Discurso durante a 67ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMENTARIOS SOBRE O PAPEL DESEMPENHADO PELAS ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS - ONG, NO DESENVOLVIMENTO POLITICO, ECONOMICO E SOCIAL NO CONTEXTO MUNDIAL.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • COMENTARIOS SOBRE O PAPEL DESEMPENHADO PELAS ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS - ONG, NO DESENVOLVIMENTO POLITICO, ECONOMICO E SOCIAL NO CONTEXTO MUNDIAL.
Publicação
Publicação no DSF de 07/06/2001 - Página 12496
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, GLOBALIZAÇÃO, LIBERALISMO, ECONOMIA, REDUÇÃO, PODER, DESREGULAMENTAÇÃO, REFORMULAÇÃO, ESTADO.
  • ANALISE, IMPORTANCIA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), SUBSTITUIÇÃO, PARTE, ATUAÇÃO, ESTADO, ASSISTENCIA, SOCIEDADE, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), RELAÇÕES INTERNACIONAIS, MOBILIZAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, REFORÇO, DEMOCRACIA, RESPONSABILIDADE, SOCIEDADE.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no final da Segunda Guerra Mundial, o mundo assistiu a uma verdadeira revolução nas relações internacionais de poder. Os Estados Unidos assumiram a liderança incontestável do sistema capitalista e trataram imediatamente de consolidar a sua hegemonia. Para isto, em 1944, deram um passo decisivo para redefinir completamente as operações financeiras de venda, troca ou compra de valores entre países.

            Na Conferência de Bretton Woods, o dólar norte-americano passou a ser a moeda básica de todo o sistema financeiro mundial em substituição ao padrão ouro. Ademais, no mesmo encontro foi criado o Fundo Monetário Internacional (FMI). Como podemos observar, foram dois passos fundamentais que serviram para afirmar o domínio americano sobre as relações econômicas mundiais.

            Ao mesmo tempo em que essas mudanças radicais aconteciam no campo econômico, no campo político a nova realidade mundial era ainda mais surpreendente. Na Criméia, na Conferência de Yalta, em 1945, Franklin Roosevelt, Presidente dos Estados Unidos; Winston Churchil, Primeiro-Ministro do Reino Unido; e Joseph Stalin, dirigente da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS); dividiram a Europa de acordo com suas conveniências. Definiram os limites do poder soviético em toda a parte leste daquela região, inaugurando assim a chamada “Guerra Fria” que duraria até a derrocada da URSS em 1991.

            Por sua vez, na periferia do mundo, ou seja, na Ásia, na África e na América Latina, as potências coloniais e as oligarquias insistiam em manter inalterados os seus domínios e os seus poderes. Todavia, começavam a crescer grandes movimentos nacionais de libertação contra o colonialismo, contra o neocolonialismo, e contra o chamado imperialismo americano. Assim, até o início da década de 80, guerras sangrentas, revoluções e golpes de Estado tinham praticamente enterrado o colonialismo em quase todos os países do Terceiro Mundo. Em quase toda a América Latina, as oligarquias, o populismo e os regimes militares desapareceram de cena em meados do mesmo período. Por força das novas exigências impostas pela aceleração da globalização como veremos mais adiante, mais uma vez o panorama mundial estava mudando completamente.

            Com o fim da dominação colonial nos países africanos e asiáticos, surgiu um novo ator no cenário internacional: os defensores do nacionalismo e de um novo modelo de desenvolvimento econômico e social. Principalmente na Ásia e na África, os novos Estados nacionais, comandados pelas elites locais, trataram de se unir em busca de uma afirmação política e de um objetivo comum. Naquele momento histórico, a grande frente de luta situava-se portanto em duas direções : dentro do sistema capitalista dominado pelos Estados Unidos, e dentro do sistema socialista comandado pela União Soviética.

