Discurso durante a 54ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REFLEXÃO ACERCA DA PROPOSTA DE INTEGRAÇÃO ECONOMICA CONTINENTAL, A SER MATERIALIZADA NA AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS - ALCA.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • REFLEXÃO ACERCA DA PROPOSTA DE INTEGRAÇÃO ECONOMICA CONTINENTAL, A SER MATERIALIZADA NA AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS - ALCA.
Publicação
Publicação no DSF de 19/05/2001 - Página 9807
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • ANALISE, EFEITO, INTEGRAÇÃO, ECONOMIA, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), BRASIL, NECESSIDADE, AUMENTO, ESTUDO, DEBATE, CONGRESSISTA, EMPRESARIO, GOVERNANTE, PREVISÃO, RESULTADO.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a recente reunião de governantes americanos em Quebec, no Canadá, convida-nos à reflexão em torno da proposta de integração econômica continental, a ser materializada na Área de Livre Comércio das Américas, a Alca. Em primeiro lugar, uma óbvia constatação: a formação de blocos regionais tem sido uma constante nos últimos anos, reflexo evidente da configuração assumida pela economia mundial nas últimas décadas do século XX.

Negar a existência de um processo de mundialização econômica é agredir a realidade dos fatos, mesmo porque o que se assiste hoje nada mais é que o coroamento de uma longa trajetória histórica. Com efeito, trata-se de algo iniciado há, pelo menos, cinco séculos, com a expansão comercial e marítima européia liderada pelos países ibéricos. Gestava-se, naquele momento, o capitalismo de base mercantil, que teve no antigo sistema colonial uma de suas principais fontes propulsoras. A exploração do continente americano é capítulo fundamental nesse processo de acumulação capitalista.

O que a Revolução Industrial fez a partir da segunda metade do século XVIII e, muito especialmente, ao longo do século XIX, foi consolidar o capitalismo como sistema dominante, substituindo rapidamente velhas formas de organização da produção. Essa indústria moderna tornou o mundo menor: áreas e áreas foram incorporadas à ação capitalista, fornecendo matéria-prima, consumindo mercadorias, garantindo mão-de-obra e se constituindo em locais propícios ao investimento de capitais. Assim se fez a universalização da moderna economia capitalista, sendo que a segunda metade dos anos oitocentos assistiu a um fenômeno sistemático e articulado de dominação - direta ou indireta - de todas as regiões do planeta. A ele deu-se o nome de imperialismo, cuja face mais visível era o neocolonialismo.

Vencidos os graves problemas da primeira metade do século XX, de que duas guerras mundiais, a monumental depressão decorrente da crise de 1929, a vitória da Revolução Russa e a ascensão dos regimes fascistas são exemplos sintomáticos, a economia capitalista voltou a florescer no pós-Segunda Guerra Mundial. Como bem assinalou o grande historiador britânico Eric Hobsbawm, entre o final da década de 1940 e o dos anos sessenta viveu-se autêntica “Era de Ouro”: a sociedade urbaniza-se rapidamente, a capacidade produtiva conhece notável ampliação e o expressivo avanço tecnológico passa a sustentar um novo modelo de economia.

As últimas décadas do século XX, particularmente os anos oitenta, consolidaram o que hoje chamamos de globalização. Estabelecida sua historicidade, como aqui rapidamente procuramos fazer, resta identificar os processos de integração em marcha como algo absolutamente natural, óbvia contingência da realidade mundial contemporânea. Nada, pois, a opor quanto ao ingresso do Brasil em um ou mais blocos, justamente porque reside nesta estratégia a possibilidade que temos de inserção razoavelmente adequada no grande e competitivo mercado global em que o planeta se transformou.

Nesse sentido, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Mercosul foi e é - malgrado toda sorte de problemas por que tem passado - não apenas uma saída válida para o Brasil e os demais parceiros do Cone Sul nas atuais circunstâncias, mas, vou além, o primeiro e decisivo passo que obrigatoriamente tem de ser dado pelos que o integram se almejam ser mais que meros coadjuvantes no comércio internacional. Por isso, hoje como ontem, apóio sua existência, reconheço o papel histórico representado pelos Governos Sarney e Alfonsín para sua criação e acredito na imperiosa necessidade de sua plena consolidação.

Essa questão se mostra ainda mais atual quando se tem pela frente a proposta da Alca. Não se trata, em absoluto, de conferir ao tema uma insustentável roupagem ideológica. Isso seria de um primarismo atroz, inconseqüente sob o ponto de vista prático, rigorosamente extemporâneo e não nos levaria a lugar algum. Entretanto, de igual modo, penso tratar-se de questão tão complexa, a envolver tantos e diversificados interesses, que não conviria a adoção de uma atitude acrítica, de aceitação passiva de uma idéia que, a princípio, interessa muito mais às pujantes economias do Norte do Continente, já integradas pelo Nafta.

