Discurso durante a 122ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Contribuição à cultura nacional do novo Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • Contribuição à cultura nacional do novo Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa.
Publicação
Publicação no DSF de 28/09/2001 - Página 23123
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • IMPORTANCIA, LANÇAMENTO, OBRA LITERARIA, LINGUA PORTUGUESA, AUTORIA, ANTONIO HOUAISS, ESCRITOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), CONTRIBUIÇÃO, CULTURA, PAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, chegaram às livrarias, em todo o País, exemplares do novíssimo Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa. Com um total de 228.500 verbetes, o Houaiss tem 68.500 a mais do que o Aurélio e 28.500 a mais que o Michaelis. Em Portugal, o recém-lançado dicionário da Academia de Ciências tem 120000 verbetes. Volume de capa ocre, revestido de tecido de alta resistência, impermeável, com baixos-relevos, serigrafias e letras douradas, o dicionário foi impresso na Itália, pois não havia no Brasil empresa gráfica que atendesse às exigências técnicas da obra, especialmente a montagem de 3.008 páginas em um único volume de 3,8 quilos.

            Produto do trabalho, do empenho e da dedicação do filólogo Antônio Houaiss, que começou o trabalho ainda nos anos 80, o dicionário sofreu alguns contratempos na sua feitura. Depois de oito anos consecutivos de dedicação, Houaiss foi obrigado a interromper o projeto por falta de recursos. Ele só foi retomado em 1995, com a parceria da Editora Objetiva, e com captação de recursos de fontes privadas e estatais que permitiram montar uma equipe de 140 especialistas, reunidos no Instituto Antônio Houaiss, que passaram a trabalhar em tempo integral. Ao todo, foram investidos cerca de R$7 milhões. A editora pretende gastar outros R$4,2 milhões com o lançamento. O projeto inclui, também, uma versão em CD-ROM e uma versão escolar.

            Como a maioria das obras do gênero, o Houaiss foi concebido à imagem e semelhança de seu criador, um homem de imensa cultura, charme, inteligência, brilho e infindável curiosidade pelo mundo. Antônio Houaiss, um filho de imigrantes libaneses nascido no Rio de Janeiro, eleito para a Academia Brasileira de Letras, com 36 votos do quorum de 38, foi diplomata, gastrônomo, etimologista, crítico literário, enciclopedista e dicionarista, além de um notável tradutor, que levou apenas nove meses para verter ao Português a monumental obra inaugural da modernidade, o Ulisses, do irlandês James Joyce.

            A erudição, somada ao conhecimento e à tenacidade, permitiu a Houaiss escrever um dicionário que representasse sua própria visão da língua portuguesa. Ele queria uma obra que reunisse, igualmente, os vocábulos utilizados pelos grandes escritores e aqueles gerados pelo linguajar mais comum das pessoas no dia-a-dia. Não teve qualquer tipo de preconceito com os vocábulos de origem estrangeira. Estão lá, devidamente dicionarizadas, as palavras popularizadas pela internet, como “site”, “web” e “hipertexto”. Constam, também, palavras usadas nos Açores, Ilha da Madeira, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Angola, Moçambique, Macau e Timor Leste. No momento, se desenvolve uma segunda versão do dicionário, destinada ao Português de Portugal, a sair com o selo da editora Círculo de Leitores.

            Em Portugal, o projeto Houaiss recebeu apoio financeiro do Instituto Camões, do Instituto do Livro e da Fundação Gulbenkian. Esse suporte é um reconhecimento de que o “Houaiss” será o novo paradigma de conhecimento da língua portuguesa, falada por 220 milhões de pessoas em todo o mundo.

            A complexidade da elaboração da obra, os esforços empreendidos e o número de pessoas envolvidas tornam inevitável uma pergunta, Srªs. e Srs. Senadores. Por que fazer um dicionário quando já existem tantos? Qual a motivação que lançou Antônio Houaiss nessa empreitada?

            Certamente, Houaiss queria associar seu nome ao mais completo dicionário da língua portuguesa. Outros dicionários atingiram essa singularidade. O Covarrubias, na Espanha, o Caldas Aulete, em Portugal, o Johnson e o Webster nos países de língua inglesa, o Aurélio no Brasil.

