Discurso durante a 103ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE A REALIZAÇÃO DA TERCEIRA CONFERENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA O RACISMO, A DISCRIMINAÇÃO, A XENOFOBIA E A INTOLERANCIA CORRELATA, A PARTIR DE 31 DE AGOSTO, EM DURBAN, NA AFRICA DO SUL.

Autor
Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • REFLEXÃO SOBRE A REALIZAÇÃO DA TERCEIRA CONFERENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA O RACISMO, A DISCRIMINAÇÃO, A XENOFOBIA E A INTOLERANCIA CORRELATA, A PARTIR DE 31 DE AGOSTO, EM DURBAN, NA AFRICA DO SUL.
Publicação
Publicação no DSF de 30/08/2001 - Página 18834
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • ANUNCIO, CONFERENCIA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, AFRICA DO SUL, DEBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, REPRESENTAÇÃO, SENADO.
  • COMENTARIO, DADOS, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), SITUAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, NEGRO, BRASIL, MISERIA, POPULAÇÃO, DESCENDENTE, ESCRAVATURA, OMISSÃO, ESTADO.
  • REGISTRO, DOCUMENTO, DELEGAÇÃO BRASILEIRA, PROPOSTA, CRIAÇÃO, FUNDOS, REPARAÇÃO, FINANCIAMENTO, PROJETO, POLITICA SOCIAL, INSERÇÃO, NEGRO.

  SENADO FEDERAL SF -

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SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no próximo dia 31 de agosto, sexta-feira, terá início na cidade de Durban, na África do Sul, a 3ª Conferência das Nações Unidas contra o Racismo, a Discriminação, a Xenofobia e a Intolerância Correlata.

            A imprensa brasileira tem dado destaque às estatísticas, opiniões e ações governamentais e de entidades de afro-descendentes. A bem da verdade, isso não é muito comum. É um assunto que não tem, para a mídia, grande apelo. Entretanto, o mais recente estudo do IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada -, “Perfil da Discriminação no Mercado de Trabalho”, mereceu eco pela riqueza de dados reveladores do racismo no Brasil.

            Não são poucos os que ainda acreditam no Brasil pintado por Gilberto Freyre, da “democracia racial”, paraíso das relações entre as raças. Entretanto, pesquisas e levantamentos feitos, principalmente a partir dos anos 70, desmascaram essa tese, comprovando o que o movimento negro já sabia: os afro-descendentes, no Brasil, vivem uma situação cruel e desumana, mesmo passados mais de cem anos da publicação da Lei Áurea.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o preconceito e a discriminação são marcas profundas deixadas pela escravidão no Brasil, o País que mais recebeu escravos da África entre todos nas Américas do Norte, do Sul e Central (3,6 milhões, dos 9,5 milhões trazidos para o Continente entre 1500 e 1870) e o último a abolir a escravidão. Esses traços se perpetuam num grande contingente de afro-descendentes despossuídos e à margem do crescimento econômico. Temos mais de cinqüenta milhões de indigentes e a maioria deles são afro-descendentes, que têm dificuldade de acesso aos empregos, à comida, á saúde e à moradia. Estão, enfim, à margem do respeito, da dignidade ou da humanidade.

            Ao analisarmos os dados do Ipea, que a grande imprensa divulgou fartamente, percebemos que o Estado brasileiro ainda não construiu estratégias de integração da população negra em sua sociedade. Ainda hoje, não somos incluídos em seu projeto de Nação.

            Isto dizem as estatísticas: apenas 2% dos brasileiros que concluem cursos universitários são negros e 13,5%, mulatos, foi o que revelou o Provão 2000, do Ministério da Educação; no campo, o trabalhador branco ganha mais; ao procurar emprego, sai em desvantagem o negro, na maioria das vezes, visto como “sem aparência para o cargo”; o salário de um negro é 60% menor do que o salário de um branco. Essa relação fica ainda mais desigual se observarmos o salário de uma mulher negra em relação ao de uma mulher branca. E, para concluir a amostragem contundente dessa estatística, devemos considerar que o contingente de pobres e indigentes não está “democraticamente” distribuído entre as raças. Em 1999, os negros, que representavam 45% da população brasileira, eram 64% dos pobres e 69% dos indigentes. Dos 53 milhões de brasileiros pobres, 19 milhões são brancos; 30 milhões, pardos e 3,6 milhões são pretos.

            Como vemos, Sr. Presidente, o mito da democracia racial é ultrapassado e devemos exigir ações efetivas que retirem a população afro-descendente da condição de marginalização perante a sociedade brasileira. De outra maneira, considero impossível construir um projeto de Nação.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil levará à Conferência da ONU uma delegação de quarenta e duas pessoas, chefiada pelo Ministro da Justiça, José Gregori, e defende, para o documento final da Conferência, um pedido de desculpas coletivas, também reconhecendo como crimes contra a Humanidade (se praticados hoje) os atos de colonialismo, a escravidão e o tráfico de escravos. Esse reconhecimento é um passo importante, não resta dúvidas, mas devemos avançar.

            Sobre isso, discutimos no Encontro de Parlamentares Negros, realizado na Bahia, em julho, e do qual participei com mais oitenta Parlamentares de todo o Brasil. Desse encontrou resultou a Carta de Salvador, que será levada à Conferência da África. Nela defendemos, dentre outras, a proposta de “promover ações no sentido da criação de um Fundo Nacional de Reparação, cujos recursos sejam fixados por lei e representem um percentual vinculado da receita da União, dos Estados e dos Municípios, durante um período inicial de dez anos, para financiamento de projetos especiais de caráter reparatório”.

            Por último, quero manifestar a minha satisfação em representar o Senado Federal nessa conferência. Componho uma instituição que, como não poderia deixar de ser, reflete a cara do nosso País. Essa cara, distorcida, se manifesta na “representação”. Nós, negros, somamos 4,7% dos Parlamentares da Câmara e do Senado. Aqui, no Senado, somos dois: a Senadora Marina Silva e eu.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo17/27/245:20



Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/08/2001 - Página 18834