Discurso durante a 69ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

HOMENAGEM POSTUMA A MARIA CLARA MACHADO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM POSTUMA A MARIA CLARA MACHADO.
Publicação
Publicação no DSF de 09/06/2001 - Página 12727
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MARIA CLARA MACHADO, ARTISTA, PROFESSOR, DIRETOR, TEATRO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil perdeu, no dia 30 de abril, um pedaço de sua alma. Todo o meio artístico e cultural se sentiu profundamente abalado com o falecimento, provocado por câncer linfático, de uma das maiores mestras de profissionais da arte dramática que este País já conheceu. Tanto que a revista IstoÉ denominou a matéria que noticiou sua morte da seguinte forma: O Brasil perde a sua fada madrinha. Assim era conhecida Maria Clara Machado entre os seus alunos e ex-alunos de teatro. Além desse epíteto, era conhecida, também, no meio artístico, como a “mãe de todos”.

            Maria Clara já trazia no sangue a veia literária, pois era filha do grande escritor e contista mineiro Aníbal Machado e de Aracy Jacob Machado. Nascida em 8 de abril de 1821 em Belo Horizonte, ainda criança foi para o Rio de Janeiro, onde cresceu num ambiente de grande efervescência cultural, já que as “domingueiras” em sua casa eram freqüentadas por artistas e intelectuais do porte de Oswald de Andrade, Pagu e o pintor Di Cavalcanti.

Aos 19 anos, recebeu uma bolsa do governo francês para estudar teatro em Paris, mas acabou participando de vários cursos, tanto na capital francesa como em Londres. Na França, além do teatro, teve contato também com profissionais ligados à arte da dança e foi aluna do mímico Decroux, do diretor Jean-Louis Barrault e de Rudolf Laban.

Voltando ao Brasil, fundou, em 1951, com Martim Gonçalves, Eddy Cintra Resende e outros amigos, no Rio de Janeiro, o Teatro Tablado, uma companhia de teatro amador, que fazia algumas incursões no campo do teatro experimental. Já de início, apresentou espetáculos para adultos com uma qualidade incontestável e um grupo de causar inveja aos diretores da época: Kalma Murtinho, Carmete Murgel, Cláudio Correa e Castro, Napoleão Moniz Freire e Emílio de Mattos, para ficar apenas nos mais destacados.

O Tablado logo se transformou num “caldeirão cultural de criatividade e de revelação de talentos”, como descreve de forma muito apropriada a matéria da revista IstoÉ de 9 de maio de 2001 que noticia o falecimento Maria Clara.

De lá saíram para os palcos e outras formas de comunicação artística, como a televisão, incontáveis nomes sobejamente conhecidos do grande público, como: Marieta Severo, Hildegard Angel, Louise Cardoso, Nora Esteves, Lucélia Santos, Regina Casé, Marcelo Serrado, Miguel Falabella, Rubens Correa, Malu Mader, Lúcia Veríssimo, Fernanda Torres, Felipe Camargo, Cláudia Abreu.

Durante o velório da autora, atriz, diretora e professora de teatro, foi bem significativo o comentário da amiga Marília Pêra: “os jovens profissionais são órfãos de Maria Clara”, referindo-se aos artistas presentes Cláudia Abreu, Leonardo Brício, Drica Moraes, André Gonçalves, Marcelo Serrado e Guilherme Fontes.

Além da constelação que mencionei, a escola formou toda uma gama de profissionais do teatro em outras atividades, como figurinistas, cenógrafos, iluminadores e outros.

Maria Clara morava no bairro de Ipanema desde os quatro anos e, sempre que podia, observava uma rígida rotina própria. Levantava às sete horas da manhã e saía a caminhar pela Praia de Ipanema, mas ia sozinha, porque, como ela dizia, aquela era a “hora de pensar, de olhar o mar”. Sua idéia de morte já estava tornando-se recorrente e assim ela se expressava: “Toda manhã saio e observo o mar. Ele está ali, continuará estando, eu é que vou embora. Queria me preparar bem para a morte, mas será que alguém consegue isso? Os jovens aprendem a crescer, mas ninguém nos ensina a ser velho. Olho para o passado como um acúmulo de coisas boas e ruins, e sinto carinho por tudo, menos ansiedade.”

