Discurso durante a 57ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A REPERCUSSÃO NO CRESCIMENTO ECONOMICO DAS MEDIDAS ADOTADAS PELO GOVERNO FEDERAL PARA CONTENÇÃO DOS GASTOS DE ENERGIA ELETRICA.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENERGIA ELETRICA.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A REPERCUSSÃO NO CRESCIMENTO ECONOMICO DAS MEDIDAS ADOTADAS PELO GOVERNO FEDERAL PARA CONTENÇÃO DOS GASTOS DE ENERGIA ELETRICA.
Aparteantes
Gilberto Mestrinho.
Publicação
Publicação no DSF de 23/05/2001 - Página 10075
Assunto
Outros > ENERGIA ELETRICA.
Indexação
  • COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, REUNIÃO, ORGANISMO INTERNACIONAL, ATRAÇÃO, CAPITAL ESTRANGEIRO, INVESTIMENTO, BRASIL, MOTIVO, ESTABILIDADE, APREENSÃO, CRISE, SISTEMA ELETRICO.
  • ANALISE, PROBLEMA, MODELO, PRIVATIZAÇÃO, SETOR, ENERGIA ELETRICA, CRITICA, FALTA, PLANEJAMENTO.
  • COMENTARIO, PLANO, RACIONAMENTO, ENERGIA.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há poucos dias, eu estava em Nova Iorque representando o Brasil numa reunião onde se discutiam os investimentos para o nosso País, ou melhor, o Brasil como opção de investimentos no mundo globalizado. Eram nossos concorrentes, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Índia, a China e a Rússia, no primeiro time; no segundo time, a África do Sul e outros países. O Brasil estava bem colocado entre eles, mas havia uma dúvida, havia uma preocupação: o Congresso brasileiro, com esses problemas que estávamos enfrentando - do Senado, da CPI -, paralisaria ou não as reformas?

Éramos dois: eu, como representante da classe política, e o Dr. Daniel Gleizer, como representante do Banco Central do Brasil.

O grupo para quem falávamos era conhecido como Russel Twenty Twenty. Na verdade, são 40 entidades que somam a quantia incrível de US$7 trilhões - US$ 7 trilhões! São empresas como o Fundo de Aposentadoria dos Professores dos Estados Unidos, do Canadá; os ferroviários do Canadá, da Inglaterra. Enfim, alguns países como Abu Dhabi e Bahrein, que têm muito dinheiro para investir e que fazem parte desse seleto clube. Lá, eu garanti que o problema do Congresso era pequeno e transitório. O Dr. Daniel Gleizer, num outro enfoque, mostrou que, apesar da crise da Argentina, nós não temos maiores preocupações, pois o Brasil é capaz de vencer tudo isso e que, de maneira alguma, haverá problemas para os investidores. Pelo contrário, disse que estes deveriam confiar em nós, brasileiros, e em nosso País. A palestra foi tão boa, que um jornal nova-iorquino publicou que roubamos um pouco a cena da Índia, da China e da Rússia, os principais atores dessa reunião, desse meeting Russel Twenty Twenty.

No entanto, Sr. Presidente, mal voltamos ao Brasil e surgiu a possibilidade do “apagão”. Já me perguntei: “O que você faria se voltasse ao encontro Russel Twenty Twenty?” E muito difícil falarmos com um investidor quando não somos capazes de prever, à frente, até o fornecimento de energia. Isso, com certeza, causará reflexos na nossa pauta de exportação e, se não tivermos engenho e arte, sérios problemas econômicos serão gerados no País que, na teoria, deveria estar inteiramente preparado para uma emergência.

Ainda hoje, no Palácio do Planalto, ouvi o Presidente da República dizer que a última vez de que tinha lembrança de falta de energia, no Brasil, com exceção da que houve no Nordeste, na década de 70, ocorreu durante a guerra, quando se faziam blecautes.

Somos um País com uma riqueza incrível de rios e hidrelétricas. A capacidade nacional instalada é de cerca de 74 megawatts, enquanto o nosso consumo é somente de 55 megawatts. Então, na teoria estamos muito bem, mas tivemos uma seca grande, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, num quadrilátero que engloba Minas Gerais e São Paulo, onde ocorre o maior consumo de energia. Exatamente por causa dessa crise, uma empresa como Furnas tem, hoje, 18% em reservas, quando a média nacional está por volta de 30%. V. Exªs podem, assim, imaginar o que representa essa desagradável surpresa para a nossa economia e para todos nós, em geral.

Hoje, na reunião no Palácio, o Presidente fez um intróito mostrando que o nosso grande problema é a água, diferentemente da Califórnia, que tem escassez de máquinas, e isso apanhou-nos, de certa forma, despreparados para uma emergência. Não temos, nas nossas cidades, nenhum sistema que atenda somente os sinais de trânsito. Embora a legislação assim o determine, a maioria dos nossos hospitais não se preocupou em instalar geradores próprios, pois sempre tivemos fartura de energia.

