Discurso durante a 87ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO ESCRITOR JORGE AMADO, OCORRIDO ONTEM, EM SALVADOR/BA.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO ESCRITOR JORGE AMADO, OCORRIDO ONTEM, EM SALVADOR/BA.
Publicação
Publicação no DSF de 08/08/2001 - Página 15892
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JORGE AMADO, ESCRITOR, ESTADO DA BAHIA (BA), ELOGIO, VIDA PUBLICA, OBRA LITERARIA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Para encaminhar a votação. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs Senadores, não há nenhuma dúvida de que Jorge Amado praticamente criou a Bahia que conhecemos. Como representante do Rio Grande do Sul, sou um dos que subscreve o requerimento de pesar pela morte desse que foi talvez o maior escritor que falou sobre o Brasil.

Hoje é um dia de muito sofrimento para nós, não apenas pelo grande escritor, o extraordinário escritor, Jorge Amado era mais do que um escritor. A figura humana de Jorge Amado, a sua vida, a sua trajetória e as suas preocupações são de uma profundidade, de um conteúdo tal que faz com que nos apaixonemos, porque não há nenhum de nós que não tenha passado muitas e muitas horas vibrando, lendo os livros de Jorge Amado, ou momentos emocionantes vendo os filmes que retrataram suas obras.

Mas Jorge Amado era um extraordinário homem público. Deputado constituinte, lutou na sua mocidade contra o Estado Novo, na busca pela implantação da democracia. E a conseguiu, junto com tantos, num dos momentos mais emocionantes da vida brasileira, que foi a Constituinte de 1946. Ali, homens de grande cultura, de grande competência, de pensamento jurídico e social os mais diferentes se uniram para fazer uma extraordinária Constituição. Reli os debates da Constituinte de 46. Senti o que é uma Constituição feita por pessoas que conhecem, que vibraram, que viveram o seu País. Aqueles que, exilados pelo Estado Novo, vieram dos mais recônditos países do mundo, voltaram à sua terra e, pelo voto popular, vieram para a Constituinte; e daqueles que ficaram aqui batendo palmas, inclusive para o sistema, mas que tinham que se adaptar à nova realidade.

Foi um grande momento aquele da Constituinte de 1946, com grandes figuras, grandes juristas, grandes parlamentares e grandes culturas, principalmente, porque cada uma delas tinha uma vida de sacrifício, de lutas, de sangue e de suor pela sua pátria.

           Infelizmente, a vida é assim mesmo, aquela mesma gente magnífica, que fez a extraordinária Constituição de 46, num gesto mesquinho, até hoje incompreensível, cassou o mandato dos seus irmãos constituintes e deixou fora da lei o Partido Comunista Brasileiro, o que foi um erro sob todos os pontos de vista, sob o ponto de vista ético, moral e político. Eram pessoas que deviam se constituir, se organizar, para debater, discutir e defender aqui as suas idéias. Eram a minoria; poucos, é verdade. Cassados, passaram a fazer a política do anticomunismo, perseguindo, prendendo e inventando as mais sérias e variadas razões contra um grupo que até ontem -- e agora, pelo que se vê em alguns jornais, tentam refazer -- existia na tese do anticomunismo. Mesmo assim, esse grande brasileiro que percorreu congressos do mundo inteiro a favor da paz, que participou de reuniões e conferências político-intelectuais pelo mundo afora a favor da paz, continuou a sua trajetória. E aqueles livros, Sr. Presidente, como Capitães da Areia, que, na minha mocidade, emocionaram-me? Diria que, talvez, tenha sido das obras a que mais fundo tocou a minha sensibilidade e cobrou de mim uma resposta, uma reação, fosse ela qual fosse, ainda que utópica. O Jorge Amado de Capitães da Areia continua. E, de certa forma, de maneira emocionante e fantástica, o líder político, o líder intelectual, o líder social, escolheu uma fórmula diferente para subir e ocupar as alturas da literatura. Considero a obra de Jorge Amado como A Comédia Humana, de Balzac. Vemos aquelas criaturas que ele criava e que apareciam num romance, daqui a pouco noutro e parecia que eram criaturas que estavam à nossa roda. Os personagens criados pelo nosso querido baiano eram realmente cada um à sua feitura, cada um ao seu jeito.

           Jorge Amado é um autor que se deve ler e reler nas entrelinhas. Deve-se ver o sentido do deboche, da flauta, da ironia, da forma como ele apresenta. Mas tem que se ler. O conteúdo mostra o desmando social e os equívocos praticados naquela sociedade. Mas Jorge Amado era um retratista. Darcy Ribeiro, quando escreveu o seu livro O Povo Brasileiro, dizia: “Escrevo o livro O Povo Brasileiro porque existe a raça brasileira, que se está constituindo. A raça brasileira, que não tem igual no mundo, porque se constituiu da mescla das outras raças”. Vemos, nos Estados Unidos, negros isolados ali, africanos ali, latino-americanos ali, japoneses ali, chineses ali, italianos ali. Já no Brasil, mesclou-se e daí surgiu a raça brasileira. É o que faz o nosso Jorge Amado na sua obra: ele mescla as raças no cantinho da composição permanente e constante da sua Bahia.

Hoje, é um dia diferente! Hoje, chora a Bahia e choramos nós. Nas nossas igrejas, 365 na Bahia, há gente rezando. Nos candomblés, aos milhares pela Bahia, há gente rezando. Os marinheiros na beira do mar, aos milhares e milhares pela Bahia, estão olhando o seu mar, estão vendo ir e voltar as embarcações, mas sentem uma falta profunda. O sol é o mesmo na Bahia. A beleza daquele território, a beleza daquele mar é a mesma. Mas hoje é como se o sol não tivesse se levantado. É como se as pessoas passassem a andar sem entender para aonde vão e por que vão. Hoje é dia de se fecharem os olhos e recordar os personagens de Jorge Amado.

           Às duas e meia da madrugada, a TV Globo fez passar o filme Gabriela, Cravo e Canela. Foi uma grande homenagem que a TV Globo prestou, porque não há dúvida de que nós que estávamos magoados, chocados com a morte, entendemos que Jorge Amado não morreu. Um homem como Jorge Amado, com a sua obra, com a sua história, não morre. Os personagens dele, não apenas ele, não apenas sua esposa, flutuarão permanentemente no ar. E o seu exemplo sim. Não nos iludamos, não vamos bater palmas e vibrar quase chorando como eu ontem, às quatro da madrugada, quando terminou Gabriela, Cravo e Canela; lembrar Jorge Amado por Gabriela sim; lembrar pelas obras e pelos tipos que ele criou sim, mas lembrar Jorge Amado pela sua luta social, pela defesa que ele fez das teses de este seu País ser diferente, ser mais fraterno, ser mais social e ser mais justo. Ele fez por merecer, ele lutou por isso, ele quis isso; e a sua obra toda deve se engalanar dentro do objetivo do justo e do social, do imortal e querido Jorge Amado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/08/2001 - Página 15892