, implica diminuição da eficiência global do processo produtivo. A recuperação da imagem empresarial perante o público, por sua vez, também demandará gastos.

O líder empresarial Antônio Ermírio de Moraes, em inspirado artigo publicado na Folha de S.Paulo de 28 de maio do corrente ano, abordando a questão dos acidentes de trabalho, seu custo humano e econômico, escreveu:

“O mais grave é o sofrimento das vítimas de acidentes e doenças profissionais. O Brasil não pode desperdiçar recursos dessa forma e muito menos dar as costas para o drama humano que decorre do desleixo e da desatenção.

É verdade que a solução de uma boa parte do problema depende da melhoria da educação dos trabalhadores e da sua conscientização. Mas, nesse terreno, entendo que a maior responsabilidade está com os empresários. Entram aqui as óbvias razões humanas e o indispensável cálculo econômico.

Nos dias atuais, os trabalhadores constituem o ativo mais precioso das empresas. Na medida em que a concorrência aumenta e a economia se globaliza, a importância do trabalho bem-feito, da eficiência e da produtividade é questão de vida ou morte para as empresas.

O novo ambiente econômico exige mão-de-obra cada vez mais qualificada e um clima da mais absoluta parceria entre empregados e empregadores. Demitir um bom empregado é desumano, oneroso e contraproducente.

A empresa que for recontratar esse empregado pagará caro e demorará um bom tempo para readaptá-lo às suas condições de trabalho. Descuidar de sua saúde e proteção geral - além de inadmissível em uma sociedade civilizada - constitui uma das maiores irracionalidades que o empresário pode cometer num momento em que a competitividade de sua empresa está sendo desafiada pela internacionalização da economia.” (grifos nossos)

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, a reversão dessa realidade tão negativa para nosso País - em termos de saúde pública e de prejuízos econômicos - exige, em primeiro lugar, que sejam muito bem compreendidas as causas que a vêm gerando.

Um fator sempre lembrado pelos especialistas na área é o baixo nível de escolaridade de nossa população trabalhadora. No setor industrial em seu conjunto, 50% da mão-de-obra é composta de analfabetos ou semi-analfabetos. E, de fato, as principais vítimas de acidentes de trabalho no Brasil são trabalhadores com baixa escolaridade e idade variando entre 18 e 40 anos.

A maior parte deles já trabalha em áreas de risco, a exemplo da construção civil, recordista de acidentes de acordo com o INSS. Queda de andaimes, choques elétricos e soterramentos estão entre os acidentes mais comuns, que invariavelmente ocorrem por más condições de trabalho ou por atos inseguros cometidos pelos trabalhadores, como não usar cinto de segurança enquanto estão suspensos em andaimes.

A relação entre baixa escolaridade e acidente fica muito evidente em pesquisa realizada pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil - Sinduscon. Os dados apurados mostram que mais de 40% dos trabalhadores que sofrem alguma lesão não têm formação alguma e mais de 56% deles têm formação somente prática. O analfabetismo impede que os trabalhadores leiam manuais de segurança, instruções de máquinas e até placas de advertência.

A alimentação inadequada também concorre para o aumento das estatísticas de acidentes, fazendo com que o trabalhador ora tenha surtos de fraqueza por alimentação insuficiente, ora apresente indisposição por ingerir alimentação pesada. Aliás, a adversidade de nosso quadro social tem implicações para a segurança do trabalho que extrapolam em muito a questão alimentar. O Dr. Milton Murad, que foi Assistente Jurídico do Ministério do Trabalho durante 30 anos, aponta o aumento dos casos de alcoolismo e neurose nas empresas e a insegurança do trabalhador quanto ao futuro no emprego como fatores que geram desatenção no trabalho, podendo trazer graves conseqüências.

A globalização, por seu turno, ocasionou o aumento da concorrência, acabando por determinar uma enorme pressão por maior produtividade de cada trabalhador. As empresas empenham-se pela redução dos custos via diminuição de efetivos, mas querem, ainda assim, aumentar a produção. Os empregados precisam render muito. Além disso, as exigências de produção muitas vezes constituem empecilho à manutenção preventiva dos equipamentos. A manutenção que acaba sendo feita é apenas a corretiva, geralmente depois que acontece um acidente.

Confrontados com a demissão de muitos colegas e temerosos de perder eles próprios os empregos, os trabalhadores que restam obrigam-se a assumir responsabilidades além de sua capacidade para cumprir as metas estabelecidas pelas empresas, muitas vezes correndo risco de vida. Pesquisa do Dieese constatou que, entre 1988 e 1997, a parcela da População Economicamente Ativa trabalhando além da jornada normal saltou de 27% para mais de 47%. Consultores na área de emprego afirmam que essa tendência de mais horas trabalhadas está “quebrando as pessoas, física e emocionalmente”.

