Discurso durante a 95ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A EVASÃO DE CIENTISTAS BRASILEIROS PARA O EXTERIOR.

Autor
Carlos Patrocínio (S/PARTIDO - Sem Partido/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A EVASÃO DE CIENTISTAS BRASILEIROS PARA O EXTERIOR.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 18/08/2001 - Página 17393
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • ANALISE, APREENSÃO, SITUAÇÃO, CIENTISTA, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, EMIGRAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO.
  • APREENSÃO, SITUAÇÃO, EXPORTAÇÃO, CIENTISTA, MOTIVO, FALTA, INVESTIMENTO, OPORTUNIDADE, REGISTRO, IMPORTANCIA, MÃO DE OBRA ESPECIALIZADA, DESENVOLVIMENTO, PAIS.
  • DEFESA, INCENTIVO, CRIAÇÃO, OPORTUNIDADE, MELHORIA, SALARIO, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, PESQUISA, OBJETIVO, MANUTENÇÃO, CIENTISTA, PAIS.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em julho de 1995, o físico Alberto Santoro foi chamado a Brasília pelo Presidente da República para receber a comenda do mérito científico. É uma distinção importante. Poucos pesquisadores já a receberam. No mesmo dia em que o Presidente espetava uma medalha em seu peito, Santoro recebia o contracheque. Brutos eram R$2,2 mil - um quinto do que ganhavam seus colegas no exterior.

Ainda naquela época, Santoro começou a arrumar as malas. Passou a integrar o contingente de seis mil cérebros brasileiros que, naquele período, preferiram o caminho do aeroporto internacional a permanecer sob o domínio da degradação da ciência e da tecnologia no País.

O físico Alberto Santoro, que pertencia ao Centro de Pesquisas Físicas do CNPq, é um desses cérebros privilegiados de que qualquer país se orgulharia. Trabalhando junto a um seletíssimo time de 400 pesquisadores de diferentes países, Santoro emprestou seu talento para a descoberta de um dos tijolos fundamentais de toda matéria, o top quark.

A história de Alberto Santoro, Srªs e Srs. Senadores, ilustra um fenômeno que tem atormentado nações em desenvolvimento mundo afora. Refiro-me à chamada fuga de cérebros, como é conhecida a disputa pelos melhores cientistas.

Há, como se sabe, uma matéria-prima em falta no mundo todo: cientistas de talento. Para resolver esse problema, alguns países são capazes de “roubar” pesquisadores de grande potencial, oferecendo-lhes bons empregos. Ótimo para quem os recebe, devastador para quem os perde.

O sociológo Jean-Baptiste Meyer, pesquisador da fuga de cérebros do Terceiro Mundo para os países ricos, não exclui a possibilidade de o Brasil vir a ser um dos territórios mais visados pelos caçadores de talento nas próximas décadas. Qualquer que seja a taxa de crescimento de suas economias, os países industrializados, sobretudo os da União Européia, em face das aposentadorias e de suas baixas taxas de natalidade, terão de recorrer cada vez mais aos países do Sul e aos do Leste europeu para suprir suas carências profissionais de alto nível.

O Brasil corre o risco de investir na preparação de mão-de-obra e perder, para o exterior, essas pessoas qualificadas acima da média do País. Esse cenário de médio e longo prazo é projetado pelo Professor José Alberto de Carvalho, do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais, com base em pesquisa feita por ele e três alunos do doutorado, que revela ser o Brasil claramente um país emigrante. Segundo a pesquisa, 1.279.991 brasileiros deixaram o País entre 1986 e 1991. Esse número manteve-se praticamente estável de 1991 a 1996, pois somou 1.075.066. A perda líquida de população, ou seja, a diferença entre a entrada de estrangeiros e a saída de brasileiros foi de 970 mil entre 1991 e 1996.

O Brasil pode ser, agora, o que a Índia foi para os Estados Unidos nos anos 90: grande fornecedor de mão-de-obra de alto padrão. No Vale do Silício, região dos Estados Unidos em que se concentra a indústria da tecnologia da informação, existem dois mil empresários indianos e entre 60 e 70 mil empregados dessa nacionalidade.

Nos últimos cinco anos, cerca de 700 mil brasileiros se transferiram para trabalhar ou morar nos Estados Unidos - em todos os setores de atividades, de faxineiros a cientistas e executivos. Hoje em dia não é raro encontrar brasileiros trabalhando em diversos ramos da medicina e ocupando posições-chave de instituições poderosas, como o J.P. Morgan Chase, Citibank, Goldman Sachs ou Merryl Lynch.

