Discurso durante a 32ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

COMENTARIOS AO TRINOMIO QUE ASSOLA O NORDESTE: SECA, FOME E MISERIA. PERCEPÇÃO, NA TRANSPOSIÇÃO DAS AGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO, DE PARTE DA SOLUÇÃO PARA MINORAR O SOFRIMENTO DA POPULAÇÃO NORDESTINA.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • COMENTARIOS AO TRINOMIO QUE ASSOLA O NORDESTE: SECA, FOME E MISERIA. PERCEPÇÃO, NA TRANSPOSIÇÃO DAS AGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO, DE PARTE DA SOLUÇÃO PARA MINORAR O SOFRIMENTO DA POPULAÇÃO NORDESTINA.
Aparteantes
Heloísa Helena, José Eduardo Dutra, Paulo Souto.
Publicação
Publicação no DSF de 11/04/2001 - Página 5914
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • ANALISE, DESENVOLVIMENTO, SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE (SUDENE), DEFESA, PERMANENCIA, ATUAÇÃO, CRESCIMENTO, REGIÃO NORDESTE.
  • NECESSIDADE, EFETIVAÇÃO, PROGRAMA, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, AREA, SECA, ESTADO DE ALAGOAS (AL), ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN), ESTADO DO CEARA (CE), ESTADO DA PARAIBA (PB).
  • DISCUSSÃO, ESTUDO, IMPOSTOS, MEIO AMBIENTE, FALTA, INFRAESTRUTURA, RECURSOS ECONOMICOS.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs Senadores, logo após o descobrimento do Brasil, o primeiro ciclo econômico foi o do pau-brasil e o nordestino, macio e moído, era o de melhor qualidade. Sua infusão resultava na cor púrpura, cor rara usada nas vestimentas daquela época e à qual apenas a nobreza tinha acesso. Assim, boa parte das matas da Zona da Mata Nordestina foi devastada.

O segundo ciclo - se assim podíamos considerar - foi o da cana-de-açúcar e dele também o Nordeste teve notável participação. Os recursos dessa segunda onda foram o início do financiamento da economia brasileira no Sul e no Sudeste.

Os nordestinos, depois desses dois ciclos, foram praticamente, em termos de economia, relegados ao abandono, até que Juscelino Kubitschek, num rasgo de inteligência e coragem, criou a Sudene, a qual, Sr. Presidente, Sras e Srs Senadores, tanto sucesso teve que seu modelo foi copiado. Como hoje estão na moda as agências, naquele tempo, eram as superintendências. E foram criadas a Sudeco, a Sudesul, a Sulvale, a Sudam e muitas outras superintendências. Assim, os recursos canalizados para uma só superintendência foram pulverizados mas bem aplicados.

Houve erros? Claro que houve. Como em toda gestão humana e, principalmente, na ausência de um controle efetivo, ocorre distorções. Mas, dentro do contexto, elas foram poucas diante do sucesso. Srs. Senadores, permitam-me uma comparação interessante: o que foi gasto na construção da Ponte Rio-Niterói, a Sudene gastou, em quarenta anos, em nove Estados - pouco, tão pouco foi gasto pela Sudene. Então, não é essa fortuna. Mas a verdade é que o Nordeste cresceu.

Criou-se, pela primeira vez, um modelo, para os nossos empresários, de como fazer projeto, de como se buscar recursos, de como fazer aplicações. Esse modelo foi um sucesso. Agora, surgem os escândalos da Sudam, Sudene etc, e não passo a mão na cabeça de ninguém, pelo contrário, quem for culpado que pague pelo que fez. Cadeia para os que roubaram. Todavia, não se pode tirar o sofá porque alguém o usou de forma incorreta. Por esta razão, quando falaram em extinção da Sudene, imediatamente conclamei toda a bancada nordestina - uma bancada de peso, são quase 240 Deputados e 27 Senadores, um terço deste Senado. O nosso poder é grande neste Parlamento, mas não nos conscientizamos dele ainda, o que precisamos fazer.

Desta reunião a que foram Parlamentares, retiramos um documento que apresentei, que diz o seguinte:

A Sudene está ameaçada de extinção. Afirmam que houve desvios ou equívocos. Se, porventura, houve equívocos ou desvios na atuação daquele órgão, devem ser apurados e convenientemente punidos, mas não poderão justificar a pena de morte da instituição. O Nordeste não precisa da comiseração ou da piedade de quem quer que seja; precisa, sim, de justiça.

