Discurso durante a 119ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários às denúncias de irregularidade na utilização de recursos do Programa Bolsa-escola do governo federal, destinados aos Estados do Ceará, Alagoas e Minas Gerais.

Autor
Carlos Patrocínio (S/PARTIDO - Sem Partido/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Comentários às denúncias de irregularidade na utilização de recursos do Programa Bolsa-escola do governo federal, destinados aos Estados do Ceará, Alagoas e Minas Gerais.
Aparteantes
Edison Lobão.
Publicação
Publicação no DSF de 25/09/2001 - Página 22598
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REGISTRO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, DESVIO, RECURSOS, PROGRAMA, RENDA MINIMA, VINCULAÇÃO, EDUCAÇÃO.
  • ANALISE, CRITICA, ESTADO DO CEARA (CE), ESTADO DE ALAGOAS (AL), ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), FAVORECIMENTO, GRUPO, REPUDIO, INJUSTIÇA, DISTRIBUIÇÃO, RECURSOS, PROGRAMA, RENDA MINIMA, VINCULAÇÃO, EDUCAÇÃO, MOTIVO, EXCLUSÃO, POPULAÇÃO CARENTE.
  • DEFESA, RESPONSABILIDADE, MUNICIPIOS, FISCALIZAÇÃO, RECURSOS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CARLOS PATROCÍNIO (Sem Partido - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo a tribuna do Senado Federal para lamentar fatos que vêm acontecendo neste País.

            Por ocasião da votação da Proposta de Emenda à Constituição que propugna a erradicação da pobreza em nosso País, tive a oportunidade de dizer, desta tribuna, que a minha grande preocupação era com relação à distribuição desses recursos oriundos da Proposta, se seria uma Comissão, um Ministério ou algum Conselho. Propunha até que esses recursos fossem distribuídos pela Igreja, instituição que ainda merece o respeito do povo brasileiro.

            Sempre receei a pulverização dos recursos nesses longos caminhos, da fonte até a sua atividade-fim, conforme tem acontecido neste País. E o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso vem, embora de maneira ainda muito incipiente, procurando implementar políticas voltadas para a erradicação da pobreza e do trabalho infantil por meio de vários programas, como o PET - Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, o Bolsa-Escola e, mais recentemente, o Programa Bolsa-Alimentação.

            Leio no jornal Folha de S.Paulo de hoje: “Bolsa-Escola beneficia apadrinhados de políticos”. É por isso que estou aqui a lamentar que o meu temor, mais uma vez, se transforme em realidade. Sabemos de quantos Municípios que estão sem receber os recursos do FNDE relativos à merenda escolar, porque os Srs. Prefeitos não prestaram a conta devida dos recursos expendidos para essa finalidade ou malversaram ou mudaram a finalidade deles. E a primeira conseqüência é que o MEC - Ministério da Educação, bloqueia todos os recursos direcionados para esse ou aquele Município.

            Mas, por meio de denúncias de particulares, de radialistas, de vereadores, tomamos conhecimento, hoje, de que o Bolsa-Escola está beneficiando apadrinhados de políticos. Nos Estados do Ceará, Alagoas, Minas Gerais, estão dirigindo os parcos, os míseros R$15,00 por estudante a pessoas que não precisam desses recursos. É o caso, por exemplo, de Juatuba, em Minas Gerais, onde metade das crianças ficou de fora do programa. Há famílias com renda mensal de R$60,00, com seis filhos na escola, que não foram atendidas. No entanto, um dos beneficiados tem carro, casa própria e até antena parabólica.

            Os pagamentos desse programa, Sr. Presidente, começaram em junho, em alguns municípios. Esse programa paga R$15,00 por criança, para famílias com renda mensal de até R$90,00 por pessoa e, no máximo, para três crianças na escola.

            O Governo está planejando investir 1.7 bilhão para atender 10.7 milhões de crianças de 5.8 milhões de famílias neste ano. Quem seleciona essas crianças são as prefeituras. Aí começa o “jogo-do-empurra”. Pergunta-se, então, porque algumas crianças necessitadas, de famílias reconhecidamente paupérrimas, não alcançavam o benefício. Começa, então, o jogo de empurra. Alguém culpa o Prefeito, que culpa a Secretária da Educação, que culpa o MEC, onde o programa é totalmente desburocratizado, não havendo necessidade nem de comprovação da renda mensal das famílias envolvidas. Sabemos, Sr. Presidente, que os programas devem ser desburocratizados, mas acaba havendo desvirtuamento no emprego dos recursos.