O curioso, Srªs e Srs. Senadores, é que, na época do regime militar, acuados com a cassação de talentos, os cientistas brasileiros chegaram a temer que o País se transformasse em exportador de cérebros. Paradoxalmente, esse temor virou realidade em plena democracia, quase 40 anos depois. Hoje, o Brasil é o maior exportador de QIs da América Latina e o segundo no ranking mundial, de acordo com o Professor Antônio Carlos Pereira Jr., da UFRJ. Só perdemos para a Índia, lamenta Pereira Jr. Atualmente, podem-se encontrar cientistas brasileiros na França, na Inglaterra, na Itália, na Alemanha e nos Estados Unidos, todos voltados para trabalhos relevantes. Até os países árabes procuram recrutar brasileiros.

O que teria levado a evasão de cérebros brasileiros a esse ponto, Srªs e Srs. Senadores?

Muitas razões podem ser apontadas, que vão desde a falta de grandes investimentos e estagnação do crescimento até a redução dos recursos das universidades públicas. O fato é que estão faltando oportunidades no País. Antes, as universidades aproveitavam os profissionais qualificados. Havia perspectiva de crescimento, diferente do quadro atual, em que as instituições públicas absorvem cada vez menos doutores. No Brasil, 73% dos cientistas e engenheiros trabalham para instituições do ensino superior como docentes em regime de dedicação exclusiva ou em tempo integral. Apenas 11% trabalham para empresas. Na Coréia do Sul, um dos Tigres Asiáticos, são quase 90 mil cientistas e engenheiros que trabalham em empresas. Quer dizer, são 90 mil cérebros pensando em como tornar a companhia mais competitiva a partir do uso da tecnologia.

Entretanto, não se trata apenas de transferir os cientistas para as empresas. Há uma parte da pesquisa científica - a pesquisa básica - que depende, essencialmente, dos investimentos do Estado. O País não pode abrir mão dessa pesquisa. A Nação que abdicar de reinventar a roda ou redescobrir o Teorema de Pitágoras estará cometendo um erro profundo na história do desenvolvimento. Estará se colocando em nível de colônia. Tornar-se-á uma espécie de nação de apertadores de botões, ou seja, formará apenas os técnicos para apertar muito bem os botões das máquinas vendidas pelos grandes centros do conhecimento. Isso é uma autocondenação.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL - RR) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL - TO) - Com muita honra, concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL - RR) - Senador Carlos Patrocínio, o pronunciamento que V. Exª faz nesta manhã é de uma seriedade e de uma profundidade que devem ser realmente levadas em conta não só pelos dirigentes da Nação, mas também por todos os brasileiros. É impressionante que não ganhemos em exportação, por exemplo na questão comercial, mas que estejamos ganhando em exportação de cérebros. O País está perdendo os seus melhores cérebros exatamente porque não há investimento, não há incentivo para que as pessoas qualificadas permaneçam aqui. Isso realmente é muito ruim, até porque um dos agravantes desse quadro é o fato de o País ser pensado de maneira centralizada no eixo Rio-São Paulo. Não há, sob o aspecto do desenvolvimento, da cultura ou do conhecimento, qualquer planejamento estratégico com o objetivo de criar pólos regionais que efetivamente aproveitem esses cérebros. Na Amazônia, por exemplo, o Instituto de Pesquisa da Amazônia não é devidamente prestigiado e está criando um centro de biotecnologia a duras penas. E ontem o Jornal Nacional noticiou a prisão de dois japoneses, pela Polícia Federal, portando equipamentos sofisticadíssimos, tais como uma torre de pesquisa, que nenhum instituto federal ou estadual possui. Então, na realidade, o Brasil precisa acordar, porque senão - como V. Exª muito bem disse - será uma colônia onde haverá apenas bons operários para apertar botões. Exemplo disso, Senador Carlos Patrocínio, é a nossa Universidade Federal de Roraima, que precisa de 120 professores. O MEC autorizou concurso para apenas 23 vagas. A Universidade abriu o concurso, mas, para várias dessas vagas, ninguém se inscreveu para concorrer. Isso aconteceu porque ninguém quer deixar o Rio de Janeiro ou São Paulo, já que o salário do professor universitário é o mesmo nessas cidades ou em Roraima. Não há qualquer incentivo para a desconcentração do saber ou para o avanço da tecnologia em outras regiões. Parabenizo V. Exª pelo seu brilhante pronunciamento, que merece ser analisado e refletido como uma crítica positiva ao que está acontecendo no nosso País.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL - TO) - Eminente Senador Mozarildo Cavalcanti, agradeço a V. Exª pela intervenção. V. Exª está preocupado, como todos os outros Srs. Senadores, com a questão da evasão dos nossos cérebros.

V. Exª cita muito bem o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - Inpa, que já teve excelentes técnicos, excelentes cientistas, mas que não tem incentivos para desenvolver um trabalho voltado para a auto-sustentação daquela região. Esse também é o caso do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e de outros.

