Discurso durante a 142ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Premência na dotação de instrumentos legais para regulamentar o acesso ao patrimônio genético brasileiro

Autor
Carlos Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MT)
Nome completo: Carlos Gomes Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Premência na dotação de instrumentos legais para regulamentar o acesso ao patrimônio genético brasileiro
Publicação
Publicação no DSF de 26/10/2001 - Página 26092
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • DEBATE, BRASIL, MUNDO, NECESSIDADE, LEGISLAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, ACESSO, BIODIVERSIDADE, COMBATE, CONTRABANDO, RECURSOS, GENETICA, AUTORIA, EMPRESA MULTINACIONAL.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, NEGLIGENCIA, BRASIL, APROVEITAMENTO, BIODIVERSIDADE, ESPECIFICAÇÃO, PRODUÇÃO, MEDICAMENTOS.
  • DEFESA, AUMENTO, PESQUISA CIENTIFICA, VIGILANCIA, FISCALIZAÇÃO, IMPLEMENTAÇÃO, CONVENÇÃO INTERNACIONAL, ANALISE, MEDIDA PROVISORIA (MPV), PROJETO DE LEI, REGULAMENTAÇÃO, MATERIA, EXPECTATIVA, URGENCIA, TRAMITAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CARLOS BEZERRA (PMDB - MT) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os meios de comunicação brasileiros, notadamente os jornais, têm nos alertado, até com alguma insistência, sobre os riscos que estamos correndo em relação à conservação da nossa biodiversidade e, sobretudo, em relação aos nossos direitos sobre essa biodiversidade.

            No mês passado, como tivemos conhecimento, realizou-se em Genebra encontro com representantes de diversos governos para definir regras de acesso aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais. Na ocasião, o brasileiro Roberto Castelo, vice-diretor da Organização Mundial de Propriedade Intelectual - OMPI, defendeu a elaboração de leis internacionais específicas que contemplem a situação dos países em desenvolvimento e a das comunidades indígenas, visando a um processo de globalização mais simétrico.

            Nas atuais condições de ausência de regras mais definidas, segundo destacaram Castelo e outros participantes da reunião, tem sido comum a apropriação de recursos genéticos, sem que a comunidade ou o país expropriado sequer tome conhecimento do fato.

            Enquanto dirigentes e especialistas discutiam o acesso aos recursos genéticos e os direitos sobre eles, os periódicos nacionais salientavam o avanço das multinacionais sobre esse patrimônio em nosso território, não raro com lances de verdadeira rapinagem.

            Essa situação, Sras. e Srs. Senadores, decorre de conhecidas deficiências na legislação brasileira e, também, nos códigos internacionais sobre o assunto, coadjuvadas por ineficiente fiscalização das atividades na área e por ausência de repressão ao contrabando de material genético.

            Em sua edição do dia 29 de abril, a Folha de S. Paulo traz ampla reportagem sobre essa matéria, inquirindo logo nas primeiras linhas: “Que país é este que disputa o mercado de aviões com o Primeiro Mundo e não consegue tirar proveito de sua ‘horta’?”.

            A “horta” a que se refere o periódico é nada mais nada menos que o maior patrimônio de biodiversidade do planeta. