Discurso durante a 140ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade de mudança na orientação do Ministério do Trabalho quanto à concessão de vistos temporários de trabalho para executivos estrangeiros.

Autor
Carlos Patrocínio (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE EMPREGO.:
  • Necessidade de mudança na orientação do Ministério do Trabalho quanto à concessão de vistos temporários de trabalho para executivos estrangeiros.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 24/10/2001 - Página 25879
Assunto
Outros > POLITICA DE EMPREGO.
Indexação
  • COMENTARIO, SUPERIORIDADE, BRASIL, LIDERANÇA, GLOBALIZAÇÃO, AMERICA LATINA.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, MINISTERIO DO TRABALHO (MTB), CRIAÇÃO, DIFICULDADE, CONCESSÃO, VISTO TEMPORARIO, TRABALHO, MÃO DE OBRA ESPECIALIZADA, ESTRANGEIRO, PREJUIZO, INSERÇÃO, BRASIL, GLOBALIZAÇÃO, LIDERANÇA, AMERICA LATINA, REDUÇÃO, INVESTIMENTO, EMPRESA MULTINACIONAL, ECONOMIA NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • REPUDIO, DISCRIMINAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, AUSENCIA, PERDA, MERCADO DE TRABALHO, BRASIL, ENTRADA, MÃO DE OBRA ESPECIALIZADA, ESTRANGEIRO, DEFESA, ALTERAÇÃO, POLITICA, CONCESSÃO, VISTO TEMPORARIO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PTB - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao longo dos últimos anos, o Brasil tem conseguido assegurar uma série de condições que fortalecem sua posição natural de principal pólo latino-americano do mundo globalizado.

            Digo que se trata de uma posição natural em virtude, logicamente, da expressão de nossa economia e do nosso contingente populacional. Somos de longe, a maior economia e a população mais numerosa desta região do Planeta.

            No entanto, durante muito tempo o reconhecimento dessa liderança esteve obscurecido por persistentes problemas internos, com destaque para a fragilidade da moeda nacional, que tinha seu valor real rapidamente corroído pelo insidioso processo inflacionário.

            Hoje a estabilidade econômica e a credibilidade internacional conquistadas pelo País vieram associar-se à pujança de nossa produção e ao tamanho do nosso mercado interno como fatores de consolidação de nossa liderança. Adicionalmente a concretização do Mercosul, o desenvolvimento exponencial das telecomunicações e a facilidade dos vôos internacionais ajudam a criar essa maré extremamente favorável ao Brasil como a escolha natural das grandes companhias internacionais para sediar seus escritórios para a América Latina.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é evidente que essa posição conquistada representa uma significativa vantagem para o Brasil. Na nova economia globalizada assegurar uma posição central em uma das grandes regiões do Planeta - e,a partir dessa situação, tornar-se a sede de vultosos investimentos internacionais - constitui handicap valioso.

            Por isso mesmo, venho hoje à tribuna para alertar contra uma equivocada política que vem sendo implementada nos últimos meses pelo Ministério do Trabalho, a qual, em alguma medida, prejudica nossa inserção no mundo globalizado e nosso estratégico posicionamento regional. Refiro-me aos crescentes empecilhos burocráticos que têm sido impostos à concessão de vistos temporários de trabalho para executivos estrangeiros. Esse problema não tem recebido a merecida atenção nos círculos políticos e nos meios de comunicação e, quando abordado, na maioria das vezes o tem sido a partir de uma visão míope e mesquinha. Não se trata, contudo, em nenhuma medida, de uma questão irrelevante. Ao contrário, nossa política de concessão de vistos constitui um dos indicadores de como a economia nacional irá se desenvolver nos próximos anos. Essa política é muito importante para o País e crucial para a meta a que se propôs a cidade de São Paulo de tornar-se o centro econômico e de tomada de decisões da América Latina no mundo globalizado.

            Alguns porta-vozes de posições populistas, que beiram um nacionalismo xenófobo, andaram referindo-se de forma bastante dura a “estrangeiros que roubam empregos de brasileiros”. Esse discurso, aparentemente, influenciou a política de concessão de vistos conduzida pelo Ministério do Trabalho.

