Discurso durante a 81ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

COMENTARIOS AO SEMANARIO DA REVISTA EPOCA, SOBRE A DISCRIMINAÇÃO RACIAL NO BRASIL.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • COMENTARIOS AO SEMANARIO DA REVISTA EPOCA, SOBRE A DISCRIMINAÇÃO RACIAL NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 29/06/2001 - Página 14443
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, EPOCA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANALISE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, BRASIL.
  • ANALISE, PRECARIEDADE, QUALIDADE DE VIDA, NEGRO, INSUCESSO, PROFISSÃO, MOTIVO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
  • NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, AUMENTO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, OBJETIVO, IGUALDADE, TRATAMENTO, NEGRO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a questão racial, sobretudo no que se relaciona à busca de efetivo e idêntico tratamento para a inserção do negro em nossa sociedade, tem merecido a atenção de quantos defendem a real supremacia dos comandos da Carta Política e as disposições legais, morais e religiosas que, seguindo-os, verberam todas as formas de discriminação.

Sobre esse tema, deve-se especial referência às oportunas observações registradas em atualíssima reportagem do semanário Época, segundo as quais o preconceito racial continua fazendo vítimas em nosso País, porquanto os negros, “exaltados na cultura e nas teses sociológicas, ainda buscam espaço na sociedade brasileira”.

A par da inaceitável exclusão que se observa no cotidiano das ruas, nas quais os negros seriam cidadãos socialmente inferiores, índices oficiais demonstram que eles dispõem de tão-somente 64,7% dos serviços de água encanada, ao passo que 81% dos brancos são beneficiários do sistema de abastecimento.

            Constituem, igualmente, formas disfarçadas de discriminação as evidências de que os negros percebem remuneração média de 2,43 salários mínimos, percentual que se eleva a 5,25 salários mínimos, no caso dos brancos; os níveis de escolaridade, que no caso dos negros situam-se em 4,5 anos, contra 6,7 anos dos brancos; e a expectativa de vida dos negros, prevista em 64 anos, enquanto alcança 70 anos, no caso dos brancos.

Época lembra que “ato da princesa Isabel Cristina de Bragança”, há 113 anos, aboliu a escravidão no Brasil. Porém, entre a população negra predomina, procedentemente, “o sentimento de que o país ainda não se acostumou a encará-los fora da senzala”.

Por isso, conhecido cantor negro foi confundido com o guardador de carros, à porta de luxuoso restaurante paulistano, e atriz negra de telenovelas tratada como a empregada de sua própria casa, em ambos os casos por pessoas brancas.

A propósito, o cineasta Joel Zito Araújo, em seu livro A negação do Brasil, que analisa 98 novelas da televisão produzidas entre 1980 e 1990, em uma única rede, verificou que em 28 não havia atores negros e que, em outras 29, eles pouco superaram o percentual de 10% do elenco. Quase sempre, a eles foram destinados papéis secundários, tais como os de motoristas e de empregadas domésticas.

Prossegue a revista lembrando que 45% da população, ou quase a metade dos 169 milhões de habitantes do País, é negra ou parda. Tal percentual resulta de “um dos mais vigorosos processos de miscigenação de que se tem noticia no mundo: índios, brancos europeus e negros africanos acasalaram-se para fundar a sociedade brasileira”.

Todavia, esse encontro de raças não conseguiu eliminar a discriminação, conforme atesta recente pesquisa da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional - Fase, da cidade do Rio de Janeiro.

Destinada a mapear as condições de negros e brancos, segundo o nível de renda, da qualidade de vida e da educação, a pesquisa foi conclusiva no sentido de que o País “ocupava a 70ª posição na lista da Organização das Nações Unidas - ONU”. Contudo, enquanto o Brasil branco seria o 48° colocado, ao lado do México, o Brasil negro ficaria em 108º lugar, abaixo da africana Botswana.

A revista lembra, ainda, que a promoção da igualdade de tratamento é política vigente nos Estados Unidos, há mais de 30 anos. Em seu livro Questão de Raça, o filósofo negro Cornel West analisa que, “sem esse tipo de política, o acesso dos negros à prosperidade americana seria muito mais difícil”.

Conquanto pareça também uma espécie de discriminação, trata-se, na verdade, de “privilegiar grupos discriminados, estimulando-os a conquistar novas posições na sociedade”.

Pesquisa acerca de relações raciais, promovida, no ano passado, pela Universidade Federal Fluminense - UFF, compreendendo a opinião de 1.200 pessoas, demonstrou que 93% dos entrevistados consideram o Brasil “um pais racista”. Desse grupo, 87% declararam não ter preconceito de cor; 11% revelaram ter algum preconceito; e apenas 1% reconheceu possuir um comportamento discriminatório.

A comparação entre esses casos conduz à avaliação de que em nosso País não ocorreu a segregação americana, mas uma forte miscigenação, levando a uma nova percepção do problema, marcado pelas contradições.

De acordo com o antropólogo Vagner Gonçalves da Silva, da Universidade de São Paulo - USP, “salta à vista que a mulher negra, exaltada por sua beleza e sensualidade nos desfiles das escolas de samba, ao despir a fantasia ocupa o mais baixo patamar da pirâmide social”.

Isso porque 60% de negras e pardas sobrevivem com menos de um salário mínimo mensal. E, embora representem 23% da população, percebem rendimento médio 55% menor do que o das brancas. Apesar disso, todos aplaudiram a eleição da negra Dayse Nunes, “a beleza mulata nascida no Rio Grande do Sul, o Estado mais branco do País”, como Miss Brasil.

Acrescenta, por fim, a reportagem, que a discriminação é fator de impedimento do acesso amplo do negro aos pontos mais elevados da pirâmide social. Existe apenas um negro no exercício do cargo de Ministro dos Tribunais Superiores. Na Câmara dos Deputados, contam-se 25 negros entre 5l3 parlamentares. E, nesta Casa, são apenas 2 os representantes de Estados com nítida ascendência africana.

De nossa parte, em oportunidade não muito distante, recorremos à obra de Gilberto Freyre para consignar que, de início, o padrão brasileiro de relações raciais, com raízes no sistema patriarcal da Colônia, expressava laços afetivos entre os escravos e seus senhores.

Há cerca de 30 anos, no entanto, já se constatava a existência, de fato, da discriminação racial em nosso País, o que, desde então, passou a evidenciar um real problema para os negros e, até mesmo, para o regime democrático, em virtude de se caracterizar pela exclusão, tanto em termos culturais como econômicos.

Ademais, as apontadas relações sociais seriam agravadas pelo período do autoritarismo, historicamente responsabilizado pela manutenção das desigualdades, que levaram os negros, os mestiços e até mesmo os indígenas a cultivar o sentimento de inferioridade imposto pelas classes dominantes.

A discriminação racial, apesar de disfarçada, produziu inumeráveis vítimas, descartadas pelo mercado de trabalho, que sempre lhes negou as oportunidades aos brancos oferecidas. Essa condenável realidade começaria a mudar apenas com a volta da democracia, imperativa em não se admitir, para iguais, tratamento diferenciado.

De todo o exposto, cumpre-nos reiterar que o Governo deve multiplicar as medidas de combate à discriminação racial, em qualquer das formas em que se apresente, a fim de extinguir a prática de criminosa injustiça, como a relatada em cada um dos exemplos reunidos no citado periódico.

Para isso, deve adotar políticas públicas que garantam igualdade de tratamento e promover, para todos, concretas oportunidades de educação, de emprego e de pleno exercício de suas manifestações culturais, no rumo seguro da concretização democrática das relações raciais.

Era o que tínhamos a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/06/2001 - Página 14443