Discurso durante a 112ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre os riscos da clonagem humana e a necessidade de intensificação das campanhas sobre a AIDS

Autor
Carlos Patrocínio (S/PARTIDO - Sem Partido/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Reflexões sobre os riscos da clonagem humana e a necessidade de intensificação das campanhas sobre a AIDS
Publicação
Publicação no DSF de 14/09/2001 - Página 22006
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, RISCOS, DESENVOLVIMENTO, PESQUISA CIENTIFICA, GENETICA, VIABILIDADE, CLONE, HOMEM.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, PREVENÇÃO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), APREENSÃO, INDICE, CONTAMINAÇÃO, DOENÇA, MUNDO.
  • ELOGIO, POLITICA, SAUDE, GOVERNO FEDERAL, COMBATE, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), IMPORTANCIA, AMBITO INTERNACIONAL.
  • ANALISE, DOCUMENTO, AUTORIA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DETERMINAÇÃO, POLITICA, PREVENÇÃO, TRATAMENTO MEDICO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), MUNDO, IMPORTANCIA, CUMPRIMENTO.
  • COMENTARIO, RESULTADO, PESQUISA, AUTORIA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO), ANTECIPAÇÃO, INICIO, RELACIONAMENTO, JUVENTUDE, NECESSIDADE, ATENÇÃO, HOMOSSEXUAL, JUSTIFICAÇÃO, AUMENTO, CONTAMINAÇÃO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CARLOS PATROCÍNIO (Sem Partido - TO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos últimos dias, os meios de comunicação de massa têm trazido ao conhecimento do público dois assuntos da área da saúde, de extrema importância: a possível clonagem humana e um novo medicamento contra a Aids. Se a primeira notícia divide as opiniões da comunidade científica e do mundo em geral, o segundo tema é objeto de aplausos unânimes e internacionais.

            Mesmo não se levando em conta os motivos religiosos, os graves riscos que envolvem a clonagem humana precisam se considerados, não só do ponto de vista genético, exaltando-se os avanços da ciência, mas também - e principalmente - sob o ângulo ético, ressaltando-se a dignidade e o direito à vida do ser humano.

            Informa o Jornal do Brasil do dia 8 do mês de agosto que os controversos pesquisadores europeus Panos Zavos e Severino Antinori estão determinados a iniciar, ainda neste ano de 2001, em novembro, a clonagem de um ser humano, a criação de um embrião. Seu objetivo declarado é permitir que casais inférteis gerem filhos. Apesar de reconhecerem a existência de riscos, pretendem concretizar seus intentos, utilizando procedimento similares aos empregados para criar a ovelha Dolly.

            Entretanto, nobre colegas, os pesquisadores que obtiveram sucesso em experiências com animais vêm reiterando o alerta de que é comum a morte ou a ocorrência de graves problemas congênitos na maioria dos clones de animais. O criador da ovelha Dolly - o escocês Ian Willmut - renovou os avisos de que, antes de Dolly, 277 tentativas fracassaram. Segundo os cientistas, não há segurança nos procedimentos, sendo que a relação média é de um embrião que vinga para 290 mortos. É possível, também, que esse único embrião vivo, em quase 300 experiências, se transforme em um portador de graves anomalias, condenado à morte e ao envelhecimento prematuros.

            Parece-me, Sr. Presidente, que, fascinados pelo canto de sereia da fama e, talvez, do enriquecimento, alguns se esqueçam do indispensável respeito à vida - princípio ético que deve nortear os passos da ciência. Pretendem sacrificar mais de 200 embriões para criar um indivíduo, cujas deformidades orgânicas, físicas ou mentais podem condená-lo, e aos seus pais, a uma existência miserável! Terão realmente essa coragem?

            Felizmente tramitam na Câmara dos Deputados inúmeras proposições que proíbem claramente as experiências e a clonagem de animais e de seres humanos no Brasil. Apensadas ao PL 2811/97, encontram-se na Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicação, e acredito que em breve estejam sob análise dos membros desta Casa.

            Tanto neste assunto quanto na questão da Aids aplica-se o provérbio: “É melhor prevenir do que remediar”. Aliás, senhores, esse adágio popular tem largo emprego em qualquer setor da Medicina e, por extensão, da vida humana.