            Cabe questionar, contudo, o que há de concreto por trás do discurso fácil e inconseqüente. Vamos, portanto, aos números: no ano passado, 654 executivos de multinacionais receberam vistos para trabalhar no Brasil. No corrente ano, estima-se que o número deva chegar a mil. Pois bem. O que representa isso no contingente global da força de trabalho no País? Não mais do que míseros dois milésimos por cento da nossa força de trabalho! E esse número torna-se ainda mais significante no contexto de nosso mercado laboral quando se recorda que a grande maioria desses executivos vem para ficar alguns anos e depois deslocar-se para outro país, para lá continuar a exercer as suas funções.

            Outro aspecto que precisa ser mencionado, para a correta compreensão do problema, é que essas mesmas multinacionais que trazem executivos estrangeiros estão constantemente enviando os mais capazes e brilhantes brasileiros de sua equipe para ganharem experiência em outros países. Trata-se, é óbvio, de um fluxo natural, de duas mãos, extremamente benéfico para o Brasil.

            Nada obstante todas essas evidências de que estamos frente a um “assalto” ao mercado de trabalho de brasileiros, as empresas multinacionais estão enfrentando dificuldades cada vez maiores para trazer membros de suas equipes para o País. A legislação que regula a matéria não sofreu modificações, mas o processo burocrático tornou-se bem mais lento. O procedimento que deveria estar resolvido em algumas poucas semanas, agora demanda meses até a sua solução final.

            E, aqui, não podemos nos iludir: quando as empresas chegam à conclusão de que, efetivamente, não podem trazer para cá, em tempo hábil, o pessoal de que necessitam, a conseqüência lógica, para seus planejadores estratégicos, é incluir esse aspecto na avaliação geral de custos e benefícios que determina a localização de novos investimentos.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esse problema afeta indistintamente as empresas multinacionais que têm negócios no País. É particularmente grave, contudo, para aquelas organizações que desejam ter o Brasil como base de suas operações para toda a região, porque, nesse caso, evidentemente, torna-se imprescindível trazer para cá quadros de mais elevado posicionamento hierárquico.

            Estamos frente a uma triste ironia: durante décadas, o Brasil ressentiu-se da atitude de companhias internacionais que instalavam seus escritórios para a América Latina em Miami ou em Buenos Aires. Reclamava, com razão, que decisões essenciais para as operações das filiais brasileiras e para a economia nacional estivessem sendo tomadas bem longe do território pátrio. Agora, quando as condições socioeconômicas conspiram para atrair essas empresas para o Brasil, somos nós que criamos dificuldades burocráticas injustificáveis para sua instalação.

            Ora, se os executivos regionais não conseguem se transferir facilmente para os seus locais de trabalho, as vantagens de que atualmente dispomos ficam seriamente abaladas e esses escritórios tenderão a ser transferidos para outros locais. Vários são os casos de empresas que, neste momento, realizam grandes investimentos no País e estão sendo gravemente afetados por atrasos burocráticos na concessão de vistos, que são de caráter temporário. Cabe perguntar: essa política corresponde ao melhor interesse do Brasil?

            Precisamos atentar ainda para a situação particular da cidade de São Paulo, a metrópole que funciona como uma autêntica locomotiva da economia nacional. São Paulo reúne, como se sabe, um amplo espectro de vantagens comparativas: mão-de-obra especializada em abundância, educação superior de alto padrão, diversificado setor financeiro de nível mundial, vibrante vida cultural. Por tudo isso, a região metropolitana de São Paulo constitui a escolha natural para sediar a maioria das empresas com atuação continental e, por via de conseqüência, todos os empregos por ela criados direta e indiretamente. Nessa medida, a cidade de São Paulo, em particular, tem muito a perder com essa política de visão míope e estreita, que cria dificuldades à transferência de executivos. A Câmara Americana de Comércio de São Paulo tem alertado para a existência de várias opções regionais baseadas na cidade que vêm enfrentando sérios obstáculos ao desenvolvimento dos seus negócios por conta desse problema.

            Não tenho assento neste plenário na condição de representante do Estado de São Paulo. No entanto, reitero que a metrópole, motivo de orgulho para todos os brasileiros, desempenha papel de locomotiva de nosso desenvolvimento econômico. É ela, indiscutivelmente, a cidade brasileira que reúne os melhores atributos para conquistar essa posição de centro econômico e de tomada de decisões da América Latina no mundo globalizado. Portanto, é dever de todo homem público brasileiro apoiar a aspiração paulistana de consolidar essa posição.

            De resto, a política restritiva na concessão de vistos temporários de trabalho para os altos executivos de empresas multinacionais é particularmente prejudicial para a cidade de São Paulo, mas também é nociva para o País como um todo. Lembremos que o Governo anuncia em breve a criação da Agência de Promoção ao Investimento Estrangeiro, uma iniciativa da maior importância que constitui, com certeza, uma das prioridades do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Não faria sentido algum, todavia, despender um grande volume de recursos públicos para atrair investidores estrangeiros se, ao mesmo tempo, pratica-se uma política que sugere que os executivos estrangeiros não são bem-vindos. Afinal, seria muita ingenuidade supor que uma empresa estrangeira irá investir centenas de milhões de dólares no Brasil sem enviar para cá uma parte da sua própria equipe.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o desenvolvimento da ciência, da tecnologia e das forças produtivas gerou um novo mundo, onde as fronteiras nacionais não representam mais limites às transações econômicas. Qualquer soma de dinheiro pode ser transferida de um lado a outro do planeta, mediante o simples pressionar de uma tecla. Os produtos disponíveis no mercado interno de um determinado país são originários das mais diversas localidades e, muitas vezes, são montados a partir de componentes também, por sua vez, oriundos de vários países.

            Isso é um dado da realidade. A globalização é um fenômeno concreto e consolidado, contra o qual somente os ingênuos ou os mal intencionados podem pretender insurgir-se. O único caminho que corresponde aos interesses nacionais é buscar, dentro desse novo contexto, a melhor e mais vantajosa inserção para o Brasil.

            O mundo moderno não tem mais lugar para xenofobias paranóicas. Os problemas de nosso mercado de trabalho não são causados pela vinda de altos executivos estrangeiros para ocupar cargos de direção em suas empresas. A política de dificultar a concessão de vistos para executivos de companhias internacionais representa um verdadeiro “tiro no próprio pé”, um “gol contra” os interesses do Brasil.

            Por isso, encareço ao Ministério do Trabalho, a seu dinâmico e competente titular, Ministro Francisco Dornelles, que adote uma postura de maior flexibilidade na concessão desses vistos.

            O Sr. Lauro Campos (Bloco/PDT - DF) - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PTB - TO) - Concedo um aparte, com muita honra, ao eminente Senador Lauro Campos.

            O Sr. Lauro Campos (Bloco/PDT - DF) - Nobre Senador Carlos Patrocínio, eu gostaria de poder fazer uma breve comparação entre a forma de inserção do Brasil na globalização - que, para mim, é um fenômeno que existe há mais de dois milhões de anos, desde que a inquietude humana o trouxe para a sua fase nômade - e aquela que o Japão adotou a partir e 1863, quando três daimyos, senhores feudais, entregaram todas as suas terras ao Governo e promoveram uma reforma, uma restauração Meiji, que, entre outras coisas, sem revolução burguesa, criou uma burguesia no Estado. Foi o Estado feudal japonês quem criou a burguesia japonesa e, a partir daí, uma série de reformas inteligentes permitiram que o Japão alcançasse, há pouco tempo, o nível de segunda maior renda per capita do mundo, ultrapassando os Estados Unidos.

            Não apenas a reforma agrária como também a de 1870 e a reforma monetária, a inflação e o seu combate, a constitucionalização por meio de uma cópia da Constituição alemã. Embora, em 1514 já estivesse chegando lá o Padre São Francisco Xavier, o Japão não recorreu a nenhum técnico estrangeiro, a não ser àqueles que escolheu, pagando a peso de ouro. Foi muito diferente sua forma de inserção e de absorção da tecnologia mais elevada do mundo. Mandaram técnicos para estudar a grande revolução da química ocorrida na Alemanha, no final do século XIX, trazendo-os de volta ao país juntamente com outros que implantaram o capitalismo industrial de alta tecnologia. Obviamente não consigo demonstrar nesse aparte como nossa inserção é burra em relação à do Japão, feita como uma forma de reação aos ataques do Comodoro Mattew C. Perry, que chegou ao país com várias corvetas, em 1853, dando tiros sobre a população num feriado. O Japão percebeu que, contra veneno de cobra, só veneno de cobra, e se transformou radicalmente e por completo, em pouco tempo, para se defender dos Estados Unidos, que já haviam mostrado sua capacidade de ataque na mesma época em que a Inglaterra fez as duas guerras de ópio contra a China e invadiu vários países asiáticos. O capitalismo japonês foi reativo e preventivo. Parece-me que estamos entregando não apenas as companhias estatais com suas propriedades fundiárias, mas também abdicando da possibilidade de desenvolver qualquer tecnologia realmente nacional. Não me considero xenófobo, muito pelo contrário. Entretanto, parece-me óbvio que, como disse certo Ministro dos Estados Unidos, “tecnologia não se dá, vende-se, é uma mercadoria” - e caríssima, objeto de uma indústria. No tocante à R & D Research and Development, uma indústria norte-americana, 70% são financiados pelo Governo, gastando-se, apenas em pesquisa e desenvolvimento nos Estados Unidos, mais do que o total do orçamento francês. Esse fato demonstra que, para nós, é impossível alcançar esse nível de desenvolvimento tecnológico. Esse é o meu ponto de vista, que obviamente resulta de uma curiosidade de comparar o que fizemos no Brasil a nossa abertura a tudo o que é estrangeiro e externo em relação àquilo que o Japão fez - uma articulação altamente inteligente, saindo do feudalismo existente até 1863 para, 30 anos depois, atingir o nível de capitalismo razoavelmente desenvolvido. Por meio de cinco guerras, inclusive, conseguiu também no setor de armas, desenvolver uma tecnologia elevada. Muito obrigado, Excelência.

            O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PTB - TO) - Eminente Senador Lauro Campos, evidentemente sou eu quem agradece a V. Exª e, se mais tempo houvera, teríamos uma aula brilhante do eminente Senador Lauro Campos, que é um catedrático de Economia da Universidade de Brasília, um eterno estudioso dos problemas econômicos do nosso País, conhecedor, como poucos, do desenvolvimento dessas nações, do processo como elas se desenvolveram.

            Também penso como S. Exª quanto à globalização, que é um fenômeno mais recente, mais moderno - na época citada por V. Exª ainda não existia a palavra “globalização”. Tal fenômeno veio, evidentemente, com o avanço das telecomunicações do mundo inteiro, conforme eu disse aqui hoje. Com um aperto de botão, hoje é possível depositar uma importância significativa de dólares num paraíso fiscal, e isso é algo recente. Evidentemente, o Japão e outras nações mais desenvolvidas puderam prescindir de inteligências outras. Sou como V. Exª, também não entendo que a globalização seja benéfica para as nossas nações emergentes não; muito pelo contrário, sempre considerei a globalização como o novo modelo de capitalização, de colonização através do desenvolvimento científico, tecnológico que se injeta nessas outras nações. Mas é um fenômeno inexorável, eminente Senador Lauro Campos, que já veio e está aí, agora cabe a nós nos defendermos dela. É exatamente por isso que sempre preservei a geração de emprego e renda no nosso País, e estou questionando essa demora na concessão do visto, ainda que temporário, aos grandes executivos das empresas multinacionais que vêm para o nosso País.

            O Brasil escolheu a globalização como regime a ser implantado doravante. Poderemos mudar isso algum dia. Já escolhemos o liberalismo e o neoliberalismo, privatizamos as nossas grandes empresas e as entregamos ao capital internacional. É necessário que permitamos que esses executivos venham tomar conta de nossas empresas, até para trazer algum know-how, algum conhecimento científico e tecnológico que detenham a mais do que os nossos compatriotas.

            Eminente Senador Lauro Campos, fiz um discurso, outro dia, em que lamentava a perda dos cérebros brasileiros, dos cientistas que formamos aqui e que vão para o exterior, por não conseguirem o emprego e a colocação que merecem.

            Agradeço muito a participação de V. Exª, que nos deu uma verdadeira aula, mas quero solicitar ao Ministério do Trabalho que facilite esses vistos temporários, porque são pessoas que vêm cuidar das suas empresas ou, às vezes, das nossas, e trazer conhecimentos científicos e tecnológicos mais avançados.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo17/18/248:28



Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/10/2001 - Página 25879