Discurso durante a 107ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade de uma postura firme do Brasil em defesa dos interesses nacionais, principalmente perante a Organização Mundial do Comércio - OMC. Apoio à frente parlamentar destinada a promover ações visando dinamizar o papel do Brasil no comércio exterior.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMERCIO EXTERIOR.:
  • Necessidade de uma postura firme do Brasil em defesa dos interesses nacionais, principalmente perante a Organização Mundial do Comércio - OMC. Apoio à frente parlamentar destinada a promover ações visando dinamizar o papel do Brasil no comércio exterior.
Aparteantes
Arlindo Porto, Casildo Maldaner, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 05/09/2001 - Página 20833
Assunto
Outros > COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, COMERCIO EXTERIOR, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, CRIAÇÃO, EMPREGO.
  • REGISTRO, NECESSIDADE, BRASIL, MELHORIA, ATUAÇÃO, COMERCIO EXTERIOR, DEFESA, INTERESSE, PAIS, AMBITO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC).
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, AGILIZAÇÃO, EXPORTAÇÃO, BRASIL, OBJETIVO, SUPERAVIT, BALANÇA COMERCIAL.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, INCENTIVO, EXPORTAÇÃO, DEFESA, BRASIL, ATENÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), OBJETIVO, POSSIBILIDADE, COOPERAÇÃO, UNIÃO EUROPEIA.
  • ANUNCIO, POSIÇÃO, BLOCO PARLAMENTAR, APOIO, EXPORTAÇÃO, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, BRASIL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Nobre Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é de extrema importância a questão do nosso comércio exterior. O Brasil precisa lutar para conquistar no comércio internacional uma posição melhor do que a tem hoje.

            Galgar um patamar superior ao atual no comércio externo terá decisivas conseqüências positivas para o país. Alavancará nossa economia, trará desenvolvimento, criará empregos. Precisamos, Sr. Presidente, dinamizar nossas exportações, exportar mais e em melhores condições.

            Importar também pode trazer benefício, desde que as importações se dêem na medida das nossas conveniências. O importante é garantir robustos saldos comerciais além dos bons efeitos que derrama em toda economia. Um forte saldo comercial significa imunidade e segurança, menos vulnerabilidade diante das ondas internacionais de especulação financeira e mais flexibilidade, portanto, na condução da política econômica, abrindo espaço, por exemplo, para acelerar nosso crescimento, sem medo de aquecer excessivamente a economia.

            Lutar por uma posição mais favorável no comércio internacional significa que o Governo brasileiro deve tomar uma atitude mais agressiva junto à Organização Mundial de Comércio na defesa dos interesses nacionais.

            Devemos adotar uma postura de maior combatividade no front da OMC, bem como em cada frente desse conflito bilateral.

            O Governo brasileiro deve abandonar o estado de letargia e passividade que, com poucas exceções, o tem dominado nas questões de comércio exterior.

            O espírito de combatividade deve atuar tanto no ataque quanto na defesa, isto é, devemos desafiar, enfrentar e romper as carapaças que impedem a penetração dos nossos produtos e, por outro lado, saber usar mais intensamente os instrumentos de defesa comercial permitidos pela OMC, tais como regulamentações técnicas e fitossanitárias, às quais o Brasil dá pouca atenção. Outros países, diferentemente de nós, usam constantemente essas barreiras não tarifárias.

            Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, critico, portanto, o Governo pelo pouco que faz e por ter atitudes tímidas no comércio exterior. Para demonstrar boa vontade, trarei aqui um exemplo de exceção, um caso em que excepcionalmente o Brasil tem atuado com firmeza, competência e agilidade no conflito comercial. Trata-se da bastante comentada briga entre a nossa Embraer, empresa de ponta e competitiva, e outra grande empresa fabricante de aeronaves de porte médio, a Bombardier, canadense. São empresas que movimentam anualmente bilhões de dólares no comércio internacional.

            Em 1996, a Embraer ganhou importante concorrência de venda de aviões em disputas com a Bombardier. O Canadá fez protesto formal perante a OMC, acusando o programa de Financiamento à Exportação, Proex, do Governo brasileiro, de dar subsídio indivíduo à Embraer, segundo as regras da OMC.

            O Brasil foi formalizado com uma espécie de multa e introduziu as devidas modificações técnicas no Proex, mantendo a utilidade e a eficácia desse programa.