            Sr. Presidente e preclaros Senadores, o Brasil conseguiu reduzir pela metade o número de mortes causadas pela ação do vírus HIV, entre 1995 e 1999, e em 80% o total de internações hospitalares, decorrentes de infecções oportunistas. Foi uma grande vitória, se comparada aos dados mundiais do ano passado. Relembrando, no ano de 2000:

·     a Aids matou cerca de 3 milhões de pessoas em todo o Planeta;

·     mais de 5 milhões foram infectadas pelo HIV;

·     dessas, quase 4 milhões, só na África;

·     a epidemia de HIV/ Aids começou a se alastrar a taxas alarmantes também em outras regiões, como o leste europeu, o sul e sudeste da Ásia;

·     no Caribe, a Aids já é a principal causa da morte de homens com menos de 45 anos.

            Entendo, nobres Colegas, que, mesmo com essas poucas informações, já é possível assegurar que não estamos mais nos defrontando com uma epidemia, mas com uma verdadeira pandemia. Por isso, não há nenhum exagero nas afirmações do Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan:

O HIV/Aids não é mais apenas um problema de saúde, mas um problema mundial do desenvolvimento, que ameaça reverter muitos dos avanços conseguidos no último meio século. Mais do que isso, trata-se de uma questão de segurança internacional e, como tal, precisa de um orçamento de guerra e de uma estratégia rigorosa.

            Realmente, senhores, o alastramento do vírus parece que tende a se tornar um fator de consenso, de união entre os povos. Sem dúvida, o que os melhores sentimentos não conseguiram, o medo vai obter. Por medo, acredito que, em breve, as nações se unirão contra o inimigo invisível e mortal: o vírus HIV.

            Por medo, os países desenvolvidos serão obrigados a se preocupar e a ajudar as populações mais miseráveis do Planeta; porque todos sabem que a miséria e a ignorância constituem terra fértil para todos os males. Muitas populações pobres estão sendo dizimadas, podendo desaparecer nos próximos 20 anos, se o vírus HIV não for controlado.

            Sr. Presidente, sinto-me orgulhoso de ser brasileiro, ao evocar, aqui neste colendo Plenário, o exemplo que nosso País deu ao mundo, na última Conferência Mundial sobre a Aids, no final do passado mês de junho.

            A política de distribuição gratuita de medicamentos para tratamento desse terrível mal, desenvolvida pelo Governo brasileiro, foi a grande estrela daquele encontro internacional. Durante o evento, governantes de 189 países garantiram o direito de fabricar medicamentos genéricos, mesmo que isso resulte na quebra de patentes.

            Recentemente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tivemos um outro episódio que merece nossos elogios. O Governo brasileiro conseguiu negociar com o laboratório Roche a diminuição dos preços do Neofinavir. O Brasil se preparava para quebrar a patente do laboratório e fabricar esse remédio que consumia cerca de 30% a 40% de todos os recursos despendidos com a Aids em nosso País. Mas o laboratório Roche acabou por fazer o acordo com o Governo brasileiro.

            Esse direito adquirido pelos povos, todos sabemos, é uma decorrência da coragem demonstrada pelo Brasil, na contenda com os Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio.

            Dentre os 44 países que integram o região da América Latina e do Caribe, o Brasil é o que apresenta maior número de indivíduos contaminados: 540 mil. Nessa parte do mundo, estima-se que 600 pessoas sejam infectadas diariamente pelo HIV, isto é, a cada dois minutos, uma pessoa adquire o vírus.

            Em um documento de 16 páginas, com 103 compromissos firmados por 189 países, a Organização das Nações Unidas definiu que o acesso universal ao tratamento da doença é um direito à vida. Esse documento oficial que estabeleceu os compromissos de todos os países para o controle da Aids contém quatro outras propostas brasileiras, ratificadas por aquelas nações:

·     a criação de um fundo global para a compra de remédios a serem distribuídos às populações dos países mais pobres, onde vivem 90% dos portadores do vírus;

·     a diferenciação de preços dos medicamentos para países ricos e pobres (conforme eu acabei de citar o Neofinavir);

·     acesso ao tratamento da doença como uma questão de direito humano aos 36,1 milhões de indivíduos infectados;

·     e a combinação de programas de prevenção com tratamento.