            A Sudene, Srs. Senadores, é uma alavanca poderosa, capaz de impulsionar a transformação da paisagem social e econômica da região. Extingui-la seria uma atitude politicamente inadequada, economicamente injustificável e tecnicamente insustentável. Ela foi criada na segunda metade dos anos 50, num momento em que o Brasil começava a acreditar em si mesmo, a descobrir suas potencialidades e a sua capacidade criadora. Ela é um emblema maior da luta da modernização do País no período de JK e não parou no tempo.

Portanto, Srs. Senadores, dizia o documento:

Erram profundamente os que, por desconhecimento histórico ou mera arrogância, identificam o organismo como simples agência de fomento, órgão da burocracia do Estado ou tão-somente um conselho onde técnicos discutem projetos voltados para o desenvolvimento regional.

            Extinguir a Sudene seria passar um recibo, Sr. Presidente, de que se acabou a desigualdade; mas ela não acabou. Extinguir a Sudene seria como apartar irmãos no processo de desenvolvimento nacional, e o Brasil, com toda a certeza, não aceitaria esse crime. Por isso, podem até transformá-la - se isso é moda - mas não devem extingui-la, sob pena de estarem cometendo um crime que vai atingir o Brasil, mas vai atingir mais duramente um terço dos brasileiros que militam numa região que tem o mesmo sentimento que ouvi nesta Casa, nesta tarde, dos amazônidas, de serem cidadãos de segunda categoria, de serem uma espécie de filhos bastardos desta República. A Amazônia, por algum tempo, devido à borracha, também pagou a conta. Nós pagamos com o ciclo do açúcar e o ciclo do pau-brasil. Algumas regiões que estão vivendo uma economia mais desafogada, nos olham com arrogância como se fôssemos apenas um peso. Não somos peso; somos solução, desde que façam a aplicação de uma parcela mínima do que tem sido destinado ao Sudeste. Esse foi um dos temas que mobilizou a nossa Bancada nordestina.

O outro tema é mais setorial, o da transposição do rio São Francisco. Em relação a esse, publiquei nos jornais um artigo que passo a ler para depois fazer algum comentário, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

Datam de 1852 os primeiros estudos de transposição das águas do São Francisco para as áreas castigadas pela seca. Solicitado ainda no governo de Dom Pedro II, o chamado Projeto São Francisco, lamentavelmente, jamais saiu do papel, mesmo sendo considerado, já naquela época, a redenção para o Nordeste. Nesses 150 anos, os estudos técnicos se aprimoraram. Foram criados grupos de trabalho que analisaram não apenas as necessidades das áreas mais deficitárias, mas também a sua viabilidade técnico-econômica e, principalmente, o impacto ambiental provocado pela transposição.

Nos últimos anos, a proposta de transposição do São Francisco tem tomado conta da mídia. As discussões no Congresso, em torno dos assuntos, têm sido acaloradas. No entanto, apesar da polêmica, poucos conhecem detalhadamente o projeto, que se encontra engavetado no Ministério da Integração Nacional e que será implantado ainda neste semestre, segundo o Ministro Fernando Bezerra, que já está licitando a primeira etapa.

Enquanto nada é feito de concreto para acabar de vez com os problemas enfrentados com a estiagem no Nordeste, a solução para o nordestino continua sendo a mesma de 150 anos atrás: a migração. Somente entre 1991 e 1996, mais de um milhão de nordestinos migraram para outras regiões do País, mais precisamente para o Sul e Sudeste, resultando no inchaço das grandes cidades, no aumento das favelas e, conseqüentemente, na violência.

Em 1998, na pior seca do últimos anos, mais de 12 milhões de pessoas foram atingidas. Vivendo em condições subumanas, sobrou aos nordestinos a insalubridade de águas contaminadas que mataram mais de 50 mil crianças, somente vitimadas pela diarréia, segundo dados do Ministério da Saúde. Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é inaceitável que isso ocorra num País como o Brasil, quando sabemos que existem soluções que podem acabar ou, pelo menos, minimizar o sofrimento de quem vive no Polígono da Seca.

É certo que a transposição das águas do São Francisco não irá resolver como num passe de mágica todos os problemas do Nordeste, acumulados ao longo de séculos de seca, fome e miséria. Mas trará uma nova perspectiva de vida à população, já descrente da transformação de sua própria história, matando a sede e a fome de milhares de pessoas. Diferentemente do que pregam os que são contrários ao projeto, a transposição não prejudicará a vazão do rio. O impacto socioeconômico será muito maior e mais importante para o País do que possíveis prejuízos ambientais causados com o desvio de uma pequena parte do rio.

