Discurso durante a 28ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMENTARIO AOS RESULTADOS DO RECENSEAMENTO DO IBGE, QUE ALERTA PARA O CRESCIMENTO DAS FAVELAS NO PAIS.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL.:
  • COMENTARIO AOS RESULTADOS DO RECENSEAMENTO DO IBGE, QUE ALERTA PARA O CRESCIMENTO DAS FAVELAS NO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 05/04/2001 - Página 5374
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), CRESCIMENTO, NUMERO, FAVELA, ESTADOS, BRASIL, AUMENTO, CONCENTRAÇÃO, POPULAÇÃO, ZONA URBANA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, DEFESA, URBANIZAÇÃO, FAVELA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, MORADOR, PREVENÇÃO, AREA, RISCOS, ACIDENTES, REGISTRO, DEFICIT, POLITICA HABITACIONAL.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO, PRIORIDADE, POLITICA HABITACIONAL.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o recenseamento realizado pelo IBGE no ano passado, em todo o território nacional, tem revelado alguns dados previsíveis e alguns outros surpreendentes, mas todos eles, sem dúvida, importantes para conhecermos melhor a realidade nacional em toda a sua complexidade.

Um fenômeno que se pôde constatar, pela análise dos dados obtidos, foi o significativo crescimento do número de favelas em quase todo o território nacional, desde o censo anterior, realizado em 1991. As informações se referem especificamente à quantidade desses aglomerados, e não ao número de favelados, que somente deverá ser conhecido em abril, quando estará tabulada a segunda parte dos dados preliminares do recenseamento.

Supõe-se que o censo revelará acréscimo também no número de habitantes das favelas, acompanhando o processo de expansão urbana e o comportamento da economia nacional, especialmente no que tange ao crucial problema do desemprego. De acordo com o Censo 2000, a população brasileira, que já se urbanizara rapidamente ao longo do século, concentrou-se ainda mais nas cidades ao longo da última década. Nada menos que 81,2% da população brasileira moram nas cidades, com forte concentração nas regiões metropolitanas.

Assim, não é de admirar que o Estado de São Paulo seja o recordista nesse levantamento, com 1.548 favelas, seguido do Rio com 811. Em termos nacionais, o crescimento do número de favelas no período 1991/2000 foi de 22,5%. Em números, isso significa que das 3.905 favelas existentes no Brasil, em fins do ano passado, 717 surgiram na última década.

Ainda na análise por estados da Federação, o Estado do Pará surpreendeu com o maior crescimento relativo, saltando de 27 favelas em 1991 para 140 no ano passado. A pressão do déficit de moradias nos grandes centros também se tornou evidente com o recenseamento, que listou os municípios com maior número de favelas. São Paulo lidera, com 612 desses aglomerados, seguindo-se o Rio de Janeiro, com 513. A lista até o décimo colocado se completa com Fortaleza (157 favelas), Guarulhos (136), Curitiba (122), Campinas (117), Belo Horizonte e Osasco (101 cada), Salvador (99) e Belém (93 favelas). 

As razões para o aumento do número de favelas são explicitadas, em recente matéria do jornal Folha de S. Paulo, pela socióloga Alba Zaluar: “Houve um crescimento muito rápido da população urbana - afirmou - e nenhum governo se preparou para isso, nem economicamente, para gerar empregos, nem com uma política habitacional”,

A urbanista Susana Pasternak, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, também citada na reportagem, diz não enxergar, num futuro próximo, uma solução para conter o fenômeno da favelização. As alternativas, segundo aponta, seriam “uma política fundiária decente, uma política habitacional que funcione e a urbanização das favelas”.

De fato, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, as alternativas para solução desse problema não comportam muitas variações. Dado que as favelas, em sua maioria, estão consolidadas, urge urbanizá-las, de forma a dar condições de vida digna a seus moradores, devendo-se remover aquelas que se localizam em áreas de risco ou que comprometam a preservação do meio ambiente. Essa é a alternativa mais viável, do ponto de vista econômico, em contraposição aos projetos de remoção.

Essa proposta é endossada pelo Jornal do Brasil, que chamava a atenção para a gravidade da situação no Rio de Janeiro, em editorial de outubro do ano passado. Sob o título Problema Nº 1, o editorial citava estudos desenvolvidos em 1998 pelo IBGE, destacando que a população das favelas cariocas se multiplicava “até 50 vezes mais rapidamente do que a do município”.