            Depois, o Canadá é que foi flagrado pelo Brasil em duas ocasiões, subsidiando escancaradamente a Bombardier, em concorrência em que ela venceu a Embraer, ferindo totalmente as normas da OMC.

            O Governo brasileiro levou o caso à OMC nessa disputa que se arrasta há vários anos. Agora o Brasil vai levando vantagem. Vemos como é importante lutar e defender palmo a palmo, espaço a espaço, aproveitando os bons especialistas em comércio internacional que o país possui.

            O ponto a destacar aqui é que a postura do Governo nessas questões deveriam ser sempre ativa, combativa, esperta, como tem sido no caso da Bombardier e não como vem sendo, infelizmente, o panorama geral.

            Quero lembrar, por exemplo, que no caso das leguminosas, nós perdemos espaço; no caso do Hilton Beef, nós perdemos espaço; no caso do frango, nós chegamos a admitir, Srs. Senadores, que país que sequer fazia parte da rodada tivesse quota às nossas custas. São casos e casos. A Bombardier é um exemplo que nós, graças a Deus podemos citar como positivo. Mas por que permanentemente nós não somos assim? Eu não me conformo quando vejo - já disse isso neste Plenário algumas vezes -. Cancun e Cosumel, duas cidades turísticas, cujas exportações correspondem a 1/3 das exportações brasileiras. Não me conformo, Srs. Senadores, quando vejo a Coréia, que, perto de nós, não tem nada, em termos de bens naturais, exportar muito mais do que nós em relação ao PIB. Não me conformo quando, ao chegar em Taiwan, vejo um World Trade Center, com dezoito mil empresas, em exposição, investindo. Vejam que exemplo! Vinte e dois milhões de pessoas investindo naquele mundo, na Ásia, US$ 900 bilhões. Ganharam e investiram US$ 900 bilhões, tendo no bolso, em dinheiro vivo, sonante, US$120 bilhões e, na China, adversária deles, US$60 bilhões. Mas as atitudes são diferentes.

            Na China - que é adversária, pois quer que Taiwan volte para eles - eles entram com o passaporte de Taiwan. Para virem ao Brasil, querendo, como eles querem, fazer negócio, comércio conosco, recebem um laissez-passer, que vale uma vez; quando saem, a Polícia Federal lhes toma e eles têm de pedir de novo, levando quinze dias para recebê-lo novamente.

            Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, exportar significa empregos, divisas e pujança. Às vezes, fico sem entender esse panorama global que abarca o comércio internacional. É uma arena importantíssima, na qual devemos saber nos comportar com vivacidade e energia, sem nos descurar do nosso interesse estratégico maior, que é o fortalecimento do Mercosul. Um Mercosul que está em crise, é verdade, mas que, paradoxalmente, vive um momento potencialmente fértil. De um lado, o amadurecimento da idéia de o Mercosul passar a ter instituições supranacionais, aproximando-se do modelo do bloco europeu. De outro, a possibilidade de estreitamento das relações comerciais com a União Européia.

            Na questão da criação de instâncias supranacionais no Mercosul, o Governo brasileiro começa a superar uma contradição em que incorria: queria a consolidação e o progresso desse mercado sul-americano, mas recusava a idéia de abrir mão, em certa medida, das soberanias individuais dos países membros, ao contrário da posição dos seus vizinhos. Agora, o Presidente Fernando Henrique Cardoso declarou que admite a criação das tão esperadas entidades supranacionais. De fato, somente com elas pode-se assegurar o cumprimento dos tratados e a instauração de uma verdadeira política comercial comum.

            É muito importante, Srs. Senadores, que tenhamos, na América do Sul - e por que não dizer na América Central também? -, uma maior presença. Fico pasmo quando vejo a dificuldade encontrada por empresários da América Central que querem comprar do Brasil três mil ônibus usados, quase ao preço de ônibus novos, desde que tenham financiamento. Faz meses que luto por isso. Saio de um encontro com o Embaixador Marcos Caramuru, corro para o Ministério do Desenvolvimento. Tudo é muito difícil. Sem falar do caso da Ucrânia, um país com 62 milhões de habitantes que quer comprar, somente na área telefônica, US$500 milhões do Brasil em dez tranches de US$50milhões.

            No Brasil, ou é oito ou é oitenta. Numa hora, dissemos que venderíamos tudo o que podíamos para a África, sem sequer pedir fiança. Perdemos e tivemos que perdoar. Agora, a Ericsson está vendendo os telefones para lá. Ela responde por dois terços do seguro. Caberiam 16 milhões para o Brasil, mas não conseguimos o seguro. Ou abrimos, como no caso da Polônia, gerando até aquela brincadeira das polonetas, ou trancamos tudo e não vendemos porque ficamos temerosos.