De acordo com o projeto existente no Ministério da Integração Nacional - elaborado por técnicos e não por políticos -, o São Francisco tem uma vazão média de 2.060 metros cúbicos por segundo de água, abaixo do Sobradinho, que desembocam no oceano Atlântico. A transposição prevê que apenas uma pequena parte dessa vazão - menos de 3,3% do total regularizado, que em números representa perto de 67,5 metros cúbicos por segundo - seja desviada para garantir o suprimento de água de cerca de 10 milhões de pessoas. A proposta do projeto de transposição é a construção de canais para a transferência de uma pequena parte da água do Velho Chico para as principais calhas no interior do Nordeste, beneficiando, principalmente, os Estados de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, os mais atingidos pela seca.

Pelo projeto, os técnicos garantem que a transferência hídrica para os Estados do chamado Nordeste Setentrional na transposição do São Francisco multiplicará por dois os recursos hídricos locais, gerando um enorme impacto sobre a qualidade de vida das comunidades carentes. Na prática, o projeto significará água potável em quantidade e qualidade para o consumo humano. Além disso, cerca de 223 mil hectares da área serão irrigados e um milhão de empregos será gerado. Será um alento para o nordestino e uma oportunidade de crescimento socioeconômico para o País. Enquanto a transposição não se concretiza, o processo de desertificação aumenta no Nordeste, em razão do desmatamento de 97% da cobertura vegetal nativa, das queimadas e do manejo inadequado do solo, aumentando também as péssimas condições de vida da população. A realização da transposição é mais que uma questão econômica, é uma questão humanitária. A decisão política do Governo Federal tem que ser tomada imediatamente, caso contrário as conseqüências poderão ser ainda mais graves. Admito que as reivindicações dos Estados da Bahia, Alagoas e Sergipe, por onde passa a maior parte do rio, procedem. O desmatamento das áreas próximas do rio, o seu assoreamento, são problemas que nos preocupam. Entretanto, entendo que a prioridade maior é dar água a milhares de pessoas que vivem na miséria. Enquanto o projeto de transposição custará aos cofres públicos R$2 bilhões, a revitalização do rio demandará cerca de R$10 bilhões. Como a vazão a ser utilizada para a transposição representa um pouco mais de 2% - cerca de 3% - da vazão média regularizada, e considerando que essa água vai para o mar, não creio que fará falta aos peixes do Atlântico. Francamente, não posso aceitar calado que deixem os meus conterrâneos sofrerem. Será que vamos passar mais 150 anos esperando que apareça alguém com vontade política de mudar essa situação e, até lá, quantas crianças morrerão de fome, de cólera, de sede. Quantos nordestinos serão obrigados a migrar para os grandes centros? Será que o Nordeste tem que se transformar no Saara para que as autoridades possam se pronunciar?

Esses foram os dois artigos; um na Gazeta Mercantil e o que estamos levando para o Presidente da República e para o Ministro Fernando Bezerra. Sobre o esse último, perguntaria aos Srs. Senadores - e vimos na semana passada um Senador da Bahia batendo nessa tecla - se não parece com aquela fábula do lobo e do cordeiro: a água já passou pelo lobo, e é o cordeiro que está abaixo. E ele diz: - Não tolde a minha água que vou lhe punir.

- Mas não estou toldando, a água corre do senhor para mim.

Ele responde, sem argumento: - Se não foi você, foi seu pai ou seu tio e vou matá-lo da mesma forma.

É o que parece ser. Temos um total de dez milhões de pessoas nos quatro Estados aproximadamente. Eu pergunto se está certo, se é normal negarmos água a essa população de dois milhões e meio de habitantes? Cerca de 25% do projeto é água para beber. E, depois, como a água vai correndo permanentemente, enche os reservatórios e permite fazer a irrigação, ainda vai empregar cerca de um milhão de pessoas.