No processo de privatização, que não foi dos mais tranqüilas, já que houve muitos desacertos, foram estabelecidas algumas cláusulas que não foram seguidas à risca. Nelas previa-se que qualquer residência que usasse o bloqueador de energia durante um certo período teria uma redução de 20% na sua conta, mas como raciocinaram as distribuidoras? Que estariam abrindo mão de arrecadação, pois seriam obrigadas aplicar 1% da sua receita nesse programa, ou seja, 300 milhões. O resultado disso foi que, com exceção de no Vale do Jequitinhonha, que já tem um linhão e, portanto, sairia mais caro fazer outro, esse mecanismo praticamente não foi aplicado no Brasil. Se um ou dois milhões de equipamentos como esses estivessem em funcionamento, haveria uma economia gigantesca, além de 20% de desconto nas contas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a verdade é que todos estamos com dois temores: o de pagarmos mais caro e o de ainda sermos multados. Essa multa não será aplicada de imediato, pois no mês de junho haverá só uma advertência. No entanto, logo a seguir virá, na sua conta, o quanto o cidadão terá que economizar e, se não o fizer, será apenado. Cerca de 16% da população, cujo consumo de energia ultrapassa 500 quilowatts, pagarão 200% de aumento, e aqueles que consomem menos, com certeza, terão até uma redução na sua conta. Procura-se, assim, estabelecer-se um equilíbrio, com advertência e multa, mas também com prêmios para quem cumprir o programa.

Hoje, saíram várias resoluções, dentre elas a de número 4, que traz uma série de informações muito importantes, mostrando que as pessoas que menos consomem poderão ter, para cada real economizado, R$2,00 de recebimento; para os maiores consumidores, isso vai depender do que sobrar do pagamento de incentivos aos menores. Essa resolução traz informações não só para os consumidores de baixa e de alta tensão, como para os rurais, e, com certeza, estarão na imprensa em poucos minutos, se já não estiverem no vídeo daqueles que as transmitem em tempo real.

A verdade é que fomos apanhados, novamente, de calças curtas e me preocupa muito que num País como o nosso, que é a sétima ou a oitava economia mundial - portanto, não é pequeno -, a toda hora haja surpresas desagradáveis.

É natural que tenhamos dois tipos de variáveis: as que dependem só de nós e as que dependem do exterior. Nessas, há risco e exposição maiores, porque elas independem de nós, mas isso não deve ocorrer com as primeiras, aquelas que dependem do nosso engenho e arte.

Não é justo que um País deste tamanho não seja sempre privilegiado por um planejamento de longo prazo. Nos Estados Unidos, há um grupo preocupado em fazer projeções para daqui a quatrocentos anos, já abalizando possíveis necessidades. Lamentavelmente, no nosso caso, estamos sempre cobrindo o que passou, o ontem.

Pergunto-me até quando os nossos líderes, as nossas cabeças pensantes permanecerão nesse marasmo de olhar o passado ao invés de se voltarem para o futuro, corrigindo itens importantes como, por exemplo, a Previdência. Outra vez, a Previdência começa a gastar além do que arrecada, de maneira ainda mais grave do que antes. Novamente, verificamos que apresentamos uma vantagem que, na verdade, é contra todos e contra o País.

Pergunto: alguém tem alguma seguradora que pague um seguro em menos de um mês? Não. Mas a nossa Previdência se orgulha em dizer que, em dezesseis dias, prepara um processo, digita-o e paga. Muitas vezes, só para dizer que o está fazendo nesse prazo, paga de forma errada, não fazendo a triagem corretamente.

É por isso que muitos casos anormais estão acontecendo não somente na área da Previdência, de eletricidade ou da educação. Estamos sempre sendo surpreendidos, e essa é a minha preocupação primordial nesta tarde. Tramitam, Srs. Senadores, cerca de vinte e três projetos que privilegiam, cuidam, normatizam a geração de energia e até regulamentam o consumo. Desses vinte e três, somente um projeto, o de número 2905, está em condições de ser votado. Os demais, inclusive um deles do Presidente da República - já foi arquivado e desarquivado - não foram votados.

De repente, diante de uma crise dessa proporção, não temos nada programado para balizar ou amenizar a situação. Em certas regiões, está pior. No meu Estado, temos oitenta e três cidades sem água, e agora existe a ameaça de ficarem sem luz. Como pode acreditar no futuro deste País um cidadão que não tem água para beber e nem eletricidade para consumir?

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) - Permite-me um aparte, Senador?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - V. Exª tem o aparte que me solicita.

