Discurso durante a 33ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE OS DESDOBRAMENTOS DA CRISE ARGENTINA E SUAS IMPLICAÇÕES AOS INTERESSES DO MERCOSUL.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL). POLITICA INTERNACIONAL.:
  • REFLEXÃO SOBRE OS DESDOBRAMENTOS DA CRISE ARGENTINA E SUAS IMPLICAÇÕES AOS INTERESSES DO MERCOSUL.
Aparteantes
Casildo Maldaner.
Publicação
Publicação no DSF de 12/04/2001 - Página 6004
Assunto
Outros > MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL). POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • AVALIAÇÃO, CRISE, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, EFEITO, PERIGO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
  • ANALISE, HISTORIA, ECONOMIA, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA.
  • ESTUDO, INFLAÇÃO, PARIDADE, MOEDA, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, DOLAR, EFEITO, CRISE, DESEMPREGO, REDUÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO.
  • ANALISE, CRITICA, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, PROGRAMA, FACILITAÇÃO, IMPORTAÇÃO, BENS DE CAPITAL, MERCADORIA, AUSENCIA, DIREITOS, EFEITO, ALTERAÇÃO, NORMAS, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), PREJUIZO, ECONOMIA NACIONAL.
  • RISCOS, INICIO, DESMONTAGEM, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), PREJUIZO, EXPORTAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL.
  • DEFESA, AUMENTO, INTEGRAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), MOTIVO, INSERÇÃO, BRASIL, GLOBALIZAÇÃO.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, apenas para retificar, quero dizer que eu era o inscrito e estava cedendo lugar ao Senador Jader Barbalho; como S. Exª não usou da palavra, retornei e troquei com o Senador Paulo Hartung, que estava em segundo lugar.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tocando ainda no assunto que acabou de ser encerrado tão brilhantemente pelo Senador Paulo Hartung, quero dizer que esses bloqueadores são utilizados para um acordo entre os consumidores e as empresas distribuidoras. O consumidor diz previamente que não usará os aparelhos elétricos em determinada hora e usa o bloqueador para isso; caso insista, automaticamente o aparelho se desligará, gerando uma redução de 20% na sua conta. Mas isso não tem sido divulgado pelo Brasil. Qualquer cidadão que queira colocar o bloqueador pode fazê-lo, inclusive ajudando o Brasil a superar a crise e diminuindo a sua conta elétrica em 20%. As empresas distribuidoras têm a obrigação de investir 1% de sua receita nisso, mas fazem de conta que não têm essa obrigação, porque não querem dar o desconto aos consumidores.

Era essa a explicação que eu gostaria de dar antes de entrar no assunto que vou abordar hoje: a crise argentina.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a crise argentina, que se vem arrastando e se agravando há pelo menos dois anos, acelerou-se nas últimas semanas, e seus novos desdobramentos trazem perigosas implicações para o Mercosul e, em especial, para o Brasil.

Há 10 anos, o Ministro Domingo Cavallo dominou a crise daquele país, a da hiperinflação. Foi saudado, então, como herói. Seu plano de rígida e eterna paridade do peso com o dólar funcionou bem durante algum tempo, e a Argentina atravessou, em boa forma, a maior parte da década de 90, muito ajudada pelo real forte, que também estava artificialmente valorizado.

Mas o remédio da paridade do peso, ele próprio, veio atuando como sutil veneno. Aos poucos, foram-se insinuando na economia argentina a falta de competitividade, o desemprego, o baixo crescimento, o desequilíbrio fiscal. Nos últimos meses, a crise piorou. Nem uma ajuda de emergência do FMI conseguiu deter a degringolada. A baixa credibilidade internacional ameaçava detonar a qualquer momento uma corrida especulativa, pricipitando a quebra do país, que já era mais ou menos visível no horizonte.

Diante disso, foi novamente convocado, como salvador, o Ministro Domingo Cavallo. Uma das medidas que tomou, para injetar competitividade nas empresas argentinas, foi a de facilitar a importação de bens de capital, baixando sua alíquota de importação para zero. Ora, isso afeta diretamente o Mercosul e, principalmente, o Brasil, mesmo que a medida se limite a bens de capital, isto é, máquinas.