Não fomos nós que desmatamos as margens dos rios, não fomos nós que assoreamos o rio. Estamos apoiando aqueles que querem o desassoreamento e que essas matas ciliares sejam replantadas. Queremos que eles façam, mas queremos, antes de mais nada, que o preceito bíblico de “dar de beber a quem tem sede” seja cumprido. Entendemos que dois milhões sejam mais fáceis de arrumar, e os espanhóis já se prontificaram a emprestar o dinheiro. O Ministério já fez um acordo com os espanhóis, ao que me consta. Agora, dez milhões são mais difíceis de arrumar. Que se faça depois, mas que, primeiro, dê-se água para beber àqueles que não têm.

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT - SE) - Senador Ney Suassuna, V. Exª me concede um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Ouço V. Exª com muita alegria.

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT - SE) - Senador Ney Suassuna, a forma como V. Exª está apresentando essa questão, a meu ver, dificulta o debate, porque tenta rotular aqueles que têm questionamentos em relação ao processo de transposição. De antemão, nós que temos a água somos carimbados como anticristãos - nós sergipanos, alagoanos e baianos. “É lá onde o rio passa. A água é nossa, ninguém tasca. Não estamos preocupados com a sede dos pernambucanos, paraibanos, potiguares e cearenses” Sinceramente, colocar a discussão sob esses termos dificulta a possibilidade de um entendimento. Esse problema merece ser devidamente debatido. Tenho sempre procurado retirar o caráter regionalista ou paroquial da discussão, mas há fatos que os defensores da transposição, da forma como foi apresentada, procuram escamotear. Primeiro, há o discurso de que a água é para matar a sede dos paraibanos, cearenses e potiguares, o que não é verdade, porque 75% do volume da água utilizada na transposição não são para matar a sede, mas para irrigação. De antemão, já caem 75% do argumento do cristianismo que V. Exª tentou estabelecer. Segundo, o Rima (Relatório de Impacto do Meio Ambiente) realizado não menciona os efeitos que poderá causar a transposição sobre a foz; trata apenas do impacto ambiental na área onde ocorrerá a transposição, ou seja, na área objeto dos canais que transportarão água. O Senador Paulo Souto também já pediu um aparte e poderá explicar melhor do que eu o assunto, pois esteve nos Estados Unidos e observou o processo de transposição naquele país. O assunto foi discutido democraticamente entre os Estados americanos. Todavia - usando um termo lá de Sergipe - a bagaceira sobrou para o México, que é a situação em que se encontram Sergipe e Alagoas, comparando geograficamente o rio São Francisco ao rio dos Estados Unidos. V. Exª está tentando levar a discussão meramente para o aspecto emocional, do cristianismo, de que quem é contra está querendo não levar água para os irmãos nordestinos. Eu me recuso a debater nesses termos. V. Exª fala que são necessários R$2 bilhões para a transposição e R$10 bilhões para a revitalização. Sob esse raciocínio meramente monetário, V. Exª tem razão. Só que, se esses R$2 bilhões provocarem a morte do rio, nem 10, 15 ou R$20 bilhões vão trazer água para alguém. São aspectos que V. Exª tem que levar em consideração. Hoje se diz que a culpa é das barragens. Só que na época da construção das barragens, dizia-se também que não ia ter efeito nenhum. Sobre os dois por cento apenas a que V. Exª se refere, eu uso o mesmo argumento da água, mas com sentido inverso: quando um copo d’água está cheio, se se coloca mais uma gota, transborda. A culpa não foi da gota, mas de todo o processo de enchimento do copo. Isso vale também com o efeito inverso, quando se trata de água, que é o que está acontecendo com o rio São Francisco agora. Até agora ninguém tem uma conclusão tecnicamente aceitável de que os dois por cento, que são tão pouco, como V. Exª está dizendo, podem provocar a morte do rio, da mesma forma que uma gota pode provocar o transbordamento do copo. Muito obrigado.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Que bom para V. Exª, nobre Senador, que pode ser insensível à morte de 50 mil crianças! Que bom para o senhor que não precisa se preocupar.

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT - SE) - Eu não aceito isso! Tentei estabelecer um debate de alto nível com V. Exª.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Eu não estou dando um aparte a V. Exª. Eu o ouvi calado, ouça-me agora, por favor. Se V. Exª não aceita, é problema seu.

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT - SE) - Eu tentei estabelecer um debate de alto nível com V. Exª. Isso é chantagem barata. Não aceito essa chantagem!

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Tenha mais educação, não lhe concedi a palavra.

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão) - Atenção, Senhores Senadores. Peço a taquigrafia que não registre os apartes não autorizados.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Não lhe preocupa o princípio cristão. Para mim, que sou cristão, preocupa muito. Que bom para V. Exª, que pode raciocinar dessa forma. Não posso, porque vejo meus conterrâneos tomando água que parece um caldo de cana. Sei que, com um rio de 2.670m³ de vazão média, não serão 70 metros que farão falta. Não me venha dizer que isso irá matar um rio que tem 2.670m³, e estamos falando de 70 metros - um pouco menos, 67,9 metros. Eu disse que essa história se parece com a fábula do lobo e do cordeiro, e parece mesmo. O rio sempre existiu, mas há Senadores aqui que nunca fizeram nada e têm o seguinte raciocínio: 25% são para o consumo humano, 70%, para a irrigação. Vinte e cinco por cento já matam a sede no pico da seca. Falo de dez milhões de pessoas - não posso curvar-me a essa situação -, meus conterrâneos. Se V. Exªs têm um rio, se não o utilizaram como queriam, como deveriam e o assoreamento aconteceu, não fomos os culpados. Se arrancaram as matas, também não fomos os culpados.

Estamos apoiando V. Exªs, mas quem dispõe de 2.670m³ não pode negar 70m³ por segundo. E nem pertence ao Estado de V. Exªs, pois a água já passou por lá. Se vai faltar para o oceano Atlântico, é um argumento não tão inteligente, mas pelo menos sincero. Ao argumento de que “por esse lado não aceito”, contraponho a seguinte pergunta: qual é o lado aceito? Para mim conta o aspecto humano, pelo qual luto. O lado técnico é frio, é tudo o que V. Exª combate. Acho que não é por aí.

O Sr. Paulo Souto (PFL - BA) - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Ney Suassuna?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Concedo o aparte a V. Exª.

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - V. Exª, depois, me concede um aparte, Senador Ney Suassuna?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Com muita satisfação, esperando que V. Exª seja mais humana do que o último aparteante.

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão) - Peço ao orador que conclua o seu discurso, pois já ultrapassou o tempo em cinco minutos.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Peço perdão a V. Exª, mas fizeram um discurso dentro do meu discurso.

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão) - A Mesa vai tolerar o aparte de V. Exª, pedindo que seja curto, como determina o Regimento.

O Sr. Paulo Souto (PFL - BA) - Muito obrigado, Sr. Presidente. Apenas supondo que tenha sido indiretamente citado.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Não, não foi.

O Sr. Paulo Souto (PFL - BA) - Desculpe-me, mas ainda assim acredito que tenha que fazer algumas considerações, reconhecendo não a forma como o assunto foi abordado, mas o direito que V. Exª tem de lutar por um projeto que considera importante para o Estado. Mas eu queria, como já falei bastante sobre esse assunto, fazer apenas algumas observações. A primeira delas é a seguinte: com R$2 bilhões, Senador Ney Suassuna, a água não vai chegar para ninguém, porque esse é o custo apenas da obra principal. E é essa a minha preocupação - o senhor acredite nisso. A minha preocupação é que haja um projeto que faça, efetivamente, chegar água aos nordestinos que precisam. Porque os custos de adução, de tratamento, de distribuição e de, eu diria, de infra-estrutura para todos os projetos de irrigação - cujo número acho um absurdo - são elevados. Não é possível que, em 50 anos, a Codevasf, por exemplo, tenha feito 90 mil hectares das águas às margens do rio São Francisco, e agora aparece um projeto dizendo que vai irrigar 230 mil hectares, levando água de uma distância de 600 quilômetros. Mas esse é um outro problema. O que quero dizer é que para fazer chegar água - o que V. Exª considera importante e eu também - para esses nordestinos, com todos os programas que são necessários, é preciso, no mínimo, mais R$10 a R$12 bilhões para se aduzir, para se tratar, para se distribuir e para se fazer infra-estrutura, investimentos esses que têm de ser alguém - ou do Governo Federal ou dos Governos Estaduais, ou até mesmo, no caso de irrigação do setor privado. Então, aparentemente, estamos falando de benefícios muito grandes para um custo pequeno, que é irreal. Ninguém vai fazer chegar água àqueles que precisam apenas com R$2 bilhões. Precisamos, portanto, nisso ser realistas. Não podemos, mais uma vez, fazer o que acontece e o que aconteceu muito no Nordeste: se fazem os açudes, as barragens, se reserva água, e a água não chega para aqueles que precisam, porque não houve planejamento suficiente para que isso acontecesse. Esse é um ponto importantíssimo. O que não queremos é desperdício. É preciso que existam, portanto, todas as pré-condições que indiquem que essa água chagará realmente a quem precisa. Agora, além disso, diz-se que é 2% da água, o que é pouco em relação à vazão total do rio. É evidente que é pouco, mas não é esse o problema principal. O que queremos é estar absolutamente convictos de que esse projeto vai atender principalmente àquilo que o senhor deseja. E infelizmente não estou acreditando nisso, porque esse projeto não vai atender à condição principal que todos nós desejamos, que é levar água para os nordestinos que efetivamente precisam dela.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Obrigado, nobre Senador.