O baixíssimo índice de filiação sindical verificado no País, juntamente com a precariedade da organização por local de trabalho, constitui também causa de insegurança nos ambientes laborais. A fiscalização da segurança por parte do próprio trabalhador é de fundamental importância. Esse é um dos alicerces dos índices paradigmáticos apresentados pela Suécia na área. Lá, na empresa que tem cinco trabalhadores, um é delegado, respaldado pela organização sindical; na que tem 50, cinco devem ser eleitos para constituir uma comissão. Tal situação é muito distante da nossa, pois setores do operariado tido como muito avançados, como os metalúrgicos do ABC, de São Paulo e de Osasco, têm comissão de fábrica em apenas 1% das empresas.

Por fim, não posso deixar de mencionar um fator que, nos últimos tempos, tem apresentado forte impacto no sentido do aumento no número de acidentes de trabalho: a terceirização.

Grandes empresas que optaram por terceirizar boa parte de seus serviços viram subir as estatísticas de acidentes. As prestadoras de serviço, geralmente, não dão o treinamento adequado aos trabalhadores, não informam sobre os procedimentos de segurança adequados à atividade, não fornecem todo o equipamento de segurança necessário e proporcionam péssimas condições de trabalho, inclusive salários muito baixos. Os trabalhadores, quase sempre, são desqualificados. A título de exemplo, pode-se citar pesquisa realizada por engenheiros de segurança da Fundação Oswaldo Cruz segundo a qual, nas plataformas de petróleo da bacia de Campos, para cada trabalhador da Petrobrás acidentado, há outros três de empreiteiras na mesma situação.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, a triste realidade é que as enormes dificuldades vividas pelos assalariados no Brasil acabam por gerar uma situação ofensiva à dignidade da pessoa humana em nosso mercado de trabalho. Além de vender sua força de trabalho, os brasileiros “vendem”, também, sua segurança e saúde, expondo-se a riscos de acidentes e a fatores predisponentes a moléstias que podem, perfeitamente, ser prevenidos, mediante a adoção de cautelas básicas. Nem mesmo os sistemas elementares de prevenção são adotados. Segundo a Associação Nacional das Indústrias de Material de Segurança e Proteção ao Trabalho, pelo menos 10 milhões de trabalhadores em todo o País não utilizam equipamento de proteção individual.

É necessário um grande esforço conjugado do Poder Público, das empresas e dos sindicatos para que possamos começar a reverter esse quadro. Urge que seja intensificada a fiscalização por parte do Ministério do Trabalho e que seja definida uma política ampla e concatenada, com medidas preventivas e punitivas capazes de diminuir nosso elevado índice de acidentes de trabalho.

Há muito tempo, o Ministério do Trabalho promove as Campanhas de Prevenção aos Acidentes de Trabalho - Campat -, com cunho educativo e de esclarecimentos. Em 1996, o Ministério lançou a Cancat - Campanha de Combate aos Acidentes de Trabalho -, que representou a implantação de uma nova metodologia para um conjunto de ações na área de segurança e saúde. Com base nos dados colhidos no ano anterior, relativos a mortes e aposentadorias por invalidez, a Cancat voltou-se para a identificação dos setores onde os acidentes vinham acontecendo com maior freqüência.

Em face da flagrante insuficiência do número de fiscais - apenas 800 para fiscalizar um universo de 3 milhões e meio de empresas em todo o País -, fica evidente a necessidade de priorizar os setores de maior risco, direcionando para eles a fiscalização. Esse foi o objetivo primeiro, mas não único, da Cancat. As ações não foram restritas à fiscalização.

Seguindo a metodologia implantada pela Cancat, todas as Delegacias Regionais do Trabalho - DRTs - buscaram parcerias, organizaram Câmaras de Entendimento e Comissões Tripartites para elaborar Planos de Ação para reduzir acidentes nos setores mais críticos. Buscaram-se, também, práticas educativas - o ponto fundamental do projeto -, voltadas não só para o empregador, mas também para o trabalhador. Em 1997, a Campanha caracterizou-se por ações localizadas, e, em 1998, as DRTs encaminharam novos projetos com relação ao combate e prevenção de acidentes de trabalho.

É fundamental, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, que essas campanhas sejam constantemente revitalizadas, pois os resultados na área da redução dos acidentes de trabalho são lentos e requerem muita persistência e continuidade de trabalho e de projetos.

A revitalização da Cancat contribuirá para reforçar a eficácia da fiscalização. E a fiscalização é essencial, pois seu papel, além de assegurar o cumprimento da lei, é também o de sensibilizar a sociedade, os atores diretamente envolvidos com o mundo do trabalho, para que os ambientes laborais possam ser melhorados.

Esse trabalho educativo garantirá que, um dia, empregadores e trabalhadores não mais esperem a presença da fiscalização para melhorar os seus ambientes; garantirá que o empregador tenha a consciência de que, melhorando o ambiente de trabalho, está fazendo um investimento, e não uma despesa. Um investimento, aliás, de retorno imediato. Afinal, já está provado que investir no ambiente de trabalho melhora a qualidade do trabalho, a produtividade e a competitividade, principalmente em nível internacional, porque os requisitos de segurança e saúde são hoje exigidos no mundo inteiro, como critério para a seleção de produtos e serviços a serem adquiridos.