            Mais uma vez, Sr. Presidente, a posição do Brasil no contexto internacional demonstra o grau de humanidade e compreensão que caracterizam o nosso povo.

            Como afirmou o Ministro da Saúde José Serra, um dos sinais mais evidentes de que a Aids se transformou no inimigo número um do mundo foi o engajamento dos Estados Unidos na luta contra a doença.

            Tudo isso me recorda um ensinamento dos antigos: eu posso detestar meu vizinho mais próximo, evitar qualquer convivência e até não cumprimentá-lo, mas, se a casa dele pega fogo, sou o primeiro a acudi-lo, talvez não por compaixão, mas para que o incêndio não chegue até a minha casa.

            Assim, preclaros Senadores, o Governo americano, o Japão e os Países europeus devem contribuir significativamente para o fundo proposto pelo Brasil. Esses recursos são fundamentais para ajudar na construção de uma infra-estrutura de atendimento aos países africanos.

            A primeira recomendação constante do documento da ONU é que os signatários implantem estratégias até 2003 para melhorar o sistema de saúde pública e, conseqüentemente, o atendimento ao portador do HIV.

            Espera-se que o resultado surta efeito dois anos depois, quando o número de infectados deverá ter caído 25% nos países mais afetados pela Aids. O mesmo objetivo deve ser alcançado nos demais países num prazo um pouco maior: até 2010.

            Quero ressaltar, senhores, que essas conclusões que nos parecem óbvias e sensatas resultam de uma série de negociações, com avanços e retrocessos.

            Enquanto o Brasil e um grupo de países, liderados pelo Canadá, pretendiam incluir os homossexuais e as prostitutas na lista de prioridades de acesso ao tratamento; os países muçulmanos e outras religiões organizadas recusaram a proposta, alegando que estariam legitimando comportamentos não aceitáveis. Assim, por razões meramente preconceituosas, o texto final do documento contém apenas termos gerais, sem referência explícita à inclusão dos grupos mais vulneráveis.

            Os representantes dos 189 países concordam, porém, que prevenção e tratamento devem andar juntos no combate à Aids. Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste binômio - prevenção e tratamento - a relação dos elementos é inversa, isto é, quanto mais e melhor se investir no primeiro elemento do binômio, a PREVENÇÃO, quanto menos recursos serão necessários para o segundo, o TRATAMENTO, e vice-versa.

            De 1980 a 2000, o Ministério da Saúde registrou um total de 203,4 mil casos de Aids no Brasil. Os homens representam 74,4% desse total (151,3 mil casos) e as mulheres 25,6% (52,1 mil). De 1987 a 1999, morreram 113 mil pessoas, com mais de 15 anos de idade, em conseqüência da Aids.

            No mês de julho deste ano, foi oficializado um acordo de cooperação entre a França e o Brasil, para o desenvolvimento conjunto de diversos medicamentos e vacinas, inclusive contra o HIV. Os franceses são pioneiros nesse estudo, e a vacina antiaids, já na segunda etapa do seu desenvolvimento, será testada simultaneamente nos dois países, em 3 mil voluntários. Caso a eficácia seja comprovada, nosso País terá assegurado o acesso mais rápido ao imunizante.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apesar de todos os avanços, não podemos esquecer que ainda não está disponível a vacina para prevenir a infecção pelo HIV, e que esta permanece ainda incurável. Embora o programa brasileiro de tratamento seja reconhecido como o mais avançado do mundo, é urgente que nos detenhamos em outro aspecto da questão.

            Encantados com os nossos resultados, agimos como se a epidemia brasileira tivesse sido controlada e o HIV pudesse ser esquecido. Isto quer dizer, nobres Colegas, que o controle das manifestações da doença afrouxou as precauções necessárias para impedir a disseminação do vírus.