            Não consigo entender um país que quer exportar dessa maneira. Não posso entender a grande maioria dos nossos empresários e embaixadores. Não posso criticar o Itamaraty - estaria cometendo uma injustiça -, porque estou vendo os departamentos que lidam com isso cada vez mais atuantes. Todavia, ainda sobram resquícios da famoso ciclo da famosa linha Elizabeth Arden: Roma, Paris e Londres. Não temos esse espaço determinado com facilidade. Nós o temos na África, na Ásia, nos países árabes, e lá os nossos empresários não querem ir.

            Sou testemunha, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, do empenho com que o Embaixador da Líbia tentou comprar de nós e vender a nós. Quando fui lá, estávamos perfurando poços, que desabaram. Entramos, depois disso, na Justiça contra a Líbia. Fomos para o tribunal de Paris, e a primeira sentença resultou em 400 milhões contra nós, o que entravou o comércio. Tive a honra de representar o Presidente Fernando Henrique Cardoso, levando uma carta e entregando-a a Muammar Kadafi. Dois dias, duas horas e reduzimos os 400 milhões a 50 milhões. E ainda tinha continuidade. Podíamos perder outros, mas conseguimos sentar à mesa, e as encomendas chegam: 100 mil toneladas de açúcar, aço, grãos, enfim, quantas coisas vamos vender à Líbia. Já tivemos um comércio com a Líbia de 2 bilhões, valor que significaria o imposto que o Governo quer tirar dos aposentados. É até um pouco menos. Se exportamos, arrecadamos dinheiro e tornam-se desnecessárias atitudes como essa de impor a cobrança de aposentados.

            Sra. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o mundo todo está vendendo produtos para o Iraque, mas o Brasil ainda nem se movimentou. No caso do Irã, ocorre o contrário: compram de nós US$700 milhões, mas nós não compramos deles. Atualmente trocaram de Embaixador, enviaram ao nosso País o ex-Ministro do Petróleo com o seguinte acerto: ou compramos deles ou param de comprar de nós. Graças a Deus, esta semana uma comitiva de empresários brasileiros irá ao Irã.

            Sei quanto trabalho foi feito pelo Itamaraty e o quanto a Comissão de Economia do Senado ajudou, ligando o Embaixador à Petrobras e levando-o até o Itamaraty. Sou testemunha de que o Itamaraty, por meio de seus três últimos secretários, tem sido bastante atuante nessa área. Realmente a geração nova que lá trabalha - graças a Deus! - está levando a sério sua missão, mas ainda temos muito a fazer.

            Não entendo por que ainda não transformamos o Minas Gerais em nosso show room ambulante, percorrendo as costas da África, Ásia e Caribe com materiais adequados. É natural, no supermercado, comprarmos o produto que manuseamos, que vemos funcionar. Com certeza, o Brasil abriria espaços se fizesse isso, mas penso não estar havendo essa facilidade, embora o Presidente diga “exportar ou morrer”.

            Concordo que devemos exportar as nossas frutas, as nossas fibras, os nossos grãos, os nossos produtos têxteis, os nossos produtos industrializados e até os aviões. E por que não os armamentos? Por que os outros países podem fazê-lo? Por que os Estados Unidos e a França podem vender para quem quiser e nós não? Há uma limitação para isso. Precisamos ter peito e raça para avançar.

            O Sr. Arlindo Porto (PTB - MG) - Concede-me V. Exª um aparte?

            O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Ouço V. Exª, meu nobre amigo, Senador mineiro.