As mágoas de Maria Clara eram poucas. Uma delas, o fato de não ser sempre considerada pelo trabalho de diretora, mas apenas como atriz e autora. Durante algum tempo, dizia, em tom de brincadeira, que uma de suas mágoas era não ser atingida pela censura, mas isso acabou nos anos 70, quando teve a peça Maria Minhoca censurada em Pernambuco e em Porto Alegre por conter piadas envolvendo soldados.

Foram mais de 30 as peças infantis escritas por essa genial autora teatral, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores.

Em 1955, veio o primeiro sucesso de crítica com O boi e o burro a caminho de Belém, texto escrito para bonecos e, depois, transformado para atores a conselho da figurinista Kalma Murtinho, naquele tempo atriz da companhia.

E o maior sucesso da autora veio no mesmo ano de 1955: Pluft, o fantasminha. Ao remontar essa peça no Teatro Tablado em 1995, assim se expressou Maria Clara: “Ela é a minha peça mais completa, dura só uma hora e tem tudo, humor, poesia e situações.”

Outras peças que fizeram sucesso e conquistaram crianças e adultos podem ser citadas, como: O rapto das cebolinhas, O cavalinho azul, A bruxinha que era boa, Chapeuzinho Vermelho, Maroquinhas Fru-Fru, A menina e o vento, A coruja Sofia.

Escreveu, também, três peças para adultos: As interferências, Os embrulhos, Miss Brasil.

Foi, ainda, a primeira a escrever uma novela voltada especialmente para o público adolescente, no início dos anos 70. Trata-se da novela A patota, exibida pela TV Globo no horário das 18 horas.

Maria Clara não descuidava da escola de teatro, que já formou mais de cinco mil atores, muitos deles bastante conhecidos do público, alguns já mencionados neste meu pronunciamento, apenas para exemplificar, porque foram inumeráveis os grandes atores brasileiros que aprenderam a fazer teatro nessa escola. Até o fim do ano passado, ainda dava aulas de interpretação para turmas de terceira idade - conforme noticia O Globo de 1º de maio de 2001, “os últimos a terem a sorte de aprender com uma das maiores professoras que o teatro brasileiro já teve”.

E mesmo quando já se encontrava adoentada, Maria Clara não deixava de ir ao Tablado, pois queria ter sempre as rédeas da instituição, que tocava com a colaboração da atriz e diretora Cacá Mourthé, sua sobrinha, e de Sílvia Fucs, considerada seu braço direito para os assuntos do teatro e escola.

Creio, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, que, por mais que se tenha valorizado o trabalho dessa artista, o reconhecimento será ainda pequeno comparando-se ao muito que fez, principalmente pelo teatro infantil, que teve nela seu divisor de águas. O teatro infantil brasileiro passou a ser dividido em antes e depois de Maria Clara Machado.

Entre os prêmios que recebeu, podemos destacar dois Prêmios Molière - 1968 e 1981 -, o Prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras, em 1991, e o Prêmio Shell de 2000, por sua contribuição ao teatro nacional.

Apesar de ter tomado conhecimento um ano e meio atrás do linfoma que a vitimou, trabalhou até duas semanas antes de sua morte.

Maria Clara deve ser lembrada, ainda, por outras atividades exercidas em sua profícua carreira: fundou a revista Cadernos de Teatro, para orientar grupos novos de amadores; foi professora de improvisação no Conservatório Nacional de Teatro/ Serviço Nacional de Teatro; ensinou na Academia de Teatro.

Em 1961, assumiu o Serviço de Teatro e Diversões do Estado da Guanabara. Ocupou, depois, o cargo de Secretário-Geral do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

Em 1965, participou do Encontro Internacional de Teatro Infantil, realizado em Paris, sendo que, nessa época, sua peça Pluft, o fantasminha já era considerada sucesso internacional.

São 50 anos de Teatro Tablado! E nesse período, cerca de três gerações de artistas foram formadas sob a orientação de Maria Clara, a quem a cultura brasileira fica devendo muito, principalmente em relação ao teatro infantil, que tanto ajudou a difundir!

Seu nome é reconhecido internacionalmente e colocado no mesmo patamar de Hans Christian Andersen e Mark Twain, valorizando assim, e muito, a cultura brasileira no exterior.

Realmente, o Brasil perdeu sua “fada madrinha”!

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/06/2001 - Página 12727