Discurso durante a 50ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE OS BENEFICIOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS DE INFORMATICA E O RISCO DA PERDA DAS IDENTIDADES REGIONAIS.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TELECOMUNICAÇÃO.:
  • REFLEXÃO SOBRE OS BENEFICIOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS DE INFORMATICA E O RISCO DA PERDA DAS IDENTIDADES REGIONAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 11/05/2001 - Página 9105
Assunto
Outros > TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, VANTAGENS, TECNOLOGIA, BENEFICIO, VELOCIDADE, INTERCAMBIO, INFORMAÇÃO, LIBERDADE, DIFUSÃO, CONHECIMENTO, CULTURA.
  • REGISTRO, APREENSÃO, INTERNET, PERDA, IDENTIDADE, DETERIORAÇÃO, CULTURA, BRASIL.
  • REPUDIO, MANIPULAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DESENVOLVIMENTO, SETOR, INFORMATICA, ANALISE, CRITICA, EXCLUSÃO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO.
  • AVALIAÇÃO, NECESSIDADE, PRESERVAÇÃO, CULTURA, BRASIL.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, foi-se o tempo em que algum tipo de resistência era oferecida às novas tecnologias. Não quero parecer um otimista ingênuo, mas, não há dúvida de que as novas tecnologias podem trazer - e trazem - muitas vantagens ao ser humano. É claro, não podemos esquecer de que as novas tecnologias são conquistas da humanidade e não de determinadas corporações ou de determinados países, pois, todas as vezes em que um avanço do conhecimento é usado apenas em benefício de uma pequena minoria, podemos detectar um verdadeiro crime de lesa-humanidade.

Gostaria, pois, de trazer algumas reflexões em torno das novas tecnologias da informação. Tratar dos inegáveis benefícios que elas trazem, particularmente a um país como o nosso. Quero, ao mesmo tempo, fazer um alerta contra os possíveis perigos dessa chamada cibercultura. Um desses perigos, sem dúvida, é a perda das identidades locais em nome de uma cultura “global” ou mundial. Esse perigo é tanto mais real quanto constatamos a inegável liderança dos chamados países desenvolvidos no setor da informática e da comunicação. Não podemos ser ingênuos de pensar que o simples fato de acessarmos a Internet nos torna cidadãos do mundo. Não nos esqueçamos, a título de exemplo, que a maciça constituição das páginas W W W. é em inglês.

A esse respeito, gostaria de fazer eco às teses do filósofo Pierre Lévy, que tem estudado a constituição desse “ciberespaço” ou dessa “cibercultura”. Contudo, não partilho cem por cento de seu entusiasmo, exatamente pela falta de equanimidade na participação desse “espaço virtual”.

Para Pierre Lévy, “raciocinar em termos dos impactos (negativos) que as novas técnicas têm sobre o conjunto da humanidade é condenar-se a padecer.” Ou seja, ele nos convida a uma visão otimista desse mundo “virtual” que está sendo criado.

Para ele, a possibilidade de se armazenar, enviar, receber, trocar informações em tempo real traz muitos pontos positivos, aspectos ainda não explorados em toda a sua extensão.

O ciberespaço seria um agente de libertação ao permitir que um número ilimitado de interconexões entre textos e imagens circule livremente pela rede. Em verdade, estaria sendo constituída uma verdadeira “democracia eletrônica”, no dizer de Pierre Lévy, pois as novas técnicas de comunicação constituem um espaço ímpar para disseminar conhecimento, sem que haja, necessariamente, “donos” dos meios de difusão desse conhecimento. A grande variedade de informações e a possibilidade de elas romperem barreiras levam ao questionamento de valores já estabelecidos. Tomemos o caso de países como o Irã e Cuba que, por razões de natureza diferente, impedem a entrada (e a saída) de informações de fontes estrangeiras, seja em nome da religião, seja em nome da defesa do Estado. Pois bem: com a Internet, os cidadãos desses países tanto podem receber como enviar informações de natureza diferente daquela permitida pelo Estado. A socialização dos discursos se constituiria, por definição, numa espécie de contrapoder ao poder do Estado.

Segundo o filósofo francês, a esfera do compartilhamento de dados se transforma no ambiente propício para o desenvolvimento de uma inteligência coletiva, universalizante. Como ele salienta, a chamada cibercultura provoca uma ampla revolução na vida das pessoas, ao proporcionar uma alteração radical na forma de conceber o tempo, o espaço e as relações humanas.

Em um de seus artigos, Lévy aponta esse tipo de socialização do conhecimento como uma das maneiras de dar um fim às tradicionais exclusões. Eis o ponto que gostaria de tomar para refletir um pouco mais. Na minha modesta visão, não teria o que argumentar contra as manifestas vantagens da criação dessa cibercultura. Gostaria, apenas, de apontar a exclusão, já existente. Basta verificarmos “quem” tem acesso à rede mundial de computadores e “onde”, geograficamente, residem essas pessoas. Uma simples vista d’olhos no noticiário (acessado por meio da Internet) nos dá a seguinte visão:

No final do ano 2000, eram 104 milhões os americanos com acesso à Internet; no mesmo período, na Austrália, metade dos adultos tinham acesso à rede; na Alemanha, a Internet havia chegado a 30% das residências; no Brasil, eram 10 milhões os assinantes; em contraposição, na Bolívia, cerca de 1% das pessoas possuíam computador; dessas, apenas um quarto acessam a Internet.

Nos EUA, onde estão 60% dos usuários mundiais da rede, a Web é coisa de jovens (75% das pessoas entre 18 e 29 anos acessam a Internet contra 15% das pessoas maiores de 65 anos). É também coisa dos mais bem situados no sistema educacional (82% das pessoas com nível superior contra 37% das pessoas com nível médio).