            Por outro lado, a compulsão humana de listar palavras é imemorial. Os dicionários existem desde os tempos antigos. Os gregos e romanos já recorriam a eles para solucionar dúvidas e esclarecer termos e conceitos. Esses primeiros dicionários não eram organizados alfabeticamente. Apenas reuniam definições de conteúdos lingüísticos ou literários. Só no final da Idade Média foi que começaram a aparecer dicionários e glossários organizados alfabeticamente. Quando as glosas desses manuscritos latinos ficaram muito numerosas, os monges passaram a ordená-las alfabeticamente para facilitar sua localização. Nasceu aí uma primeira tentativa de dicionário bilíngüe latim-vernáculo. A invenção da imprensa, no século XV, deu novo impulso à difusão e ao uso dos dicionários.

            No Brasil, o Vocabulário Português, de Raphael Bluteau, lançado entre 1712 e 1728, é considerado a primeira tentativa bem-sucedida de edição de um dicionário da língua portuguesa. Entre os pioneiros destaca-se, porém, o Dicionário da Língua Portuguesa, de Antônio Morais Silva. Publicado em Lisboa, em 1789, foi, durante muito tempo, o melhor e o mais completo dicionário da língua.

            Entre os dicionaristas mais recentes, sobressaem-se Francisco Caldas Aulete, Carolina Michaëlis de Vasconcelos, José Rodrigues Leite e Oiticica. Na segunda metade do Século XX, destacou-se o trabalho de Aurélio Buarque Holanda Ferreira, que lançou a primeira edição do Novo Dicionário da Língua Portuguesa em 1975. A segunda edição, revisada e ampliada, é de 1986. A terceira edição surgiu no final de 1999, com o título Novo Aurélio Século XXI.

            Assim como o Aurélio, o Houaiss é um dicionário do tipo enciclopédico. Nos dicionários desse tipo, é possível encontrar informações sobre os principais assuntos científicos, humanísticos e artísticos e também sobre a vida dos mais ilustres personagens das ciências e das artes, tudo organizado por ordem alfabética.

            O Houaiss, além dos 228.500 verbetes registrados, oferece, ainda, um verdadeiro “passeio” pela linhagem evolutiva das palavras. Não tem como objetivo apenas descrever como o idioma está sendo usado pelas pessoas em determinado período da História. Na verdade, ambiciona mais, quer ser autoridade. É um dicionário também normativo, que dá parecer sobre o bom uso da língua.

            Mesmo não podendo ser comparado ao Oxford English Dictionary, com seus 615.000 verbetes, é, sem dúvida, uma obra que conseguiu chegar aonde outros dicionários de português não conseguiram. O que não significa, obrigatoriamente, que vá substituí-los.

            Os dicionários não são excludentes, mas complementares. Todos nós, que recorremos às suas páginas, sabemos que, às vezes, o significado procurado só se esclarece numa nuance sutil, mencionada por uma obra e omitida por outras.

            Os dicionários são, também, reflexos fiéis do desenvolvimento cultural de um país. E a mãe de todos os dicionários, o dicionário da língua, é talvez o melhor reflexo.

            Nem só de significados vive um dicionário. Ele presta também outros bons serviços. Os mais comuns são: informações gramaticais, indicação da origem dos vocábulos, indicação de registro lingüístico ou especificação de uso, estrangeirismos e respectivos aportuguesamentos, abonações, ou seja, comprovação em textos.

            O dicionário tem, ainda, outra peculiaridade notável. É obra rigorosamente coletiva, que consome muito tempo; do contrário, seria quase só cópia, pois quem pode saber, ao mesmo tempo, biologia, química, física, geografia, mitologia, astronomia, fauna, flora, genética, religião, literatura e tantas outras especializações do conhecimento humano?

            Daí a autoria coletiva. O que em nada desmerece o trabalho do organizador ou coordenador, que imprimirá uma diretriz à obra, como fez, magistralmente, Antônio Houaiss em seu dicionário.

            É, portanto, uma grande contribuição à cultura brasileira, aos estudiosos do Português e a todos os falantes da língua, essa que já foi chamada, pelo poeta Olavo Bilac, de a “última flor do Lácio, inculta e bela”.

            Outro poeta, o mineiro Carlos Drummond de Andrade, companheiro de Antônio Houaiss, que escreveu um estudo definitivo a respeito de sua poesia, certamente não objetaria que lembrássemos os versos de “O Lutador”, a propósito do seu amigo, e de “Procura da Poesia”, a respeito da notável obra que ele nos legou:

      “Lutar com palavras

      é a luta mais vã

      Entanto lutamos

      Mal rompe a manhã”

      (..................................................................)

      “Chega mais perto e contempla as palavras

      Cada uma

      Tem mil faces secretas sob a face neutra

      E te pergunta, sem interesse pela resposta,

      Pobre ou terrível, que lhe deres:

      Trouxeste a chave?”

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.


            Modelo16/29/2412:37



Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/09/2001 - Página 23123