Discurso durante a 108ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à Comissão Executiva Nacional do PSDB pela dissolução do diretório regional do partido no Paraná.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA.:
  • Críticas à Comissão Executiva Nacional do PSDB pela dissolução do diretório regional do partido no Paraná.
Publicação
Publicação no DSF de 06/09/2001 - Página 20938
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • PROTESTO, DECISÃO, COMISSÃO EXECUTIVA NACIONAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), FECHAMENTO, DIRETORIO REGIONAL, ESTADO DO PARANA (PR), REPRESALIA, ATUAÇÃO, ORADOR, DESOBEDIENCIA, ASSINATURA, REQUERIMENTO, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CORRUPÇÃO.
  • ANALISE, CONCEITO, VERDADE, ETICA, AMBITO, EXERCICIO, POLITICA, REGISTRO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ORADOR, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB).
  • DEFESA, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, APURAÇÃO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, GOVERNO, JUSTIFICAÇÃO, APOIO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ÁLVARO DIAS (Bloco/PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem à noite, a Comissão Executiva Nacional do PSDB decidiu decretar a dissolução do Diretório Regional do Partido no Paraná - ato descabido, arbitrário, de retaliação. Lamentavelmente, sou a causa e devo desculpas pelo transtorno causado aos meus companheiros de Partido no Paraná.

            Sr. Presidente, sou a causa. O pretexto é a assinatura que, juntamente com o Senador Osmar Dias, colocamos no requerimento que pretendia instalar a CPI nesta Casa, para investigar casos de corrupção no País. Não vou falar sobre a causa real, mas sim sobre o pretexto utilizado para a retaliação descabida. Lerei meu discurso exatamente para que a indignação não me leve à exacerbação.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o processo de Sócrates, condenado por um tribunal político a beber cicuta na prisão de Atenas, mostra a estreita relação que existe entre a verdade e a política. Essa tragédia que, como afirma Roland Corbisier, “está no pórtico da filosofia ocidental”, demonstra que a verdade, quando revela e desmascara segredos fundamentais, quando desmascara o farisaísmo dos que são beneficiários desses mesmos segredos, torna-se um problema ético e político.

            Nesse sentido, a grande virtude do político é o que Hegel denominava “a coragem da verdade”. A coragem torna-se, portanto, o pressuposto ético da verdade, coragem não apenas de procurá-la, mas também de proclamá-la, como fizeram Sócrates e Cristo, Thomas Morus e Giordano Bruno, Chardin e Gramsci.

            Não querendo - é óbvio - alçar-me à estatura desses homens que tiveram a coragem de dizer a verdade e levar esse compromisso até às últimas conseqüências, é no seu exemplo que desejo mirar-me e inspirar meus próprios compromissos.

            Quando ingressei no PSDB, o que me inspirou foi a força da verdade contida no “Manifesto” e no “Programa” de 1988, ambos documentos encabeçados pela impressionante epígrafe: “Longe das benesses oficiais, mas perto do pulsar das ruas, nasce o novo partido”.

            Tratava-se, então, de um projeto de sociedade alternativo diante das velhas práticas políticas que tanto arruinaram a sociedade brasileira, um projeto que lançava suas raízes numa utopia possível, capaz de se tornar viável e imprimir uma feição moderna, democrática, solidária e justa a um País que emergia das sombras do autoritarismo e aspirava à plenitude do Estado Democrático de Direito.

            O “Manifesto” tomava como ponto de partida a situação de um povo frustrado e angustiado, entre outras coisas, “com o espetáculo do fisiologismo político e da corrupção impune”.

            E esse apelo claro e indiscutível em favor da decência, da transparência e da honestidade que deve pautar, sempre e acima de tudo, não apenas a Administração Pública abstratamente, mas a vida concreta de cada homem público, ia diretamente ao encontro daquilo que, graças à educação familiar, sempre constituiu o núcleo dos meus valores.