Num primeiro momento, parecia que esse impacto poderia ser tolerado tanto pelo Mercosul como pelo Brasil, tudo em nome de se salvar a Argentina de um mergulho no caos, possibilidade altamente indesejável para seus parceiros do Mercosul.

Trata-se do seguinte: o Mercosul é uma união aduaneira e, como tal, alinha seus países-membros segundo a mesma tarifa de importação de mercadorias de terceiros países, enquanto os produtos, dentro do bloco, circulam livres de impostos. Cabe lembrar que, na progressão de integração entre países que formam um bloco, o grau mais fraco é a zona de livre comércio, de tarifa zero entre os países do bloco; o grau mais forte é o Mercado Comum, de corte europeu; o grau intermediário é onde se encontra agora o Mercosul, o de união aduaneira.

A Argentina, com seu novo pacote econômico de março, com a tal tarifa zero generalizada de importação, mudou unilateralmente as regras da união aduaneira do Mercosul. O Ministro Cavallo fez ao Brasil uma visita de um dia, para se explicar e pedir apoio. O Brasil concordou em sacrificar-se, temporariamente, e sacrificar também o Mercosul, para salvar a Argentina da crise.

O sacrifício do Brasil é óbvio: com tarifa zero disponível para todos os países do mundo que queiram vender equipamentos e máquinas à Argentina, nossas exportações, antes protegidas dentro do Mercosul, certamente sofrerão. A Argentina é o principal comprador de máquinas e equipamentos produzidos pelo Brasil. E vejam que a balança já estava inteiramente desequilibrada. Compramos da Argentina US$5,8 bilhões e para ela vendemos, no ano passado, apenas US$1,8 bilhão. Mesmo assim, haveria mais um desequilíbrio.

Passados alguns dias, ficou bem caracterizado que a agressão argentina aos interesses brasileiros era bem maior do que aquele impacto inicial que estávamos dispostos a absorver. A movimentação do Ministro Cavallo e o detalhamento do seu pacote econômico apontam para um princípio de desmonte do Mercosul e para um prejuízo para nossas exportações superior ao que transparecia nas explicações iniciais do Governo argentino sobre as medidas emergênciais.

O Brasil foi surpreendido pela informação de que a lista dos produtos brasileiros prejudicados iria incluir equipamentos de informática e telefones celulares, o que seria muito duro para nós. Fizemos uma pressão tão grande, que retiraram da lista os equipamentos de informática e os telefones celulares. Isso aumentaria de muito o prejuízo brasileiro em relação às estimativas iniciais. Seriam mais de US$620 milhões de perda para o Brasil, porque estavam classificando computadores e celulares como bens de capital, quando, na verdade, são apenas bens de consumo durável, segundo os acordos que regem o Mercosul. Ainda bem que, quanto a esse item, voltaram atrás.

Além disso, está se configurando uma aproximação da Argentina e dos Estados Unidos, com implicações estratégicas gravíssimas para os interesses do Mercosul e do Brasil.

O primeiro sinal de que o Brasil acordou para o perigo é o cancelamento da viagem que o Presidente Fernando Henrique Cardoso faria à Argentina em 16 e 17 de abril. Seu principal objetivo seria revitalizar as relações entre os dois principais parceiros do Mercosul. Mas as manobras do superministro Cavallo, que parece ser, no momento, o condutor principal das posturas e diretrizes do Governo argentino, são tão adversas aos interesses brasileiros, que a visita presidencial deixou de fazer sentido.

A aproximação Argentina-Estados Unidos surge de quando em vez, ao que parece, sempre que o Brasil recusa a conceder eternamente à Argentina um superávit comercial, ou seja, financiar o desenvolvimento argentino. Agora, porém, essa aproximação tem um sentido mais ameaçador: é, no mínimo, o risco de que nosso principal parceiro de Mercosul tome o partido do Governo norte-americano na preferência por acelerar a entrada em vigência da Alca, a Área de Livre Comércio das Américas, o que não interessa ao Brasil. Ontem, recebemos informações de que iriam repensar também sobre essa questão, mas falaram, por muito tempo, da possibilidade de adotar datas diferentes da nossa em relação à Alca. E como é o nosso principal parceiro, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não nos interessa que eles estejam mal. Queremos o bem da Argentina, mas isso não pode significar o sacrifício desmesurado para o nosso Brasil.