            O Sr. Arlindo Porto (PTB - MG) - Senador Ney Suassuna, cumprimento V. Exª pelo brilhante pronunciamento, cujo conteúdo aborda questões econômicas importantes. V. Exª presidiu brilhantemente a nossa Comissão de Assuntos Econômicos e vem hoje chamar a atenção de todos nós para a questão da exportação. V. Exª também estava na posse do Ministro do Desenvolvimento, quando o Presidente fez um gesto impositivo, conclamando todos a exportar com a seguinte frase: “Exportar ou morrer”. Considero relevante o que V. Exª afirma em relação, especialmente, à necessidade de aumentarmos o processo de exportação. Quando foi assinado o acordo OMC, em que o Brasil era um dos signatários, aqueles que o assinaram não se preocuparam com a realidade brasileira. O Brasil, com seus produtos primários, não conseguiu preservar as possibilidades de assegurar um processo de competitividade, o que inibe, sem dúvida, o processo de exportação. Quando o Brasil exporta açúcar para os Estados Unidos, quase US$400 são cobrados a título de sobretaxa para que o produto entre naquele país. O fumo, também exportado pelo Brasil, ao entrar em território norte-americano sofre 436% de barreira tarifária. Quando o Brasil exporta frango para a Europa, a tarifa alfandegária é de 29%, o que inibe, sem dúvida, a presença deste País no mercado mundial. Não há como fugir dessas dificuldades se não houver eqüidade de tratamento e uma relação de competitividade. Da mesma forma, há um inibidor processo em âmbito mundial, para que o Brasil exporte produtos com valor agregado. Este País precisa deixar de exportar matéria-prima. É necessário deixar de exportar aço e minério e exportar produtos industrializados. Deve-se parar de exportar soja. O Brasil é o maior exportador de soja, o que não é vantagem. Este País deveria ser o maior exportador de aves e de carne com valor agregado - refiro-me aos produtos industrializados de origem animal. O Brasil precisaria exportar óleo de soja e farelo de soja, mas as barreiras são impostas na Europa, nos Estados Unidos e no Japão. É uma reflexão a que V. Exª nos chama. É importante que continuemos discutindo esse assunto e que os empresários brasileiros se preparem para esse processo de competitividade, senão jamais ultrapassaremos os limites em que estamos. Quando se ganha um nicho de mercado, perde-se outro. A relação de comércio deve ser uma via de mão dupla, em que se exporta e se importa.

            O que sentimos hoje é a importação de produtos de alto valor agregado. Importamos telefone, celular, com alta tecnologia implementada, com pequeno peso em termos da sua estrutura de formação, mas há uma tecnologia embutida, e exportamos toneladas. Chamo a atenção de nosso ilustre Senador Lauro Campos para esta reflexão: se exportarmos toneladas e importarmos gramas, teremos, irremediavelmente, cada vez mais, déficit na nossa balança comercial. E quando falamos em exportação, não comungo com a definição do Sr. Presidente: “Exportar ou morrer”. Exportar ou morrer deve ser um desafio, pois temos que produzir para um mercado interno, uma vez que temos 170 milhões de brasileiros, portanto 170 milhões de consumidores, o que faz com que sejamos um dos maiores mercados consumidores do mundo. Temos que nos preocupar com esse mercado interno, principalmente no que diz respeito à sua qualidade, temos que nos preocupar com os pequenos empresários, com as médias empresas, porque nenhum país do mundo vive de grandes empresas. As grandes empresas são fundamentais, mas são também importantíssimas as pequenas empresas na geração de oportunidades, na disseminação de tecnologia, na geração de emprego e renda, bem como na diminuição da defasagem da injustiça social com que convivemos. Meus cumprimentos a V. Exª, desculpe-me por estar me alongando, mas o tema é empolgante e merece que possamos discuti-lo um pouco mais.

            O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Em absoluto, nobre Senador Arlindo Porto, fico entusiasmado com suas colocações, até peço que, com muita honra, façam parte do meu discurso. Contudo, eu queria lembrar ao nobre Senador, ex-Ministro da Agricultura, que, muitas vezes, nós mesmos somos algozes da nossa exportação.

            Lembra muito bem o Senador José Alencar, quando conseguimos um bilhão para investir no algodão, permitimos a sua importação e, assim, quebramos os nossos produtores; quando começamos a produzir coco, permitimos a sua importação com financiamento barato e então quebramos o setor de produção de coco.

            Sei que ainda temos, com toda a certeza, muito a aprimorar. Hoje, ouvi as colocações do Senador Lauro Campos acerca da época do mercantilismo e concordo, mas no mundo globalizado o mercantilismo aprimorou-se fazendo exatamente o que V. Exª acabou de dizer: vendendo gramas de tecnologia, enquanto os que estão no atraso vendem toneladas de insumos. Não podemos permanecer dessa forma.

            O Sr. Lauro Campos (Bloco/PDT - DF) - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Concederei o aparte ao meu mestre em economia, professor universitário como eu, meu companheiro Senador Lauro Campos que é também de escola de economia. Eu sou do Rio de Janeiro e o nobre Senador de Brasília, mas iremos aprender um pouco mais. V. Exª tem a palavra.