E há aquela questão de parâmetros. Um rico precisa de ter uma Mercedes para ser bem conduzido. Um pobre, até num jumento vai.

Nós, da Paraíba, estamos preocupados que chegue água nos açudes. Hoje, na maioria desses açudes, joga-se futebol no fundo, porque não há água nenhuma. Convido V. Exª para visitá-los comigo. Podemos ir à Soledade, a Santa Luzia, a São Mamede, e vou mostrar a V. Exª isso.

Não estamos preocupados com o restante da infra-estrutura. Queremos que caia água na calha do rio, pois esse é o projeto, e o filete d'água permanente permita que esse reservatório tenha água para beber, para que não fique como Serra Branca, que está, há dois anos e meio, sem nenhum pingo d'água para beber. A água tem que ser trazida através de carro-pipa. V. Exª sabe o que é nove mil pessoas, há dois anos e meio, sem um pingo d'água na sua barragem? Pois é isso que estamos vivendo.

Por isso, a aspiração de V. Exª e a complexidade que V. Exª está colocando não são a nossa. Somente queremos que chegue um pequeno filete d'água, e os 70 metros dão e sobram, desde que chegue, lá na cabeceira do rio, um pouco de água, pois que essa quantidade será suficiente para as dez milhões de pessoas nos quatro Estados.

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Ney Suassuna, V. Exª me permite um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Pois não, Senadora Heloísa Helena.

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão) - Apenas peço à Senadora Heloisa Helena que seja breve no seu aparte. É um apelo que faço a V. Exª.

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Compreendo o apelo de V. Exª, porque o Senador Ney Suassuna já esgotou o tempo e está fazendo a gentileza de nos conceder o aparte. Vou tentar ainda fazer um esforço para inscrever-me com a finalidade de tratar desse tema. Eu estava acompanhando o discurso de V. Exª, do meu Gabinete, Senador Ney Suassuna, e acho realmente inadmissível que V. Exª, com a experiência que tem, com o mandato parlamentar que tem, não se submeta a fazer o debate técnico e assuma o discurso demagógico que vem sendo feito pelo Governo Federal. V. Exª não pode cobrar de ninguém, especialmente do Senador José Eduardo Dutra, do Partido dos Trabalhadores e de muitos outros Parlamentares desta Casa, que tenha qualquer senso de humanidade, senso cristão em relação à situação do Nordeste. Tenho mais obrigação ainda de falar sobre isso, porque sou sobrevivente de um determinado tipo de sistema, de uma elitezinha podre, incompetente e irresponsável, que foi incapaz de garantir o desenvolvimento do Nordeste. Então, é exatamente por esse espírito humanitário, esse espírito cristão que queremos discutir novas alternativas concretas, ágeis e eficazes para minimizar os problemas gravíssimos do Nordeste, mas não podemos aceitar o discurso demagógico que vem sendo feito pelo Governo Federal e pelo Ministro Fernando Bezerra. Precisamos saber quais as empreiteiras, quais as consultorias, quais os proprietários de terras que irão ganhar com essa desapropriação, quais as áreas que vão ser irrigadas a um custo altíssimo, a um custo absolutamente impagável, se vai se tornar mais uma obra inviável. Senador Ney Suassuna, não somos aqueles que fizeram reservatórios com dinheiro público nas suas próprias terras, nas suas próprias fazendas, aqueles que foram incapazes, inclusive, de discutir uma coisa que V. Exª sabe e já teve a oportunidade de discutir nesta Casa, que é a questão do uso conflitante das águas, os problemas gravíssimos para o Nordeste em relação ao uso conflitante das águas, a opção que essa elite política e econômica foi capaz de fazer em desenvolver outras matrizes energéticas. Hoje, já existe problema em relação à geração de energia, imaginem fazendo isso? Não se trata de água que sairá para o mar, não diga uma coisa dessas, não é água que será perdida para o mar. Hoje, vários lugares do mundo têm um porto a 50 quilômetros do que era antigamente o mar, justamente por esse tipo de projeto irresponsável sem impacto ambiental. Isso não acontece só na Paraíba ou no Rio Grande do Norte. Aliás, os técnicos de várias universidades - por isso é importante que façamos audiências públicas para trazermos técnicos de recursos hídricos da Universidade da Paraíba e da Universidade do Rio Grande do Norte - inclusive já apresentaram outras alternativas concretas, ágeis e eficazes, com menor custo no aproveitamento dos reservatórios, com novas tecnologias para possibilitar água até lá. Em Alagoas, a dez ou onze quilômetros do rio São Francisco, as pessoas estão morrendo de fome e sede também. V. Exª tenha a mais absoluta certeza disso, e levo V. Exª para ver, uma cunha de salinidade de mais de 20 quilômetros do Oceano Atlântico, entrando no rio São Francisco. Então, é inadmissível que para o rio São Francisco, que significa 70% dos 3% de recursos hídricos do Nordeste, não façamos a revitalização. Revitalização não se faz concomitantemente com uma gigantesca obra faraônica de engenharia. V. Exª, com o compromisso que tem em relação ao Nordeste, tinha de estar aqui defendendo a revitalização, a revitalização das matas ciliares, a questão do assoreamento. O estudo de impacto ambiental mentiroso e incompetente que foi feito não deu conta do impacto ambiental na foz, em Alagoas e Sergipe. Portanto, não podemos aceitar esse discurso supostamente humanitário, porque não é. Não pode nos dar lição de humanidade e cristianismo. Se podemos ter, podemos ter de forma igual, mas não podemos receber lições de humanidade porque fazemos parte daqueles que não são parte da elite política e econômica que destruiu o nosso Nordeste, e V. Exª sabe exatamente quem é.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Nobre Presidente, depois desse aparte, fiquei imaginando: eu só citei uma frase bíblica, imagine se tenho citado um pouco mais.