            Ouvido sobre as irregularidades, o Secretário do Programa Nacional Bolsa-Escola, Dr. Floriano Pesaro, mandou suspender o pagamento dos benefícios e anunciou o envio de uma equipe de auditoria à cidade. O primeiro passo foi bloquear o pagamento. A Prefeitura de Carneiro, no Ceará, arranjou uma forma sui generis para completar o número máximo de três crianças por família. A Secretaria da Educação cadastrou crianças de duas ou três famílias sob a responsabilidade de apenas uma mãe, extrapolando o número de crianças. Trata-se de uma fraude, evidentemente - não sei se bem intencionada; talvez não. Tendo identificado a fraude, o MEC imediatamente bloqueou o pagamento do programa naquele Município, prejudicando todas as crianças.

           O Prefeito da cidade de Juatuba, em Minas Gerais, instado pelo Vereador Otto Barroso, respondeu: “Você sabe que esse programa é político; é eleitoreiro. É claro que a gente faz uma programação e vêm recursos para o menor número de crianças, e evidentemente que muita gente fica de fora”. Mas lá, mesmo parentes do Vice-Prefeito, do Presidente da Câmara de Comerciantes e até de advogados tiveram acesso aos parcos R$15, para que pudessem engordar os seus orçamentos familiares.

           Uma senhora, perguntada sobre a sua renda familiar, falou que não sabia direito, até porque não ganhava quase nada. Talvez tivesse até vergonha de divulgá-la. Ela alegou que o pessoal da Secretaria mandou-a inventar um número como R$200 ou R$300. Ela, então, disse que não iria escrever valor algum, deixando que os funcionários o fizessem. Resultado: mãe de uma prole grande ficou sem nenhum centavo do Programa Bolsa-Escola.

            Sr. Presidente, essa também é uma maneira de terrorismo. Estamos vendo hoje o mundo abraçar a causa dos Estados Unidos, numa luta incansável contra o terrorismo mundial. E, conforme já tive oportunidade de ouvir de vários editorialistas renomados, deve-se estabelecer o conceito de terrorismo. Há esse terrorismo repudiado por todas as pessoas do mundo, o terrorismo que mata, que ceifa a vida de pessoas inocentes, mas existe também outras modalidades de terrorismo. Para mim, esta é uma delas: tirar o pão das crianças que morrem à mingua por este Brasil afora, das crianças desnutridas. Enquanto tenta implementar-se uma política para minimizar a pobreza desse povo, algumas pessoas ainda praticam esse tipo de terrorismo.

            Sr. Presidente, esse é o motivo da minha revolta. Tive oportunidade de falar sobre este assunto por ocasião da votação da PEC da erradicação da pobreza e já fiz um comentário a respeito dos desvios dos recursos da merenda escolar. Sabemos que o Programa Bolsa-Escola, embora seja uma medida paliativa, ajuda as crianças pobres do nosso País, diminuindo ou erradicando, se possível, o trabalho infantil. Mas estamos vendo que, a cada dia que passa, pessoas inescrupulosas - esse é o grande problema do universo hoje - atrevem-se a produzir um terrorismo dos mais insanos do mundo.

            O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. CARLOS PATROCÍNIO (Sem Partido - TO) - Concedo o aparte ao eminente Senador Edison Lobão.