O que precisamos fazer urgentemente - e, neste caso, falo de governantes, parlamentares, empresários, economistas e dos mais variados setores da sociedade - é aprofundar nosso grau de conhecimento sobre a matéria. Repito: sem um conhecimento aprofundado da realidade econômica continental, acerca do que efetivamente se propõe em termos de Alca, de estudos sérios quanto aos possíveis resultados que advirão de uma América sem barreiras comerciais, tudo o que fizermos ou dissermos poderá ser em vão, ou não ultrapassará o terreno da mera retórica.

Dúvidas e incertezas, Senhor Presidente, existem em profusão quando o assunto é a Área de Livre Comércio das Américas. Dúvidas e incertezas, diga-se, existentes de ambos os lados, ou seja, ao Norte e ao Sul do Continente. Exemplos não faltam a esse respeito. Enumerá-los, por mais superficialmente que seja, significa levantar expressivo rol de problemas, ainda longe de solução, no caminho da Alca. Vejamos.

O Congresso Americano recusa-se a atender ao mais importante pedido do Executivo, qual seja, a permissão para que o Governo dos Estados Unidos assine tratados - como será o caso da Alca - sem prévia anuência do Legislativo. Ora, essa decisão do Parlamento norte-americano atesta o elevado grau de incerteza que toma conta de ponderáveis setores daquele país relativamente à implantação da Alca. Grupos organizados de pressão agem sobre o Congresso, a começar pelos que representam os interesses da fortemente subsidiada agricultura norte-americana.

Por falar nisso, como seriam tratados esses subsídios agrícolas no interior da Alca? Eis um aspecto central da questão que não pode, de maneira alguma, ser negligenciado, pois que, dependendo de como forem acertadas as condições para a implantação do livre comércio nas Américas, o impacto negativo sobre as economias latino-americanas será catastrófico.

Outro ponto problemático diz respeito à profunda assimetria econômica entre o Norte e o Centro-Sul das Américas. Ora, se determinados cuidados não forem tomados, a esmagadora superioridade econômica do Nafta, especialmente a dos Estados Unidos, poderá fazer da Alca nada mais que instrumento para seu pleno e total domínio sobre o mercado latino-americano.

Há mais problemas, no entanto. Se almejamos uma inserção não subalterna na economia globalizada de nossos dias, não há outro caminho senão o fortalecimento - como primeiro passo - de blocos regionais ou sub-regionais. Nesse sentido, deplora-se o conjunto de dificuldades que, em não tendo sido superado, faz do Mercosul refém de suas próprias fragilidades.

Refiro-me, entre outros exemplos marcantes, à persistência de sofríveis indicadores sociais no interior dos países que o compõem; da ausência de visões macroeconômicas conjuntas, a refletir, por exemplo, na incompatibilidade das políticas cambiais adotadas; a falta de unidade entre os parceiros, o que se verifica claramente nas aproximações bilaterais, em particular com os Estados Unidos. Foi o que se deu com o Chile, quando este parecia propenso a integrar o Mercosul; é o que se dá, neste momento, com os recorrentes avisos de uma Argentina em crise de que estreitará seus laços com a potência hegemônica; é o que, provavelmente, estará ocorrendo com o Uruguai, conforme noticia a imprensa. 

Por fim, mas não de menor importância, dúvidas e incertezas também acometem a diplomacia brasileira. Queixam-se nossos mais qualificados diplomatas de que se encontram num dilema: para os Estados Unidos, a ação da chancelaria brasileira tem sido vital para impedir a rápida implantação da Alca; no Brasil, bem ao contrário, são vistos como entreguistas, a favorecer os interesses norte-americanos. Ora, isso nada mais é que sintoma inequívoco do mar de contradições em que nos encontramos quando se aborda o assunto.

Por todas essas razões, Sr. Presidente, é que estamos todos convocados a nos debruçar mais e mais sobre esse tema. É preciso identificar que setores da economia brasileira estão aptos a enfrentar uma área de livre comércio de dimensão continental; quais os que seriam prejudicados, com maior ou menor ênfase; que caminhos deverão ser trilhados no sentido de minimizar os efeitos danosos da integração proposta; como fortalecer blocos regionais, como é o caso do Mercosul, no pressuposto de que isso é indispensável a uma inserção adequada aos interesses nacionais.

De uma coisa estejamos certos: por mais denso que seja o processo de globalização, as decisões serão sempre tomadas a partir da perspectiva nacional. É isso que fazem as grandes economias mundiais e disso não poderemos nos afastar, sob pena de selarmos nosso destino como país periférico, pobre e incapaz de enfrentar seus desafios. Isso, a Nação não admitirá!

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/05/2001 - Página 9807