            Em síntese, até o final da década de 70, os interlocutores mais importantes no cenário político internacional foram os Estados nacionais e as empresas multinacionais que comandavam todo o processo de internacionalização do capital. Finalmente, durante todo esse período, o confronto Norte-Sul foi bastante marcado pela presença de bandeiras importantes, como a luta por uma nova ordem econômica internacional, defendida pela quase totalidade dos Estados do Terceiro Mundo. Aliás, vale relembrar que foi ela que motivou o surgimento dos Países Não-Alinhados e levou a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) a colocar o mundo desenvolvido de joelhos, quando quadruplicou os preços do petróleo e suspendeu os fornecimentos de combustíveis em direção dos Estados Unidos e da Europa, em 1973.

            Nos últimos vinte anos, com o impressionante desenvolvimento da ciência e da técnica e com a chamada “revolução da informação”, o mundo praticamente virou de cabeça para baixo. Assim, o surgimento da era digital redefine poderes, estabelece novas regras de convivência entre as nações e muda completamente as regras do jogo no sistema capitalista. O grande capital, em sua voracidade de reprodução, penetra incrivelmente nas fronteiras nacionais sem pedir licença aos Estados nacionais. Palavras como imperialismo, empresas multinacionais, nacionalismo, nova ordem econômica internacional, Países Não-Alinhados, militarismo e ditadura na América Latina, que fizeram parte do discurso internacional nas décadas anteriores, tornaram-se ultrapassadas.

            O que interessa à nova conjuntura é o desenvolvimento do liberalismo econômico com democracia e flexibilidade no maior número possível de países. As chamadas forças produtivas precisam mais do que nunca desses ingredientes para poderem tirar os melhores proveitos dos investimentos realizados e das megafusões entre empresas gigantescas. Além disso, sabe-se que a globalização exige cada vez mais integração, competência, capacidade competitiva e produtividade das economias nacionais. Assim, nesse novo cenário internacional, não são mais os Estados nacionais os grandes atores do sistema como um todo. Tudo depende agora de um complexo Sistema Financeiro Internacional (SFI) e de um fluxo incessante de capitais que agem ao mesmo tempo em toda a economia internacional, criando sucessivamente dinamismo, riqueza, crise e desemprego. Nessa nova articulação, o papel do Estado deve ser apenas o de regulador, ou seja, de objeto direto da reprodução do capital globalizado. Por isso, com o aprofundamento da globalização, os Estados nacionais tiveram de redefinir os seus papéis, diminuíram de tamanho e abandonaram quase todas as bandeiras reivindicativas que os caracterizaram até o final dos anos setenta.

            Diante desse vazio deixado pelos Estados nacionais, novas forças sociais foram se organizando e se firmando gradativamente em nível mundial. O final da década de 70 é o momento inicial da atuação mais efetiva das chamadas Organizações Não-Governamentais (ONGs) como atores fundamentais no plano internacional. Evidentemente, antes disso, ONGs como Greenpeace, Anistia Internacional e Médicos Sem Fronteiras, por exemplo, já existiam mas ainda não apareciam, juntamente com outras ONGs, como novos líderes no processo de discussão democrática sobre o futuro do desenvolvimento humano.

            Gradativamente, de maneira completamente independente de forças políticas, do jogo do poder e dos freios institucionais, as ONGs sempre agiram de maneira autônoma e foram ganhando terreno, assumindo novas responsabilidades sociais, conquistando novos adeptos e aumentando a sua capacidade de mobilização da opinião pública em todas as partes do mundo. 

            Como na maioria das vezes destacam-se em críticas veementes das ações políticas públicas, têm entrado quase todos os dias em conflito com os governos, com as forças econômicas e com os aparatos policiais em diversos países. Recentemente, no Fórum Econômico em Davos, na Suíça, e no Fórum Social Mundial em Porto Alegre, manifestantes não-governamentais enfrentaram diretamente as forças policiais. O mesmo aconteceu há poucos dias em várias cidades francesas, onde agricultores e membros da Segurança Pública trocaram agressões.

            No Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, no período de 25 a 30 de janeiro de 2001, o discurso dominante foi em defesa do social, da diminuição da pobreza no mundo, do cancelamento da dívida externa dos países mais pobres, do estabelecimento de um imposto sobre transações financeiras internacionais, de uma melhor distribuição de renda, do respeito ao meio ambiente, da criação de empregos e do fim das guerras nos países subdesenvolvidos. Em contrapartida, no Fórum Econômico em Davos, na Suíça, a preocupação maior foi com o equilíbrio econômico, com o comportamento do comércio internacional, com a produtividade, com o avanço tecnológico, com a evolução do mundo virtual, com maiores velocidades nas chamadas auto-estradas eletrônicas, com a competitividade e com a saúde do Sistema Financeiro Internacional.

            Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, como já podemos facilmente perceber, os atores não-estatais não estão mais relegados ao segundo plano nas discussões internacionais contemporâneas. O Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre, liderado pelas ONGs, mobilizou pela primeira vez, em uma só ocasião, milhares de professores, intelectuais, líderes políticos e outras personalidades dos quatro cantos do mundo e foi largamente divulgado em todo o mundo, ocupando espaços importantes nos principais meios de comunicação.

            Diante dessa repercussão e da existência de uma agenda mundial ampliada, contendo inúmeros pontos de discussões, podemos afirmar que amplos setores da sociedade civil organizada foram incorporados a esse debate. Assim, grupos ecológicos, de mulheres, de direitos humanos, de questões econômicas, de aspectos urbanos e muitos outros destacam-se por seu papel de liderança, de representação, de expressão ou de pressão nos mais variados e imprevisíveis momentos da vida social.

            A institucionalização das ONGs é viabilizada por várias motivações diferenciadas. Entre as mais importantes podemos citar a imensa capacidade de mobilização social de que dispõem, a extrema competência no cumprimento de suas tarefas, e a grande facilidade em operacionalizar ações em situações de grandes dificuldades. Assim, as ONGs que eram apenas trezentas e trinta em 1914, passaram para setecentas e trinta em 1939 e alcançaram o número de seis mil em 1980. Não é por acaso, portanto, que o Greenpeace possui hoje mais de seis milhões de associados em todo o mundo.

            Por outro lado, em meados da década de 60, cerca de 50% das ONGs situavam-se nos Estados Unidos e na Europa Ocidental. No mesmo período, 16% estavam na América Latina, 6% na África negra, 8% na Ásia capitalista, 0,5% na Ásia socialista e 7,5% no Leste Europeu. É importante ressaltar que o grande crescimento das ONGs, verificado notadamente nos últimos vinte anos, está estreitamente ligado ao importante avanço democrático, à abertura de novos debates, ao pluralismo existente no ocidente, à velocidade das transformações tecnológicas e ao impressionante desenvolvimento dos meios de comunicação, como já fizemos referência.

            Diferentemente do Estado que detém o monopólio legítimo da força, as ONGs são flexíveis, possuem um caráter descentralizador e são capazes de estabelecer uniões, parcerias, alianças e compromissos. Tal exemplo ficou bem marcado durante a realização do Fórum Social Mundial em Porto Alegre. Naquela ocasião, diferentes comunidades políticas, distintas em objetivos, expressaram o mesmo sentimento em defesa de novos paradigmas para definir melhor os destinos da humanidade neste novo milênio.

            Por fim, diferentemente do Estado que tem poder, como ficou entendido, o poder da lei e o poder das armas, as ONGs têm influência social e são hoje extremamente importantes para a sobrevivência da democracia. A influência é, portanto, o aspecto mais importante que permite explicar e medir o alcance efetivo de suas ações políticas intencionais nos processos globais-transnacionais. É importante dizer ainda que, mesmo agindo independentemente das estruturas formais de autoridade, os agentes não-governamentais agem de maneira coerente e articulam-se de maneira carismática e racional.

            Finalmente, as ONGs encontram nas propostas sociais globais que desenvolvem as possibilidades de abertura de caminhos alternativos para diminuir os desequilíbrios que afetam a economia, a saúde, a identidade cultural e a qualidade de vida dos cidadãos em todo o Planeta. Por terem essa capacidade de gerar idéias inovadoras e serem igualmente detentoras de consciências críticas globais, as ONGs conseguiram se colocar na vanguarda das lutas sociais.

            Em resumo, são essas as formas de interferência mais importantes que as ONGs exercem como atores de primeira grandeza no sistema transnacional.

            Era o que eu tinha a dizer.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/06/2001 - Página 12496