            Gerado e criado numa família simples, trabalhadora e honesta, como aliás é a imensa maioria do povo brasileiro, aprendi, desde cedo, que a vida é uma conquista que se faz a cada momento, mas jamais a qualquer preço; que a passagem obrigatória, o caminho do homem que se faz ao longo da vida é necessariamente pautado por valores inalienáveis e impostergáveis.

            Aprendi, assim, que a afirmação mais profunda que um homem possa fazer é: “Agirei de acordo com a minha consciência”.

            E, no decorrer da minha existência, minha convicção a esse respeito só fez crescer, tornando-me cada dia mais grato aos ensinamentos familiares, que se tornaram, para mim, como uma segunda natureza.

            Quando, portanto, ingressei no PSDB, tive a convicção de estar ingressando num Partido que assumia a democracia como valor fundamental, aliado ao desenvolvimento com justiça social, um Partido cujo compromisso firme com a ética e moralidade abriam uma senda de esperança para o futuro desta Nação.

            De fato, no PSDB encontrei companheiros que encarnavam e que encarnam, com autenticidade e coerência, os ideais originários do Partido. A título de lembrança e homenagem, cito o grande companheiro Sérgio Motta, cujo falecimento prematuro constituiu uma perda que a cada dia se afigura maior, pela falta que faz o seu discernimento, sua retidão de caráter e sua influência benéfica sobre aqueles que detêm a responsabilidade de levar o Partido em direção ao futuro. Não poderia deixar de mencionar também aquele Parlamentar que foi exemplo de coerência, firmeza e idealismo, que foi Mário Covas. À frente do Governo de São Paulo, mostrou que é possível obter o reconhecimento popular sem abrir mão dos princípios éticos e morais, sem deixar de lado o trato correto da coisa pública, ao mesmo tempo atuando imperturbavelmente na direção apontada pelos princípios programáticos da socialdemocracia.

            Como esses companheiros de ideais e de esperança, também sonhei com a construção de uma nação digna do seu povo, uma nação estabelecida firmemente nos valores éticos e morais que, na verdade, fazem o cotidiano das pessoas simples, que constituem a imensa maioria do povo brasileiro.

            Acredito que a busca permanente pela ética e moral distancia-se, com vigor, do moralismo farisaico dos que apontam permanentemente o dedo para os outros, num delírio acusatório interminável. Não se trata nem de moralismo, nem de uma cultura baseada no denuncismo irresponsável. Mas, isto sim, é preciso que o compromisso ético e moral traduza-se, permanente e incansavelmente, numa busca por padrões elevados de ação, não admitindo que paire, sobre nenhum ato, a menor sombra de dúvida.

            Não há que se sacrificar a verdade no altar dos interesses ou compromissos de nenhuma ordem, por mais relevantes que sejam.

            Agir dessa forma é fazer como os hebreus, que, retirados do Egito por Moisés, passando fome e sede no deserto, passaram a ter medo de sua liberdade. Sua segurança no Egito, como escravos, parecia-lhes preferível à insegurança da liberdade. Tinham medo porque não tinham mais uma existência bem regulada e fixa, porque não tinham mais um rei ou ídolos perante os quais pudessem curvar-se. Tinham medo porque eram um povo que tinha apenas um profeta como chefe, tendas provisórias para moradia e nenhuma tarefa fixa, exceto a de marchar para a frente, em busca de uma meta. Assaltados pelo medo e pela insegurança, fabricaram um ídolo feito de ouro. Mas, só quando romperam com a idolatria, quando descobriram que sua segurança não estava em alguma coisa fora deles, mas na força da sua esperança, conseguiram estabelecer sua vida não só na liberdade, mas principalmente para a liberdade.

            Sr. Presidente, não podemos fazer de nossos interesses um ídolo diante do qual sacrifiquemos nossa liberdade e nossas convicções.

            As denúncias que surgem e lançam uma zona de sombra sobre qualquer Governo não podem ser tratadas como simples resultado de interesses políticos menores. Sem dúvida, as denúncias servem de alimento para a Oposição. Mas, com certeza, o enfrentamento feito com a coragem da verdade, desnudando-a pela transparência, constitui o antídoto mais eficaz contra a manipulação dos adversários.

