Discurso durante a 138ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem pelo transcurso, ontem, do Dia do Médico.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem pelo transcurso, ontem, do Dia do Médico.
Publicação
Publicação no DSF de 20/10/2001 - Página 25664
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA, MEDICO, ANALISE, IMPORTANCIA, MEDICINA, ASSISTENCIA, SOCIEDADE, CRITICA, PRECARIEDADE, CONDIÇÕES DE TRABALHO, EXERCICIO PROFISSIONAL, BRASIL.
  • ANALISE, ETICA, MEDICINA, PROMOÇÃO, SAUDE, SIGILO, PROFISSÃO, APERFEIÇOAMENTO, TECNICAS PROFISSIONAIS, ATENDIMENTO, PACIENTE.

  SENADO FEDERAL SF -

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SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, comemora-se o Dia do Médico em 18 de outubro para homenagear São Lucas, o patrono da classe. A data já era há muito tempo conhecida como o “Dia de São Lucas”, o médico e pintor que escreveu o 3º Evangelho e os Atos dos Apóstolos da Bíblia Sagrada. São Lucas nasceu na Antióquia, atual Turquia, no início do século I. Bondoso e abnegado, peregrinou por muitos lugares curando as pessoas e desafiando instituições políticas. Não conheceu Jesus, mas escreveu o Evangelho, transmitindo suas palavras. Morreu aos 80 anos. Seus restos mortais estão na Basílica de Santa Justina, em Pádua, na Itália. Sua vida é contada no livro Médico de Homens e Almas, hoje uma raridade.

            Na data em que se comemora o “Dia do Médico”, entendo que a melhor homenagem que podemos prestar a esse profissional é promover, neste plenário, uma reflexão, mesmo que breve, a respeito da ética médica em relação às demandas do mundo contemporâneo.

            A Medicina, como prática do socorro às enfermidades do homem, teve início, certamente, com o aparecimento do primeiro ser humano. Nascida num passado longínquo, era misticamente exercida por feiticeiros, pajés ou xamãs que exorcizavam os males de seus semelhantes - cujas causas entendiam ser devidas às iras divinas.

            Segundo a história da medicina ocidental, a prática médica racional iniciou-se, ainda que empiricamente, na Grécia antiga, por Hipócrates, o mestre de Cós, que conseguiu resgatar a medicina dos deuses e entregá-la aos homens.

            Dizia o Pai da Medicina: “Comprometo-me a tratar a doença sagrada - a epilepsia. Para mim ela não é mais sagrada que as outras doenças, senão que obedece a uma causa natural e a sua suposta origem divina está radicada na ignorância dos homens e no assombro que produz peculiar caráter”.

            Desde então, a medicina ocidental se desenvolveu estribada em dois pilares: o conhecimento e os valores humanos. Uma outra característica, igualmente importante, incorporada à personalidade profissional médica, refere-se à concepção ético-ideológica do exercício da Medicina, traduzida pelo ideal de servir.

            Foi dessa matriz filosófica que derivou um fazer médico caracterizado pela beneficência, o bonun facere, adotado como a prática do bem, segundo o “saber” e a “razão” profissional. De igual modo, esse ideal de fazer o bem não poderia descurar-se da observância em não produzir dano ao paciente, daí o aforismo primum non nocere, traduzindo o princípio da não-maleficência.

            São esses dois princípios da ética hipocrática - beneficência e não-maleficência - que justificaram, ao longo desses quase três milênios de prática médica, o poder médico exercido sobre o paciente.

            Essas virtudes convergem para os princípios gerais consagrados pela profissão médica: a autonomia profissional, a rejeição ao mercantilismo, o aperfeiçoamento técnico-científico, a justiça, a promoção da saúde, o sigilo profissional e o benefício incondicional do paciente.

            São essas virtudes e princípios que dão a dimensão peculiar ao profissional, configurada na relação médico-paciente, elemento indissociável, do saber-fazer médico, que se acha sustentada pela legitimidade da autoridade e do poder médico e pela confiabilidade e confidencialidade, que têm como resultante a credibilidade profissional.

            No entanto, a exponencial expansão da base do conhecimento médico-biológico, ocorrida nos dois últimos séculos, determinou mudanças significativas na práxis médica como, por exemplo, a acentuada especialização ou as alterações nas relações de trabalho, caracterizadas pela institucionalização e burocratização do trabalho médico e a evidente urbanização profissional, entre outras.

            Essas mudanças ocasionaram uma fragilização do modelo liberal da Medicina, o que enfraqueceu a sua autonomia técnica, o seu poder de decisão e a relação médico-paciente, afetando o prestígio profissional e o status do médico na sociedade atual.

            É possível perceber, no estudo das tendências atuais, a existência dos seguintes fenômenos determinantes de mudanças na prática profissional: a explosão da informação, levando a uma fragmentação do saber e ao aparecimento de novas especializações; pressões econômicas, que elevam o custo da medicina tecnológica e que, por outro lado, impõem a redução de práticas ou procedimentos médicos, com restrição da autonomia profissional; pressões políticas, representadas por modelos governamentais de saúde pública que negligenciam a formação adequada dos recursos humanos, além da ausência de política de remuneração digna a esses profissionais; forças de um mercado global ou de uma economia mundializada, com a introdução dos planos e seguros de saúde privados, além da internacionalização da prestação de serviços médicos; a crescente privatização dos sistemas de saúde, que vêm adotando o modelo de economia de mercado em praticamente todos os países, levando à intermediação do trabalho médico.

            Esses fatos refletem uma tendência geral para a desprofissionalização ou, então, uma reformulação das atuais regras profissionais dentro de uma sociedade.

            No caso da profissão médica, parece ser necessário definir aquilo que entendemos por saúde, Medicina, qualidade de vida e bem-estar. Redefinição que deve ser tanto teórica quanto prática, examinando as suas dimensões antropológicas, nos seus aspectos permanentes e nas suas perspectivas futuras.

            Neste início de século, os valores e os princípios fundamentais da civilização estão em plena revisão. Na área da Medicina, a indagação mais recorrente é como nos comportaremos em relação a questões que envolvem a vida e a morte, tais como: interrupção voluntária da gravidez e eutanásia; as condições em que é aceitável restringir as liberdades individuais de portadores de afecção mental, que constituam uma ameaça para a saúde pública; os limites éticos para a investigação científica e para a prática de procedimentos diagnósticos e terapêuticos; a resolução dos potenciais conflitos de interesse entre as práticas comerciais de setores econômicos importantes e os objetivos da política de saúde; as relações entre crescimento econômico, políticas sociais, sustentabilidade ambiental e saúde.

            Como se vê, Sras. e Srs. Senadores, a profissão médica incorporou, talvez como nenhuma outra, os dilemas e os conflitos do nosso tempo.

            Longe vai a época em que a obtenção de um diploma de Medicina significava a segurança profissional, o prestígio social e a garantia de uma vida digna.

            O glamour de outrora transformou-se em inúmeros desafios para uma categoria comprometida pelo inchaço de profissionais, cada vez menos preparados para o exercício da Medicina. Essa é uma das principais reivindicações da classe na atualidade: maior fiscalização sobre as novas escolas médicas, muitas com os malfadados cursos de “fundo de quintal”. A preocupação é justificada, afinal toda mercadoria produzida em excesso acaba perdendo a qualidade.

            Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, por situações como essa é que os profissionais convivem, infelizmente, com o aumento no número de casos de erros médicos constatados pelos Conselhos Regionais de Medicina e a banalização dos valores cobrados por consultas. E por falar em banalização, não poderia deixar de chamar a atenção da sociedade para o fato de o Governo federal pagar pouco mais de 2 reais por consulta vinculada ao Sistema Único de Saúde (SUS), quando o mínimo deveria ser de 39 reais. Obviamente, o valor de 2 reais não é o repassado para o médico, mas a quantia irrisória, por si só, caracteriza o quanto a profissão não vem recebendo a atenção que necessita.

            Esse é um recado direto não apenas para nós, parlamentares, mas para a sociedade em geral. Poucos se empenham, pra valer, no resgate do prestígio que a classe médica um dia chegou a ter. Aquela que já foi a profissão mais desejada desse País, enfrenta uma crise de identidade que assusta as pessoas que dela dependem direta e indiretamente.

            Hoje, o profissional da Medicina se vê compelido a enfrentar uma jornada desumana de trabalho em múltiplos empregos, em precárias condições técnicas e materiais e percebendo uma remuneração insuficiente para prover sua subsistência e permitir o seu aperfeiçoamento profissional.

            Além disso, é acossado, como vimos, pelas questões éticas inerentes às transformações da sociedade.

            A despeito de todas essas dificuldades, temos, em nosso País, grandes exemplos de vocações médicas, em todas as especializações e em muitas áreas da pesquisa científica.

            A esses profissionais rendo a minha homenagem, no dia de hoje. Mas enalteço, particularmente, aqueles profissionais anônimos, como muitos que conheço atuando em meu Estado, que enfrentam, diariamente, uma batalha contra a precariedade de nosso sistema de saúde e contra a própria fragilidade da vida humana.

            Ao tempo em que cumprimento esses profissionais, formulo votos para que o preceito constitucional que determina a saúde como um direito de todos e um dever do Estado se torne uma realidade neste País.

            Muito obrigado.


            Modelo16/21/248:57



Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/10/2001 - Página 25664