Depois de registrar que o número de favelados que ocupavam morros, loteamentos irregulares e conjuntos habitacionais degradados se aproximava de 2 milhões - estimativa da Secretaria de Habitação - o periódico advertia: “Dos 180 morros cariocas, 68 já foram devastados pela ocupação irregular que abate a vegetação e permite que a água da chuva escorra mais facilmente para a planície, com seu cortejo de lixo e lama, a entupir bueiros e a destruir o calçamento das ruas”. 

Quanto à política habitacional, é forçoso reconhecer que há décadas, em sucessivos governos, não cumpre o objetivo de reduzir o déficit de moradias. A questão parecia equacionada, no período do regime militar, quando o País experimentou significativo crescimento econômico. Já àquela época, no entanto, os objetivos primordiais do Sistema Financeiro da Habitação foram desvirtuados, com a utilização dos recursos do BNH no financiamento de megaprojetos alheios ao setor.

Desde então, uma sucessão de erros estratégicos, aliada ao esgotamento dos recursos, minou a capacidade do sistema de ofertar moradias a preços acessíveis. Mais recentemente, o Sistema Financeiro Imobiliário, captando recursos no mercado, demonstraria de forma cabal que os segmentos mais carentes dependem exclusivamente de políticas governamentais paliativas. Em que pesem os esforços do poder público para minorar o problema, a questão habitacional não se pode restringir ao âmbito da política financeira, pois 85% das famílias sem moradia têm renda mensal inferior a cinco salários mínimos. Além disso, para as famílias de baixíssima renda, não há opção senão os investimentos a fundo perdido. 

A necessidade de dar efetividade à política fundiária parece ser um consenso, nada obstante os esforços que vêm sendo desenvolvidos nesse sentido. A verdade é que hoje, com todos os males que pode representar, o êxodo rural em direção às grandes cidades se torna a cada dia mais intenso, contribuindo para exacerbar as pressões urbanas, como revelam os números do recenseamento. A insuficiência de crédito agrícola, a falta de garantia de preços mínimos e modernização do campo, com a utilização de tecnologia poupadora de mão-de-obra, acabam por expulsar os moradores da área rural em direção às metrópoles.

Nesse panorama, o combate ao déficit de moradias pode se tornar uma poderosa estratégia para, a um só tempo, reduzir o crescimento das favelas e combater o desemprego. Esse aspecto foi ressaltado, em artigo publicado no ano passado pelo Correio Braziliense, por ninguém menos que o presidente da Caixa Econômica Federal, Emílio Carazzai.

“Pesquisas mostram que a casa própria eleva instantaneamente a qualidade de vida da família, que tende a experimentar rápida melhoria social e de renda. Além disso - alinhavou em seu artigo - a produção de moradias contribui poderosamente para o dinamismo da economia, seja na elevação da atividade na cadeia produtiva, seja indiretamente, por meio do efeito-renda proporcionado pelos recursos injetados na economia”. E acrescentou: “Estima-se que a cada milhão de reais aplicados na construção imobiliária são gerados 161 postos de trabalho”.

Ao registrar o crescimento da favelização, não se pode ignorar os esforços governamentais no que respeita à política habitacional. Ainda que insuficientes para reduzir drasticamente o problema do déficit de moradias, deve-se saudar a concessão de financiamentos pela Caixa Econômica Federal, que em 2000 totalizaram 6 bilhões e 600 mil reais, para atendimento a 413 mil famílias, o que representou um acréscimo de 65% em relação ao ano anterior. Infelizmente, nosso déficit habitacional é da ordem de 5 milhões e 600 mil unidades, e nesse universo nada menos que 4 milhões de famílias têm renda inferior a dois salários mínimos.

Ao registrar o crescimento das favelas em nosso País, Sras. e Srs. Senadores, quero manifestar minha crença na sensibilidade do Poder Público. Por isso, encerro este breve pronunciamento encarecendo o melhor dos esforços de nossas autoridades no sentido de dar prioridade total à política de habitação, visando a minorar o drama de milhões de famílias brasileiras desprovidas de moradias dignas.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/04/2001 - Página 5374