            O que não contribui em nada é a política do avestruz, a negação pura e simples, como se o Governo estivesse acima do bem e do mal. Nenhum Governo pode continuar agindo como se a enxurrada de denúncias mantidas sem explicação não fosse com ele, mas se referisse a um ser de outra galáxia.

            Não podemos negar que, hoje, o Governo Fernando Henrique Cardoso vive difícil momento. Mas esta foi uma crise anunciada. Era compreensível que, num primeiro momento, o foco de atuação do Governo fosse a questão financeira. O Plano Real foi um momento importante na luta para acabar com a inflação, o mais injusto dos impostos. Mas, como muito bem apontou o Presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, Horácio Lafer Piva, o País hoje está sem projeto. Ao invés de uma gestão voltada para o desenvolvimento com justiça social, de acordo com os princípios inspiradores do PSDB, continuamos a viver sob uma extraordinária hegemonia financeira.

            O pior é que a crise financeira, agravada pela crise energética, colocando a nu as fraquezas de um Governo que se perdeu pela auto-suficiência e pela arrogância, agravou-se com a crise política que nasceu da desconfiança em relação à enxurrada de denúncias de que foram alvo pessoas próximas do próprio Presidente da República. E isso é intolerável, a tal ponto que, conforme as pesquisas indicam, vem contaminando a credibilidade do Presidente da República, fazendo com que a população não o veja pessoalmente empenhado em acabar com a corrupção no País.

            Esta Casa, por exemplo, vem tratando essa questão de forma diversa. Apesar do aparente desgaste que isso possa significar, o Senado da República vem dando demonstração clara de que, como instituição, não pretende acobertar, nem varrer para baixo do tapete aquilo que pode manchar a honra e a honorabilidade da Casa. Isso acontece, porque os Parlamentares, pelo seu convívio próximo com a população, estão percebendo claramente que não há mais suporte para as velhas alianças fisiológicas, para as políticas de sustentação alicerçadas em troca de favores, ao melhor estilo do “é dando que se recebe”.

            Em nome dessa aspiração forte, clara e límpida da população, que, independente de vinculações ideológicas ou partidárias, quer ver, por parte de suas lideranças políticas, atitudes firmes para combater a imoralidade, a corrupção e o ranço fisiológico, não pudemos deixar de dar nosso apoio à CPI da Corrupção, não como instrumento de desmoralização do Governo, mas como a maneira mais direta de enunciar que nada há que se temer de uma investigação feita de acordo com os poderes que a Constituição confere a esta Casa.

            Daí por que, Srªs e Srs. Senadores, não podemos admitir o posicionamento de lideranças partidárias do PSDB, que, no afã de mostrar serviço ao poder, pretendem transformar o mandato legitimamente conferido pelo voto em uma caricatura disforme.

            O programa do PSDB inicia dizendo que “os abaixo-assinados, conscientes de suas responsabilidades na vida pública e imbuídos da seriedade da opção que assumem neste momento, dirigem-se aos brasileiros...”. Ou seja, deixa claro que o movimento que deu início ao PSDB se funda no binômio responsabilidade e seriedade.

            Continuam os fundadores do Partido:

Se muitos de nós decidimos deixar as agremiações a que pertencíamos (...) é porque fatos graves nos convenceram da impossibilidade de continuar defendendo de maneira conseqüente aquilo em que acreditamos.

            E, paradoxalmente, temos, neste momento, de retomar as palavras dos fundadores, para responder aos que não conseguem distinguir entre seriedade e oportunismo, compromisso e servilismo, coerência e arrogância.

            Como homem público que construiu todo o seu percurso legitimado pela vontade popular, tenho profunda consciência de que, antes de buscar as benesses do poder ou de procurar agradar mandarins de plantão, deve o Parlamentar ser fiel às suas origens: o povo simples e honesto, que trabalha duro na esperança de uma vida melhor e tem horror aos que querem viver de espertezas. Aí está o exemplo gritante da repulsa popular ao Juiz Nicolau, que simboliza, hoje, a verdade do dito popular mineiro, que afirma: “A esperteza, quando é muita, cresce, vira bicho e engole o dono”.