            O Sr. Lauro Campos (Bloco/PDT - DF) - Pelo contrário, nobre Senador, estou aqui para aprender e, no Brasil, como dizia Hegel em sua Filosofia da História, aprendemos com o espanto. É o espanto que nos ensina e que nos transforma em filósofos. No Brasil, nos espantamos a todo o momento. Assim, deveria ser uma sociedade de filósofos, de seres espantados. Eu, por exemplo, que não tenho vocação para filósofo, fico espantado nesse espanto inútil, como se fosse um foguete aceso que falhou, que deu chabu, porque meu espanto não se transforma em filosofia. Mas é espantoso que durante todo o primeiro reinado de Sua Majestade o Presidente Fernando Henrique Cardoso, tenham articulado todo o sistema para importar. “Importar é o que importa”, dizia o Governo de Sua Majestade. “A importação é uma âncora essencial para manter a estabilidade. Importar é necessário. Então, vamos colocar a taxa de câmbio a R$0,58 por dólar.” E seguraram essa taxa a fim de que as importações viessem a destruir pelo menos 40 setores da economia nacional, de acordo com declarações do Ministro Francisco Dornelles. Agora é o contrário. Tudo mudou. Vamos gastar mais 480 milhões com propaganda para pagar os nossos ensinamentos e a nossa prática perversa, que agora se transformou em perversa na boca do Governo, não da Oposição. Portanto, fico perplexo. Apenas sinto que a minha perplexidade não se traduza, não se sublime em filosofia. Todos os brasileiros deveriam ser filósofos, pois deveriam se espantar com o que fazem conosco. Muito obrigado, Senador Ney Suassuna.

            O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Eu agradeço, nobre Senador. Realmente, às vezes, fico pasmo, porque chegamos nos Estados Unidos da América, que servem de exemplo para muita coisa, e vemos o planejamento de 400 anos na frente, que vem voltando e aprofundando à medida que se torna médio e curto prazo. Aqui estamos sempre apagando o incêndio de ontem. O planejamento não é o nosso forte. Uma nação de 170 milhões de pessoas não tem no planejamento a sua fortaleza. Nós não temos uma política industrial, uma política agrícola, uma política educacional para a juventude adaptada ao mundo global.

            Um dia desses, eu li uma notinha maldosa de um jornalista, que dizia: “O Senador Suassuna falava do coletivo de borboleta, que é de pouca valia, porque é um verniz apenas.” E ficou calado. Não é verdade. Eu até disse, na ocasião, que era panapaná. Eu também citei o nome do escrivão de Fernando Magalhães, e ele disse que é cultura inútil. Nós tínhamos que aprender mais o como fazer, como fez Taiwan, como fez a Coréia. Aprender, sim, a ler, a escrever, mas aprender também tecnologia, como fazê-la, é o que dá emprego, o que é importante em um mundo globalizado, porque, no mundo globalizado, o que não se produz aqui se produz fora, e nós perdemos o emprego.

            Agradeço muito a colocação de V. Exª, porque é verdade. Essas mudanças nos tiram do rumo. Ninguém sabe se é para ir para a frente, para voltar, para ir para a esquerda ou para a direita. Não há economia que agüente essas modificações, que são constantes.

            Mas a verdade é que agora nós verificamos que o Mercosul deve ter um órgão executivo supranacional, com poder de gerir a política comercial dos países-membros. E ainda também descobrimos que é preciso que se instale um órgão do tipo jurisdicional, para fiscalizar a aplicação dos compromissos assumidos.

            Uma grande vantagem da institucionalização do Mercosul, dessas feições supranacionais é que isso facilitaria uma associação do Mercosul com a União Européia, uma associação que seria mais vantajosa e mais prioritária do que a tão propalada Alca. Nada específico contra a Alca, mas, em relação à União Européia, vendemos mais para os outros e ela nos permite fugir da política do vizinho grande, que sempre esmaga o menor.

            E não se trata de mera especulação ou quimera. A proposta de estreitamento de vínculos comerciais existe concretamente e partiu da União Européia, que a apresentou, no início de julho, por ocasião da reunião realizada em Montevidéu.

            Essa proposta européia, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, prevê a liberalização do comércio de bens, de serviços e de compras governamentais, eliminando barreiras tarifárias e não-tarifárias, incluindo aí um bom número de produtos agrícolas.

            Na verdade, o gesto da União Européia é tão concreto e sério, e exige resposta tão ágil, que põe em destaque a falta que faz ao Mercosul uma instância supranacional que pudesse formular rapidamente a devida contraproposta.