O que quero dizer, eminente Senador Mozarildo Cavalcanti, é que o Brasil tem perdido, e muito, nas transações comerciais com os outros países. Estamos exportando matéria-prima e importando componentes de telefones celulares - o que desequilibra a nossa balança - por falta de tecnologia avançada nacional. Isso ocorre não por falta de pessoas competentes para desvendar esses mistérios da natureza, mas porque não se estimula a permanência no País dos profissionais formados aqui às custas do Governo Federal, com dinheiro do povo brasileiro, e que depois vão para fora com o objetivo de criar grandes inventos, como temos visto a cada momento.

O mais lamentável, Srªs e Srs. Senadores, é que o País já investiu na formação de mão-de-obra qualificada, criando o sistema de pós-graduação - melhor que a graduação! - e as agências de fomento, tais como o CNPq, a Capes e a Finep. Alguns cientistas costumam comparar a ciência do Brasil de hoje a uma chocadeira. Estamos produzindo gente de valor para ajudar outros países a crescer e a se desenvolver.

Para se ter uma idéia do que o País está perdendo, basta dizer que um governo pode decidir, hoje, fazer outra Brasília - coloca toda a indústria e, em alguns meses, constrói uma nova cidade. Mas o mesmo governo não pode decidir que, no ano que vem, mesmo com todo o dinheiro do mundo, formará 100 doutores. Não conseguirá esse objetivo, porque o homem tem um tempo próprio. É esse patrimônio intelectual que está sendo desprezado.

Na tentativa de inibir o êxodo de cérebros para o exterior, o CNPq decidiu exigir o ressarcimento do dinheiro aplicado daqueles bolsistas que, no fim do curso de doutorado, permanecem no exterior. Mas as medidas punitivas não são suficientes, acabam sendo ineficazes. É preciso criar estímulos para a permanência no País. A mais promissora das opções é a associação de universidades e de cientistas com empresas ou com investidores interessados em criar negócios no Brasil. O sucesso do Vale do Silício deveu-se à simbiose dos poderes empresarial e intelectual. Em torno de São Paulo, por exemplo, poderíamos imaginar um Vale do Silício da América Latina.

Com tantas oportunidades de trabalho, com infra-estrutura para o desenvolvimento de pesquisa, com a possibilidade de ascensão profissional e de obtenção de salários iniciais até cinco vezes maiores do que os pagos no País, as empresas estrangeiras não terão dificuldades em “roubar” jovens cientistas brasileiros, se depender dos programas de universidades e fundações para evitar a evasão. O Governo terá de adotar uma política eficaz de retenção desses profissionais, envolvendo os órgãos de fomento, como o CNPq, a Capes, a Finep, as universidades e as empresas, criando condições para o desenvolvimento de pesquisas no País.

Essa é uma forma de reter cérebros, evitando sua evasão para outras partes do mundo. Além de perder mão-de-obra qualificada para países desenvolvidos, o Brasil pode arcar com problemas mais graves, devido à falta de investimento em pesquisa. Um deles é o descompasso tecnológico nacional em relação ao exterior.

Falta política de fomento à pesquisa, tanto nas fundações quanto nas universidades e no Ministério de Ciência e Tecnologia, alertam os especialistas. Há, no entanto, uma luz no fim do túnel. Os fundos setoriais, criados com as privatizações nas áreas de energia elétrica e telecomunicações, deverão injetar, já a partir de 2001, cerca de R$1,2 bilhão nos programas de pesquisa e desenvolvimento científico. O destino desses recursos está previsto nos contratos de privatização. Isso significa não só a compra de equipamentos, como também a construção de locais e a adequação de redes elétricas, entre outras necessidades, para o desenvolvimento da pesquisa. Teremos de definir se o País vai canalizar esses recursos para a pesquisa básica, como fazem os Estados Unidos, ou para a pesquisa aplicada, como ocorre no Japão.

Grande expectativa dos especialistas é a criação de atrativos para fixar cientistas no Brasil, assim como a preparação de mão-de-obra também para o mercado doméstico, onde o número de profissionais qualificados ainda é insuficiente para atender à demanda interna. Não há recursos humanos preparados na quantidade exigida para atender às oportunidades criadas. Isso sem contar as privatizações, que transferiram empresas nacionais a companhias estrangeiras, agora em busca de mão-de-obra especializada em seus países de origem.

Alocar mais recursos para a pesquisa, oferecer melhores condições de progresso e salários mais adequados aos cientistas e estimular a integração escola-empresa são essenciais para a retenção de cientistas no País. Entretanto, Srªs e Srs. Senadores, é preciso entender que, sem a melhoria da qualidade de vida em geral, não haverá programa capaz de persuadir um jovem profissional preparado a trocar boas oportunidades nos Estados Unidos ou em qualquer outra parte do mundo por um emprego no Brasil.

É essencial, portanto, não só montar programas de incentivo à pesquisa, como melhorar a qualidade de vida e criar horizontes de atividades. Para tanto, é necessária a promoção de um verdadeiro mutirão nacional, que envolva Governo, universidades, empresas e agências de fomento à pesquisa.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/08/2001 - Página 17393