            O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - A indignação de V. Exª - atrevo-me a dizer - é também de toda a Nação. Não se pode conceber que recursos destinados ao Bolsa-Escola acabem sendo desviados por interesses meramente políticos - no sentido baixo, politiqueiros. A política é a grande atividade que se pode exercer em qualquer nação. A política é o caminho, é a avenida mais larga em que se pode servir aos interesses mais legítimos do povo brasileiro. Mas a politiquice é quase infamante. Não posso também admitir, tanto quanto V. Exª, que se utilizem recursos do Bolsa-Escola, desviados criminosamente, delituosamente para utilização menor, infamante. V. Exª, desde logo, defende o Ministério da Educação, assim como eu. O Ministro Paulo Renato é correto e decente, é o criador desse programa que extraordinários resultados têm produzido ao longo de seu funcionamento. Estou seguro de que o Ministro, com ou sem o nosso apelo, haverá de tomar providências severas para localizar, identificar e punir os responsáveis por essa mazela. Os recursos do Bolsa-Escola devem servir, exclusivamente, para o aprendizado das nossas crianças, para nada mais ou menos que isso. O Bolsa-Escola é um dos programas mais extraordinários já produzidos e que brotaram da imaginação criadora do Ministro Paulo Renato. Temos de louvar o Ministro pela iniciativa e pela execução desse programa. Colaborando com S. Exª, manifestamos, tanto V. Exª quanto eu, a indignação pelo desvio de recursos ocorrido nesse programa, conforme anunciado agora por V. Exª, com a leitura do jornal Folha de S.Paulo. Fez muito bem a Folha de S.Paulo em pesquisar e denunciar os responsáveis pelo delito cometido. Cumprimento V. Exª pela iniciativa.

           O SR. CARLOS PATROCÍNIO (Sem Partido - TO) - Agradeço ao eminente Senador Edison Lobão. Aproveito para cumprimentá-lo e toda a sua família pelo enlace matrimonial de seu filho, ocorrido último sábado no Rio de Janeiro. Sei que foi um evento muito concorrido porque V. Exª merece o apreço e a consideração de todo o povo do Maranhão, de todos os Pares desta Casa e do Congresso Nacional e do povo brasileiro.

           Não pude estar presente, mas mandei minha filha como representante. Espero que os nubentes sejam eternamente felizes.

           O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Agradeço a V. Exª em nome das duas famílias.

           O SR. CARLOS PATROCÍNIO (Sem Partido - TO) - Sr. Presidente, ainda de maneira muito incipiente, o Governo Federal vem procurando introduzir essas políticas compensatórias de diminuição, de minimização da pobreza em nosso País. É verdadeiramente constrangedor vermos a fotografia de um sobrado, com garagem, com antena parabólica; seus moradores, uma senhora que recebe R$240,00 mensais, e o marido, uma aposentadoria de R$400,00 mensais, eles ainda têm um pequeno comércio. Essa senhora conseguiu duas bolsas para suas filhas do Programa Bolsa-Escola. Em contrapartida, vemos a fotografia embaixo, uma moradora de um lixão urbano, desses espalhados nas periferias das cidades, cujo barraco é feito de papelão e algumas madeiras, certamente achadas no próprio local onde mora, e que não conseguiu a bolsa-escola para seus filhos.

            Deploramos essas injustiças, nobre Senador Edison Lobão, no momento em que se discute um combate assaz incansável ao terrorismo no mundo. Fatos como esse ainda ocorrem mesmo depois de se tentar descentralizar todas as ações de Governo. Sabemos que em cada Município há os Conselhos Municipais, e, no caso, o da Educação seria o responsável para fiscalizar a aplicação desses recursos.

            Não cabe ao Governo Federal fiscalizar, mas, sim, ao Município que recebe esses recursos. Ele tem de fiscalizar e a sua aplicação deve ser dada ao conhecimento da população, conforme fez o vereador e como fazem alguns radialistas.

            Senão, Sr. Presidente, nossos recursos, pelos quais lutamos tanto, para a erradicação da pobreza, já previstos no Orçamento do próximo ano, haverão de se perder onde sempre temíamos que se perdessem: nas mãos daqueles menos necessitados. Essas injustiças acabam suscitando a ira e o desabafo de pessoas como o Sr. Nilson Vieira dos Santos, de 31 anos, que está desempregado há meses e mantém um filho na escola, mas não ganhou a bolsa-escola. Disse o Sr. Nilson: “A gente vive da ajuda dos outros. Tá uma porcaria. Cada um fala uma coisa, e não sai nada pra gente”.

            Vamos ver se conseguimos vistoriar melhor a aplicação dos recursos. Apelo ao Ministério da Educação e, sobretudo, aos Conselhos Municipais de Educação para que denunciem os descalabros e fiscalizem com rigor a aplicação desses recursos públicos.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo17/18/248:39



Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/09/2001 - Página 22598