Precisamos ter mais certeza com relação à Argentina .É duvidoso que a Argentina possa levar alguma vantagem, caso sua aproximação bilateral com os Estados Unidos venha a se concretizar. O que a Argentina tem a vender - petróleo, trigo, automóveis, autopeças, produtos de informática - dificilmente os Estados Unidos comprariam, principalmente com a vigência da famosa paridade peso-dólar.

Brasil e Argentina parecem estar, no momento, com visões divergentes. A Argentina evidencia querer recuar do que já foi consolidado no Mercosul. Ao Brasil, ao contrário, interessa aprofundar o Mercosul, torná-lo um verdadeiro bloco unido, um verdadeiro Mercado Comum.

Quanto a acordos bilaterais negociados entre Argentina e Estados Unidos, a Agência Estado, em notícia de 4 de abril, divulgou afirmação do Sr. Félix Peña, ex-Secretário de Comércio Exterior da Argentina, de que não existiriam tais acordos, procurando tranqüilizar a jornalista que o entrevistava. Mas, ao mesmo tempo, pelo teor de seus demais comentários, fica claro que ele defende para o Mercosul um retrocesso ao formato de mera zona de livre comércio. Quanto ao Ministro Cavallo, esse nunca escondeu nem esconde que prefere para o nosso bloco esse status reduzido.

A mesma Agência, no mesmo dia, divulgou entrevista com o presidente da Associação de Empresas Brasileiras para a Integração no Mercosul (Adebim), Sr. Michel Alaby, que definiu os eventos das últimas semanas como caracterizadores da falta de coesão do Mercosul. Ele defendeu a tese de que, caso a Argentina adote uma postura de negociar um acordo bilateral com os Estados Unidos, o Brasil deveria buscar também o seu próprio entendimento individual com Washington.

Ora, esse seria um mau roteiro para o Brasil. Desaprovamos acordos bilaterais firmados entre Argentina e Estados Unidos com o objetivo de enfraquecer o Mercosul e alijar o Brasil de discussões fundamentais em termos de política estratégica para a América Latina. O Senado Federal e o País precisam estar alerta para a gravidade de uma evolução nesse sentido.

O fortalecimento do Mercosul é o que nos interessa. Essa é a base da estratégia de inserção do Brasil na economia globalizada, já que o bloco nos dá mais peso nas negociações internacionais.

Depois do cancelamento da viagem de nosso Presidente da República à Argentina, o Ministro Cavallo ensaiou um recuo e vem afirmando que acatará as definições dos acordos vigentes no Mercosul, principalmente em relação à telefonia celular e aos computadores. Mas não nos restam dúvidas sobre a lamentável tendência existente: hoje, a Argentina tende a enfraquecer o Mercosul.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Mercosul precisa de uma visão de estadista por parte dos governos de seus países-membros. Uma visão que permita superar interesses internos, até legítimos, para aprofundar a integração, e não enfraquecê-la. Quando o Mercosul nasceu, houve essa postura de estadistas por parte de seus proponentes. Agora, é necessária a mesma postura para fazer crescer o Mercosul e avançar em direção às suas grandes metas.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Com muita satisfação, nobre Senador Casildo Maldaner.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Senador Ney Suassuna, manifesto-me em relação a esse assunto não só porque participo como membro da Comissão do Mercosul no Congresso Nacional, mas porque o meu Estado de Santa Catarina faz limite com a Argentina, mais precisamente com a província de Missiones, o que favorece a convivência entre catarinenses e argentinos - já se fala o portunhol e há essa interligação praticamente diuturna -, e também porque a idéia do Mercosul é aquilo que V. Exª prega. A idéia não é competirmos entre nós quer no campo cultural, diplomático, quer nas trocas de mercadorias. Não, em absoluto! A idéia é nos irmanarmos, termos parcerias, para, juntos, podermos conversar com mais força com outras organizações internacionais, a exemplo do Mercado Comum Europeu e do Nafta. Não há a menor dúvida de que, sozinhos, não teremos condições de dialogar e de nos proteger. Há um ditado que diz que “uma andorinha só não faz verão”. Essa é a idéia fundamental. Por isso, os avanços entre nós, em relação a trocas de mercadorias e ao reconhecimento dos cursos, por exemplo. Quem é advogado aqui poderá ser advogado no Paraguai, no Uruguai, na Argentina. Com o preenchimento de certos requisitos, em pouco tempo, nossos médicos também poderão atuar nesses países. São possíveis algumas adaptações nos Códigos de Processo Penal e Civil, facilitando a interligação no campo do capital, do trabalho, e assim por diante. Esse é o grande papel. Essa é a finalidade, para termos mais condições de conversar com as outras potências. Não há a menor dúvida. Acredito também que, com o tempo, vamos estar juntos na Alca, mas temos de ir devagar agora. Como diz o Ministro da Agricultura, a situação fica difícil se só eles venderem para nós e nós não vendermos para eles. Faz-se necessário um certo resguardo. Por isso, a organização do Mercosul é importante. Torçamos, então, para que o Paraguai vá bem, para que a Argentina melhore, e para que, daqui a pouco, mais alguns países da Cordilheira dos Andes possam participar conosco de um entendimento maior. Com o tempo, formaremos um tripé: o Oriente, o Mercado Comum Europeu e as três Américas - que seria a Alca. Mas mais tarde. Agora não dá mesmo. Não dá.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Exatamente.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Por isso, neste momento, a finalidade do Mercosul é a autoproteção: não devemos brigar ou concorrer, mas buscar mais condições de dialogar com as potências do mundo inteiro. Meus cumprimentos a V. Exª!