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconheceu que, não obstante a importância das tecnologias da informação para o mercado de trabalho, menos de 5% da população mundial têm acesso à rede; desses, 90% estão em países industrializados. O relatório conclui que o acesso à rede ainda é claramente estratificado: os usuários, na maioria, são homens, jovens, do meio urbano, com nível superior de renda e educação. No outro lado do pólo, idosos, mulheres, pobres e a população rural permanecem alijados do novo mundo do conhecimento digital. Ao mesmo tempo, o relatório da OIT reconhece que o acesso às tecnologias da informação poderia propiciar verdadeiros “saltos” no processo de desenvolvimento. Conclui, ainda, que tais saltos não ocorrerão se a ampliação da rede mundial de computadores depender das regras tradicionais de mercado. Ou seja, é preciso que haja uma intervenção de outra natureza na condução desse processo. Uma intervenção que pode ser dos organismos multilaterais de cooperação (ONU, G7, etc.) ou dos governos de cada país.

No Brasil, são cerca de 10 milhões os assinantes da Internet: 72% deles, pertencentes, obviamente, às classes A e B; 60% desses usuários têm menos de 30 anos; 55% deles são homens e 57% moram na Região Sudeste. Perdoem-me se os canso com esses dados. Mas eles são muito eloqüentes para serem ignorados. Em outras palavras, poderíamos dizer que, no Brasil, o acesso à Internet ainda é excludente, pois alcança apenas os mais bem aquinhoados na pirâmide de estratificação econômica; em termos regionais, a concentração em uma região do País também é um dado a ser considerado. Se as visões do filósofo quanto aos impactos positivos da Internet são verdadeiros para outras regiões do planeta, entre nós, infelizmente, ainda espelha uma exclusão de natureza econômica, geográfica, etária e de gênero.

Enfim, Srªs e Srs. Senadores, não podemos desconhecer os benefícios extraordinários da geração dessa cibercultura. Por outro lado, não podemos esquecer que, mesmo esse mecanismo pode servir para consolidar assimetrias na posse de conhecimentos e de meios de disseminar conhecimentos, enfim, perpetuar dominações econômicas, culturais e de gênero já existentes.

E aqui, questiono: o que o Brasil tem feito para socializar os benefícios da rede mundial de computadores? Existem linhas de financiamento para fazer com que os computadores e o acesso à rede cheguem aos estudantes da periferia? Ou às escolas do meio rural? Ou vamos deixar que o acesso continue concentrado nas camadas mais altas da população?

Retomando as teses de Pierre Lévy sobre o papel da Internet na difusão de conhecimentos, ele preconiza que o acesso aos conhecimentos poderia ser feito mediante o acesso à rede; e que o papel do professor seria o de ensinar os alunos a pensarem e a refletirem criticamente sobre os conteúdos acessado. Novamente me pergunto: estaremos fazendo isso? Ou nossos professores, eles mesmos, ainda ignoram as operações básicas de conexão à Internet?

E quanto à preservação da cultura e das identidades locais, o que estamos fazendo? Que Brasil está sendo difundido na rede? Que Ceará, que Rio Grande do Sul, que Pará, que Bahia? Não nos esqueçamos que três quartos da informação que circula na rede está na língua inglesa.

A própria identidade da Internet está grafada em inglês. Se não, vejamos: home page, site, web, web site, W W W. (de world wide web), mail, chat e assim por diante. Por favor, não quero parecer xenófobo (palavra de origem grega, por sinal); não repudio as contribuições culturais de outros povos; mas rejeito o predomínio. Não creio que exista espaço para a construção de uma “inteligência coletiva” enquanto apenas parte da coletividade tiver o predomínio.

Ao acessar a home page do MEC (Ministério da Educação, não confundir com Mc, de Mc Donald’s), somos informados de que existe o Proinfo (Programa Nacional de Informática na Educação) que tem como objetivo introduzir novas tecnologias de informação e comunicação na escola pública como ferramenta de apoio ao processo de ensino e aprendizagem. Esse programa tem como metas atingir 7,5 milhões de alunos, em 6 mil escolas, capacitar 1 mil professores multiplicadores e 25 mil professores em escolas para trabalhar com essas tecnologias em salas de aula. Pretende, ainda, instalar 105 mil computadores em escolas públicas e em núcleos de Tecnologia Educacional. Entre 1997 e 1998, pelo que informa o site, teriam sido investidos pouco mais de R$100 milhões.

Desconheço os meandros do programa mas, de antemão, sabendo das necessidades deste País, diria que o MEC está sendo modesto. Sei que o cobertor das verbas é curto, mas penso que há necessidade de um investimento muito maior. E, mais que investimento: de uma atenção maior a esse setor. Justamente por causa das potencialidades das tecnologias da informação para fortalecerem os alunos das classes baixas. E justamente por sabermos o quanto o MEC está empenhado em alcançar todas as crianças em idade escolar. Pergunto ao nosso amigo, Ministro Paulo Renato, se não é o caso de as tecnologias da informação receberem um outro tratamento no âmbito daquela pasta.

Bem, Srªs e Srs. Senadores, perdoem-me o entusiasmo com um assunto aparentemente tão fora do nosso controle, como é a disseminação das tecnologias da informação. Mas é que seu potencial para diminuir as desigualdades em nosso País é tão grande, que eu não poderia deixar de me pronunciar. Espero que estas palavras sirvam, pelo menos, de alerta para essa verdadeira revolução que está havendo e que, se não atentarmos para suas potencialidades, poderemos, mais uma vez, ficar a reboque da história.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/05/2001 - Página 9105