            O Mercosul carece de uma tal estrutura que possa negociar temas de tão alta complexidade e tecnicidade. Negociar coesamente, e não dispersamente. Com credibilidade, e não suscite dúvidas, que não se permita um Mercosul dividido como está atualmente.

            De qualquer forma, estamos diante de uma atraente proposta da União Européia. De fato, talvez seja ela tão importante a ponto de mudar os atuais rumos da globalização, que empurra o Mercosul em direção aos Estados Unidos e à Alca. Uma Alca que deveríamos estudar à luz do que foi o Nafta, bloco comercial que une Estados Unidos, Canadá e México.

            Existem os que entoam loas às vantagens auferidas pelo México com o Nafta. Mas recente estudo do Tratado do Nafta, realizado pela Embaixada Brasileira em Washington, uma espécie de radiografia, mostra que justamente pelo tratamento que deu a aspectos que mais interessam ao Brasil, esse tratado não deveria despertar entusiasmo.

            Nas questões que mais afetam nosso comércio com os Estados Unidos, como exportações agrícolas, critérios de antidumping e critérios de origem dos produtos, o que o México ganhou foi apenas melhores canais de negociação e algumas promessas, mas não soluções satisfatórias e definitivas.

            O estudo identificou dificuldades que se apresentam ao México para implementar o tratado em áreas politicamente sensíveis nos Estados Unidos, como, por exemplo, compras governamentais, propriedade intelectual, investimentos e serviços. Dificuldades essas que são uma pequena amostra do que seria, em uma Alca, a compatibilização dos interesses de 34 países. Já o Mercosul, um bloco, e a União Européia, outro bloco, seriam apenas dois à mesa de negociação. É muito mais fácil negociar com 2 do que com 34. Conforme uma lei da administração, a Lei dos Graicunas, a comunicação é muito difícil quando são 34. Os mais fracos tendem a apoiar os mais fortes e cria-se um desequilíbrio. Neste caso aqui, não; seriam dois, um em frente ao outro.

            Srª. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o comércio internacional articula-se de maneira complexa mas inexorável com o nosso desenvolvimento. Um maior dinamismo e assertividade do Brasil no comércio exterior significaria caminhos e soluções para nossos impasses internos.

            Quando falo de comércio exterior, falo também de turismo. Ainda outro dia, ouvi, com muita satisfação, o Senador Antonio Carlos Junior dizer que até mesmo a Bahia, que, em relação ao resto do Nordeste, recebe um número enorme de turistas, ou o Ceará, que, acredito, está na mesma condição, não recebem o esperado com turismo, porque a escala ainda é pequena.

            Precisamos incentivar o turismo. Sonho com a nossa Paraíba recebendo levas e levas de turistas nacionais e internacionais. Como isso é difícil! Os senhores não imaginam o quanto! Transformar o nosso aeroporto de João Pessoa em aeroporto internacional consumiu-me meses! Fazer o Ministério da Fazenda do Estado instalar a aduana, quanta dificuldade! Conseguir que a Infraero fizesse o convênio conosco para melhorar as instalações, mais dificuldade! Convencer as autoridades de que os japoneses podem vir passar seis meses no Estado e de que, para tanto, precisam receber visto de 6 meses! Convencer que é necessário criar na Paraíba, para que turistas venham passar o inverno deles aqui, colônias de férias com campos de golfe para os japoneses e dinamarqueses, quanta dificuldade! Senador José Fogaça, V. Exª não imagina como é difícil. Diziam que não podiam conceder visto dessa forma.

            Trazer estudantes estrangeiros para o Brasil é complicado. Alguns países privilegiados, como o Canadá, levam US$500 milhões/ano só dos estudantes líbios. Enquanto isso, nós deixamos passar todas essas oportunidades, porque os nossos burocratas estão pensando pequeno e procurando descobrir, com aquela mania ibérica, como podem burocratizar um pouco mais ou como complicar ao invés de facilitar a vida de todos.

            O Brasil, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, deve atuar mais afirmativamente nessas questões externas, dirigindo sua atenção para a construção continuada do Mercosul, para o bom combate na Organização Mundial do Comércio e para as promissoras perspectivas que se abrem na via de aproximação com a União Européia.

            O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Permite V. Exª um aparte, Senador Ney Suassuna?

            O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Com muita satisfação, Senador Casildo Maldaner.