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado, nobre Senador Casildo Maldaner. A linha do meu discurso é nesse sentido, e V. Exª me deixa muito feliz com o seu apoiamento, porque realmente é isto que precisamos fazer. Não nos interessa a concorrência, que já custou muito caro à Argentina e ao Brasil. Quando tínhamos os governos militares, a concorrência quase levou cada país a ter uma bomba atômica. A concorrência era tal que a primeira hipótese de guerra estudada pelos nossos militares seria com a Argentina. Descobrimos, naquela época, que a Argentina tinha um acordo secreto com a Venezuela, com a Colômbia, com o Peru, com quase todos os países, com exceção do Chile, que era nosso único parceiro na América do Sul. Isso era ruim, porque nos levava a um conflito; tudo nos levava a um conflito.

Já temos uma diferença de temperamento muito grande. Os colonizadores portugueses vieram com duas bandeiras: Deus e ouro; os espanhóis vieram com três bandeiras: Deus, ouro e glória, e esse último componente sempre levou os nossos vizinhos a serem mais esquentados, mais sangüíneos - talvez seja essa a palavra. Numa revolução argentina, por exemplo, com um terço da população que tínhamos, morreram quase trinta mil pessoas; numa revolução brasileira, morreram duzentas pessoas. Então, essa é a diferença entre os nossos povos. Temos de tentar mudar um pouco esse tipo de comportamento para que nos aproximemos ao máximo, porque é isso que os nossos países e os nossos povos querem. Não nos interessa buscar divergências, mas pontos de similitude. Nesse sentido, sabemos que a Argentina não pode ir mal; queremos que ela vá bem.

Outro dia, eu estava na Argentina e tentei ser empático em relação à situação dos argentinos: estão sem a sua companhia aérea e estão sem a companhia de eletricidade, que foi vendida. Até fizeram uma broma, como dizem eles: primeiro, tinham que enfrentar o Chile; agora, basta desligar o interruptor. Isso porque o Chile comprou a companhia de eletricidade deles. Então, coisas como essas fazem com que os argentinos estejam infelizes diante dessa crise. Nós devemos estar solidários, mas também não podemos pagar um preço desmesurado.

Assim, estejamos atentos para auxiliar os nossos irmãos do Sul, sim, porque eles são os nossos principais parceiros, mas o preço não pode ser o sacrifício da nossa população. Nós temos um limite e, dentro dele, o Congresso Nacional tem de estar pilotando, aconselhando, orientando para que nos posicionemos.

Peço que todos os Srs. Senadores nos acompanhem nesse pilotar de uma crise que poderá ser muito prejudicial ao Brasil, ao Mercosul e a todo o continente sul-americano.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/04/2001 - Página 6004