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) - Nobre Senador Ney Suassuna, o problema brasileiro é complicado, mas tem raízes: de quatro em quatro anos, temos uma mobilização nacional para eleger Presidente da República, Governador, Senadores, Deputados. O povo se mobiliza, e a classe política conduz o processo. Após a eleição, assume o novo Presidente, os partidos lutam para nomear ministros, e fica o governo constituído. No entanto, no fim, quem passa a mandar no País são os chamados técnicos, o segundo escalão, são esses sábios. Os políticos passam a ser execrados. O resultado é que acontecem os fatos, e o próprio Presidente declara que não sabia de nada, que foi pego de surpresa. Mas o que faz o Ministério do Planejamento? O que fazem os órgãos que cuidam da gestão pública setorial? Há pouco tempo aprovamos o Plano Plurianual de Investimentos, seguindo o Plano Plurianual anterior. Essa crise no setor elétrico demonstra que esses planos não adiantam nada, porque, de fato, não se planeja nada. Os planos são apenas arrumações gráficas, consolidadas num documento grande, quatro cinco volumes, regras que não são obedecidas. A realidade passa a ser diferente, e aquilo passa a ser algo elaborado apenas para cumprir um dispositivo constitucional. Agora mesmo querem resolver o problema de falta de energia com a aplicação de multas, como se multa gerasse energia, como se multa possibilitasse o suprimento energético nos lares, nas fábricas e em toda parte. Essa é uma medida fiscal, que apenas facilita o enriquecimento das concessionárias e das distribuidoras. A população vai sofrer, vai fazer um sacrifício que não vai resultar em nada no que diz respeito ao suprimento de energia. Vai haver empobrecimento da população, vai haver um maior encaixe das empresas, e a crise vai continuar: desemprego, queda de produção, questões graves na área da saúde, da educação. Tudo vai ser prejudicado. O melhor caminho, já que o povo está motivado, seria o Presidente da República fazer um pronunciamento dizendo que acredita no povo brasileiro, no patriotismo, na compreensão da gravidade do problema. Sua Excelência deveria dirigir-se ao povo dizendo que tem confiança na sua capacidade de enfrentar e superar o problema, sem ameaça de multas, porque, como disse, isso não vai resolver problema algum. Essa é a dolorosa realidade. Agradeço a V. Exª o aparte a mim concedido.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Agradeço a V. Exª pelo aparte e o incorporo ao meu discurso, com muita alegria. Entretanto, ainda há, no Brasil, certos atavismos dos quais não podemos nos livrar. Por exemplo, em quinhentos anos de existência, tivemos quatrocentos de escravidão. O trabalho era forçado e ninguém se movia se não houvesse um feitor. Esse pensamento ainda está arraigado em nossa mentalidade. Lamentavelmente, se não houver uma punição ou um feitor, o processo não anda. Ainda hoje até a nossa elite raciocina assim. Concordaria com V. Exª caso não houvesse esse atavismo.

No entanto, penso que antes de se impor multa - com o que concordo - dever-se-ia dar um crédito de confiança à população. Senador Gilberto Mestrinho, o Governo está fazendo tudo para resolver o problema energético. Está na Região Sudeste - principalmente em Minas e São Paulo - a grande crise, tendo em vista o mais baixo índice pluviométrico ocorrido nesses últimos setenta anos.

Lembro-me de que, logo depois de Keynes, veio Michal Kalecki, dizendo que o investimento só vem quando há a certeza ou a perspectiva de lucro. Portanto, quem vai querer, no mundo globalizado, investir em um País que não tem nem sequer a expectativa de ter energia para implementar e incrementar suas indústrias?

Sr. Presidente, isso é muito ruim, e nos pegou em uma hora difícil. Não tenho como, nesse momento, voltar ao Russell Twenty Twenty - até que eles se esqueçam disso - e pedirem que invistam no Brasil por se tratar de um ótimo País. Realmente, para nós, isso foi um atestado de incompetência em termos de planejamento.

Sr. Presidente, na reunião com o Governo, dividimos o tema do racionamento em três áreas: a de geração, que será coordenada pelo próprio Ministro; a de coordenação, comandada pelo Dr. Pedro, e que também vai fiscalizar a atuação da área de planejamento, e a de corte. Portanto, penso que nesse momento toda a população precisa se unir, porque a imagem do Brasil como um país planejador que se preocupa com o futuro da Nação está muito ruim. Sr. Presidente, vamos ter que suar muito para apagar essa má impressão de pessoas imprudentes, que não se preocupam com o seu futuro.

Sr. Presidente, acredito que teremos de criar uma comissão permanente para definir o que é emergência, para verificar quais são as áreas mais vulneráveis, quais são os óbices. Não podemos continuar fazendo esse papel feio, principalmente agora em que tínhamos tudo para estar bem. Temos o maior rebanho. Há crises por todos os cantos, mas não tínhamos até então. Tanto fizemos que agora arranjamos uma.

Esse arranhão profundo preocupa-me muito, Sr. Presidente.

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) - Permite-me V. Exª?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Por favor.

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) - Senador Ney Suassuna, talvez V. Exª tenha agora citado o nó da questão. Tínhamos tudo para ir para a frente. Era preciso impedir.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - É verdade.

Sr. Presidente, agradeço a V. Exª. Ocupei a tribuna para dizer que confio nas autoridades, nas ações que estão sendo adotadas, mas também para declarar que é imperdoável o arranhão mundial que sofremos. A Nação brasileira foi apanhada de calça curta em um momento em que tínhamos tudo para ir para a frente.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/05/2001 - Página 10075