            O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - V. Exª promove um amplo debate hoje sobre a questão externa. Eu também acredito que o País precisa ser mais agressivo. Mesmo o Itamaraty, que embora tenha de ser diplomático, poderia fazer uma mistura, aceitar um certo ecletismo, tornando a diplomacia mais agressiva, mais aguerrida no campo comercial. V. Exª cita vários casos sobre o assunto. Vamos competir! Vamos abrir! Vamos buscar oportunidades! A burocracia faz com que se percam muitos negócios. Estamos perdendo mercado de trabalho. É claro que o Itamaraty tem muito a preservar, mas vale ser um pouco mais agressivo. Eu diria até que Taiwan está ávido para negociar com o Brasil. Devemos lembrar que, quando o Brasil reatou as relações diplomáticas com a China, em 1974, deixou de manter relações oficiais com Taiwan, mas o país está realmente interessado em negociar com o Brasil e eles dispõem de uma reserva enorme, são bilhões e bilhões de dólares.

             O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - São US$120 bilhões in cash.

            O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - E o nosso País, que é continental, seria uma grande fatia para investimentos. Por meio de tratativas próprias, o Itamaraty, junto à China, ou entre Pequim e Taipé ou entre China e Taiwan, poderia tentar acertar essa questão e procurar um relacionamento, uma diplomacia nem que seja provisória com Taiwan. Devemos avançar nesse campo. Vamos abrir! vamos competir! Trata-se de um enorme mercado que teríamos que abrir para o mundo. Por isso, a análise de V. Exª, Senador Ney Suassuna, deve deixar todos nós, o Itamaraty e o Ministério do Desenvolvimento, mais atentos em relação a isso. O Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento e da Indústria e Comércio e o Itamaraty precisam juntar forças e formar parcerias. V. Exª foi prático hoje ao citar exemplos. Quem vem acompanhando o pronunciamento de V. Exª hoje percebe que se trata de um debate nacional. Vamos abrir! Poderemos, assim, oferecer condições de mais emprego e renda, se mais pessoas vierem investir aqui. Por que não ampliar o visto? Claro. Vamos cuidar disso. Vamos desburocratizar. Quando foi criado o Ministério da Desburocratização, há dez anos, achei que o Brasil ia se reencontrar. Mas passou, junto com aquela época, e continuamos com a burocracia. Há burocracia nos aeroportos, na autorização de estudantes, na questão do visto de seis meses. Vamos trazer o pessoal de Taiwan para investir aqui; vamos tentar criar medidas, mesmo que não totalmente oficiais, para solucionar isso. Existem dois escritórios: um aqui, outro em Taipé, Taiwan. Existem relações comerciais, mas vamos tentar viabilizar a vinda de mais investimento para cá. Vamos conversar com a China, vamos ser mais agressivos. Por isso, quero-lhe cumprimentar, quando V. Ex.ª traz perspectivas as mais diversas. V. Ex.ª está divisando caminhos, V. Ex.ª não fica de braços cruzados, só naquilo que está escrito e está acabado. V. Ex.ª diz que, se algo não pode, vamos mexer. A legislação está aí para ser mexida; ela tem que ser mais elástica. E, se depender do Congresso Nacional, estamos aqui para dar, como se diz, cobertura legal ao Governo brasileiro. Mas vamos fazer com que o Itamaraty tenha condições de avançar nessa gama de alternativas que se apresentam para nós brasileiros, para que este País da América Latina abra-se mais para o mundo. Vamos ser mais abertos, nesse bom sentido! Essa tese, esse debate, essa reflexão de V. Ex.ª é interessante para todos nós, sem dúvida alguma.

            O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado, nobre Senador, fico muito feliz com o aparte de V. Ex.ª e com toda certeza, Senador Casildo Maldaner, nós precisamos agredir mais. Agredir assim é no bom sentido. Não é agressão pura e simples; é a agressão preparada. Temos que pegar os nossos empresários - e por que não pegar cada associação comercial deste País - e criar lá um homem treinado para exportação, que congregue os microempresários, mas faça essa força de trabalho ter condições de avançar exportando. Sonho em ver em Minas Gerais o nosso show off, o nosso shopping sobre ondas ir, juntamente com empresários, vendo o processo de negociação. Sonho com um País cujo Ministério do Desenvolvimento possua uma escola de exportadores, de pessoas que conheçam as nuances de cada mercado e que tenham essa agressão, no bom sentido. Lamentavelmente, não é o que vemos. Somos os primeiros a não acreditar.