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Poderemos competir, porque também conheço as frases bíblicas.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Podemos discutir sobre isso. Também tenho um pouco de experiência, Senadora. Agora, não tenho, contudo, essa experiência técnica que V. Exª têm. V. Exª faz uma avaliação do projeto técnico que não tenho e me dou por satisfeito com os projetos técnicos feitos pelo Ministério, que imagino serem competentes, porque os engenheiros de lá, imagino, não devam ser irresponsáveis.

A segunda coisa que queria dizer a V. Exª é que, em hora nenhuma, deixei de apoiar a reconstrução do rio, a revitalização do rio. Pelo contrário, disse que apoiava a revitalização das matas ciliares, que não destruímos, e o assoreamento que não fizemos. Devo ter dito isso quando V. Exª saía do gabinete e estava a caminho do plenário, por isso não ouviu esse trecho do meu discurso. Todo o tempo, apoiei e muito.

As necessidades básicas são ar (quem não respira morre em alguns minutos), água (quem tem sede morre em alguns dias), e depois vem o alimento (quem tem fome morre com mais dias ainda). Não tenho como ver meu povo morrendo de sede agora - apesar de estar chovendo, há um trecho em que não há chuva - e chegar aqui e ouvir as pessoas dizerem que é um discurso demagógico. Demagógico não! Necessário! É necessário! Estou aqui para representar aquele povo que está lá. No entanto, se há 10 ou 5 Km em Alagoas, não é culpa nossa. Deviam ter sido mais eficientes os governantes de Alagoas.

A Srª. Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Os governantes de Alagoas fazem parte do grupo político de V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão) - Peço a V. Exª que conclua o seu discurso.

            O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Não sou de Alagoas, sou da Paraíba. Não sou do grupo político de lá. V. Exª está equivocada. V. Exª é uma metralhadora para falar e tira conclusões muito rápidas. Não é o meu caso. Pense um pouco antes de soltar essa metralha de palavras, que acho bonito, mas que não tem muita coerência.

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão) - (Faz soar a campainha).

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Sr. Presidente, já vi que as coisas, hoje, estão soltas. Eu vou encerrar, usando uma frase, não tão bíblica: vade retro para toda essa briga.

Não gosto muito de briga; mas, se for necessário, faço, desde que seja para representar o meu povo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/04/2001 - Página 5914