            O Dr. Drauzio Varella, ao comentar os primeiros 20 anos da epidemia de Aids, ilustra o seu ponto de vista especializado com o caso dos homossexuais mais jovens:

Há dez ou quinze anos, nas grandes cidades brasileiras, era difícil encontrar um homem homossexual que não tivesse perdido um amigo com Aids. O sofrimento da perda era uma advertência inesquecível para a necessidade do uso de preservativos e da redução do número de parceiros sexuais, as duas medidas preventivas clássicas. (...) Muitos dos homossexuais que iniciam a vida sexual nos dias de hoje, entretanto, não viveram os dramas da geração anterior e não vêem a necessidade de adotar as mesmas práticas. Da mesma forma, agem milhões de adolescentes heterossexuais.

            A revista Veja, de 25 de julho de 2001, analisa esse comportamento sob o título “Noites Perigosas”, em que esclarece: “O medo da Aids diminui, a prevenção afrouxa e cresce a infecção entre os gays jovens”.

            Efetivamente, nobres Colegas, não se pode negar o recrudescimento da epidemia entre os homossexuais jovens. Em 1996, os rapazes entre 15 e 25 anos representavam 8% das contaminações registradas nesse grupo. Hoje, somam 15%. Existe a ilusão de que a Aids pode ser considerada uma doença crônica com a qual podem conviver sem grandes dificuldades.

            Pode-se dizer, portanto, que está ocorrendo com a Aids o que ocorreu com o câncer. De palavra maldita e impronunciável, sinônimo de morte, está começando a ser encarada como um mal crônico, perfeitamente controlável com os coquetéis. Essa é uma perigosa miragem que precisa ser desfeita, em todos os níveis e por todos aqueles que se preocupam com a juventude deste País, sejam ou não autoridades.

            São necessárias campanhas permanentes de prevenção, dirigidas a cada grupo. Os nobres Colegas por acaso perceberam que jamais houve uma peça de esclarecimento destinado ao público homossexual pelo Ministério da Saúde? Somente agora, com o alastramento descontrolado da epidemia entre os membros desse grupo, é que o assunto começa a ser discutido.

            Segundo o sanitarista Mario Scheffer, representante da ONG Aids no Conselho Nacional de Saúde, o Brasil é modelo para o mundo todo, no que se refere à política de tratamento, mas, no quesito prevenção, ainda está bastante atrasado.

            Recentemente, a Unesco realizou uma pesquisa em 14 capitais brasileiras. Suas conclusões são interessantes em relação aos estudantes do ensino fundamental e médio, entre 14 e 24 anos de idade:

            - Os jovens brasileiros foram considerados precoces quanto ao início da vida sexual: em média, pouco mais de 14 anos para os rapazes e de 15 anos para as moças;

            - A maioria dos participantes de programa de prevenção têm mais atitudes de sexo seguro: usam preservativo, limitam o número de parceiros e evitam o sexo com profissionais.

            É claro que a exposição dos jovens a atividades de prevenção desenvolvidas nas escolas provoca mudanças em suas atitudes. Acredito que seja essa uma das melhores soluções em termos preventivos.

            Entretanto, concordo com o Presidente do Centro de Recuperação Sexual, Sr. Roberto Pereira, que coordena o fórum de ONGs que tratam de Aids no Estado do Rio de Janeiro. Considera ele que as conclusões da Unesco são excessivamente otimistas. Basta observar que o número de jovens grávidas aumenta a cada dia. O jovem faz parte de um universo muito maior do que a esfera escolar. É preciso, também, alcançar aqueles que estão fora da escola, através de campanhas direcionadas a públicos específicos.

            Dados do Boletim Epidemiológico, divulgado pelo Ministro da Saúde, José Serra, no início deste mês, informaram que o número de casos de Aids notificados no Brasil aumentou em 3,3% entre dezembro e março últimos. A maioria das contaminações ocorreu por via sexual e quase metade entre heterossexuais. Na opinião do Ministro, a sociedade deve ser alertada porque prevalece o folclore de que a Aids é doença ligada a homossexuais e usuários de drogas. Serra considera também que o grau de desinformação é maior entre os jovens.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acredito que as autoridades estejam no rumo certo e que, em breve, o mundo aplauda o Brasil pelos bons resultados de nossas campanhas de prevenção. Até lá, nobres Colegas, precisamos permanecer atentos, porque velar pela juventude brasileira é uma das nossas tarefas mais importantes. Assim, estaremos preparando o futuro do Brasil.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

            


            Modelo17/18/248:33



Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/09/2001 - Página 22006