            Fui vendedor de Barsa, na minha juventude. Aprender como vender era um treinamento duro. Havia truques simples: o comprador deveria permanecer sentado, e nós, de pé; não deveríamos permitir que o cidadão raciocinasse; tínhamos que mostrar o produto, deixar o cidadão folheá-lo e, quando menos esperasse, já assinara o contrato. Era assim o treinamento. Havia incentivos.

            Lamentavelmente, não estamos vendo isso no Brasil, como deveria ocorrer. Eu gostaria que houvesse mais agressividade, que eu queria poder ajudar mais o Governo, e é isso que peço aos Srs. Senadores. Criamos aqui uma Frente Parlamentar de Apoio à Exportação.

            Sras e Srs. Senadores, filiem-se à Frente, vamos dar sugestões, vamos mudar a legislação, vamos melhorar. Mas hoje também criamos, Sr. Líder do Governo, Senador Romero Jucá, na Comissão de Economia, uma Subcomissão da Comissão de Economia para apoiar as exportações. Acreditamos na palavra do Governo de que é preciso exportar, e nós, Parlamentares, queremos ajudar, mas queremos ajudar para ver ação. Sei que precisamos da ação.

            Queremos exportar 100 bilhões. Quem quer exportar 100 bilhões tem que colocar a mão na massa e trabalhar. Temos muito o que exportar, mas precisamos saber vender.

            Volto até a um exemplo simplório: ninguém pede ovo de pata em um supermercado, e sim ovo de galinha; e por quê? Porque a galinha sabe fazer a propaganda do seu produto - cacareja quando põe os seus ovos. O ovo de pata é até maior, tem mais substância, mas não há propaganda.

            Temos de saber fazer propaganda. Não me conformo de ver por toda parte nos Estados Unidos a expressão “café da Colômbia”, e o Brasil, que produz centenas de vezes mais, não tem a mesma postura. Compram o nosso produto para vender. Não me conformo com isso. E é por isso que peço aos Srs. Senadores que apóiem a Frente Parlamentar de Apoio à Exportação e também a Subcomissão que foi criada.

            Acabei de receber um convite na semana passada para ir ao Iraque para estar lá com o Governo, que tem ânsia de abrir as portas para nós. Estão lá os americanos, os italianos e os ingleses vendendo para o Iraque, e nós aqui, de braços cruzados, esperando que o Iraque venha nos convidar.

            Já vendemos para eles alguns bilhões de dólares. Chegamos a vender, em uma só leva, 1.500 carros. Vendemos foguetes, tanques e comida em quantidade para o Iraque. Eu mesmo tive um colégio, cinco anos seguidos, em Bassora, em um encontro entre o Iraque e o Irã, porque tínhamos brasileiros perfurando petróleo em Maginuun.

            Fizemos, assim, bons negócios com o Iraque. Houve problemas e nos afastamos. Os outros voltaram; e estamos aqui esperando, o quê? Não consigo entender isso.

            Temos de avançar e, para isso, temos de ter menos conversa e mais ação. Adorei o discurso do Presidente, dizendo que é preciso exportar, mas discurso, só por si, não basta. Tem de haver ação. Estou na esperança dessa ação e, por isso, criamos a Comissão Parlamentar e a Subcomissão. Queremos participar, estar lado a lado, de mãos dadas com o Governo; mas queremos ação. E, por isso, trouxe hoje esse tema aqui, porque sei que, se quisermos, somos capazes de fazê-lo.

            Senadora Heloísa Helena, meu avô tinha um ditado: “Igual a nós, muito pouca gente. Melhor do que nós, ninguém. Pior do que nós, quase todo mundo.” Era um incentivo para que, no mínimo, nunca baixássemos a cabeça, olhássemos sempre no olho, como um igual. E é o que o Brasil está precisando fazer.

            É necessário largarmos os atavismos de cinco séculos de história e quatro de escravidão, que fizeram com que esperássemos o feitor, alguém que tanja, senão ninguém faz. Precisamos parar com esses atavismos e tratar de trabalhar. Mão na massa. Vamos exportar, sim, mas sem deixar de cuidar do mercado interno. Também é preciso abastecê-lo.

            Por essa razão, conclamo os companheiros a que apóiem essas duas iniciativas e, embora disponha de 50 minutos, não vou usá-los. Paro por aqui, dizendo aos companheiros que estamos aguardando as adesões.

            Muito obrigado.


            Modelo17/18/242:27



Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/09/2001 - Página 20833