Considerando-se os monumentais custos gerados pelos acidentes de trabalho, como já tivemos oportunidade de expor, é surpreendente a exigüidade dos recursos destinados à prevenção. No âmbito do Ministério da Saúde, por exemplo, foram gastos, em 1999, 1 bilhão de reais no atendimento de emergências relativas a acidentes do trabalho. A verba para prevenção desses acidentes, contudo, é incomparavelmente mais modesta. Em 2000, estão destinados para esse fim menos de 10 milhões de reais.

O investimento das empresas brasileiras em segurança também é muito pequeno. Em 1997, as empresas de segurança venderam 400 milhões de dólares em equipamento, valor insignificante se compararmos aos prejuízos causados pelos acidentes de trabalho, estimados em 20 bilhões de reais, como já mencionamos. O cálculo das empresas de segurança é que seu mercado guarda potencial de crescimento da ordem de 45%, o que significa dizer que os empregadores brasileiros estão adquirido apenas dois terços dos equipamentos que deveriam adquirir.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, não cabe qualquer dúvida de que a prevenção requer investimentos infinitamente menores do que os custos derivados dos acidentes, além de ser fundamental, também, para a melhoria do desempenho das empresas.

Por isso mesmo, devem ser saudadas algumas iniciativas recentemente anunciadas pelo Governo objetivando beneficiar aquelas empresas que investem na prevenção e penalizar as que descuram do tema. Cerca de um ano atrás, foram anunciados estudos no âmbito dos Ministérios do Trabalho e da Previdência com vistas a promover mudanças na legislação que regulamenta o pagamento, pelas empresas, do Seguro de Acidente do Trabalho - SAT -, cujas alíquotas variam de 1% a 3% sobre o salário do empregado. Uma das propostas em discussão é a redução das alíquotas para empresas que investem em prevenção e a elevação da cobrança para as que não se esforçam para aumentar a segurança dos empregados.

Aquelas que investirem na melhoria das condições de segurança das suas instalações ou em programas de prevenção para seus empregados poderão ser premiadas com descontos de até 50% nos percentuais de contribuição. Já as que apresentarem altos índices de acidentes de trabalho serão penalizadas com a elevação das alíquotas para uma faixa entre 4% e 10%.

Mais recentemente, ao participar do Fórum de Desenvolvimento, Produtividade e Saúde do Trabalhador, promovido pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo - Fiesp -, o Ministro da Saúde, José Serra, anunciou que está em estudo a criação de um certificado de empresa saudável, que atestará a preocupação com o homem, com o trabalhador e com o meio ambiente. A expectativa era de que o selo de empresa saudável começasse a ser concedido no final deste ano.

A criação desse certificado representaria o acompanhamento de uma tendência que já começa a se fazer sentir em nível mundial. Da mesma maneira que sofrem restrições à exportação aquelas empresas que provocam danos ao meio ambiente, também começam a sofrê-las as empresas que descuidam da segurança e da saúde de seus trabalhadores. O mundo empresarial norte-americano está empenhado em implantar a chamada gestão “Quensh”. Essa sigla é composta pelas iniciais, em inglês, de qualidade, meio ambiente, segurança e saúde. As companhias procuram se enquadrar às normas estabelecidas por esses valores, a fim de ganhar mercado e excelência na qualidade. A primazia, contudo, cabe ao grupo inglês British Standard Institution, pioneiro na criação de uma norma para gestão da saúde e segurança, a 8.800.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, o ilustre homem público Jarbas Passarinho, que honrou ao longo de muitos anos as melhores tradições desta Casa com sua notável atuação parlamentar, foi também titular, na década de 60, da Pasta da Previdência e do Trabalho. O ex-Senador e ex-Ministro costuma afirmar que é “inaceitável que os acidentes de trabalho continuem matando mais trabalhadores do que o número de soldados brasileiros que tombaram nos combates da 2ª Guerra Mundial”.

Estou convicto de que plena razão assiste a Sua Excelência. De fato, não podemos continuar convivendo com essa realidade. O problema dos acidentes do trabalho tem na política preventiva sua solução de eficácia mais comprovada. O Brasil precisa marchar decididamente em direção a uma mentalidade genuinamente prevencionista, em cuja conformidade as empresas passem a investir maciçamente para evitar acidentes e doenças profissionais.

Ao Poder Público compete a elaboração de uma política que contemple elementos de estímulo a essa nova postura por parte do empresariado. Além disso, incumbe-lhe também o dever de exercer com o máximo rigor a fiscalização dos ambientes laborais, de modo a coibir quaisquer infrações às normas regulamentadoras da segurança no trabalho, aplicando rigorosas punições aos faltosos.

Persistindo com firmeza nessa política, conseguiremos salvar a vida de dezenas de milhares de trabalhadores brasileiros.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/03/2001 - Página 4358