            Não aceito, Sr. Presidente, ser recriminado pela minha coerência com o compromisso primeiro do PSDB. Também não posso aceitar a retaliação.

            Reconheço que, como homem e político, tenho vários defeitos. Reconheço que, ao longo de minha vida pública, cometi e ainda cometo erros e equívocos. Faz parte da paisagem do humano o errar e o equivocar-se. Não quero enganar-me a mim mesmo, achando-me acima de qualquer crítica. Tenho sempre presente a forte parábola do fariseu e da viúva pobre, na qual Cristo aproveita para recriminar os que se julgam melhores que os outros. Mas não posso admitir que, para proteger interesses inconfessados ou para evitar que verdades venham à tona, mandarins de ocasião, no afã de conseguirem um aceno benfazejo do poder, venham querer atingir o núcleo mesmo do mandato parlamentar, que é sua inviolabilidade.

            O próprio Estatuto do Partido, preocupado com a garantia dos direitos de expressão e manifestação, prevê que, mesmo na situação de “fechamento de questão”, os Parlamentares possam apresentar razões de consciência ou motivação religiosa, indicando que o princípio programático do exercício democrático e participativo tem precedência.

            Mas, nem disso se trata, pois, num paradoxo que só encontra paralelo nos tribunais de exceção dos regimes ditatoriais, fala-se em “fechamento de questão” a posteriori - paradoxo tão absurdo que nele não nos deteremos mais. Já nos reportamos a ele em pronunciamento recente.

            Retomo aqui o que disse desta tribuna, em 24 de agosto de 1999, cinco meses depois da minha posse nesta Casa do Congresso Nacional:

Quando nos vinculamos ao PSDB, como grande partido da socialdemocracia, nós o fizemos para assumir publicamente o compromisso de lutar contra a exclusão social que corrói a dignidade da pessoa humana, contra a marginalização, a violência, os preconceitos e as injustiças, enfim, contra a manutenção de um sistema que reproduza ou favoreça tais condições de degradação da vida.

Ao mesmo tempo, assumimos o compromisso de atuar em favor do desenvolvimento em seu sentido pleno, em favor da solidariedade, da democracia, da ética na ação pública e da justiça.

            Hoje, como então, o compromisso com a ética é um elemento forte daquilo que constitui a razão de ser do meu mandato parlamentar. É preciso que, no exercício de nosso mandato, sejamos capazes de manter, quando não de devolver ao povo, a capacidade de sonhar - não de delirar, nem de divagar, mas de sonhar.

            Cito aqui o que o Professor Gaudêncio Torquato escrevia, no dia 24 de julho passado:

Onde estão os nossos sonhos, para onde estão indo nossas ilusões? Para o espaço do nada, que é o território das grandes doenças comportamentais: a apatia, que traz a indiferença e a indolência; a atrofia, que provoca o definhamento do corpo social, prejudicando sua capacidade de agir e reagir; e a abulia, que se faz notar pela diminuição e perda de vontade. Não é difícil enxergar cada um desses sintomas. Estão presentes na onda de indignação social, nas onomatopéias e nas imprecações contra os políticos, na rejeição aos governos...

            Cabe a nós, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, devolvermos ao Sonho e à Utopia sua função recuperadora do tecido social. Como afirmava D. Avelar Brandão Vilela, na abertura do II CELAM, em Medellín, já no longínquo ano de 1968, “o futuro exige esforço, audácia e sacrifício... Com humildade e circunspecção, com audácia e moderação lancemos mãos do arado e, olhando para o alto e para frente, sulquemos os campos para o lançamento das sementes que amanhã serão flores e frutos.”

            Sr. Presidente, concluo em respeito ao horário que me é destinado regimentalmente, mas, na próxima semana, voltarei a esta tribuna para dar continuidade a esse tema, já que este pronunciamento não foi conclusivo.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo15/19/2411:06



Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/09/2001 - Página 20938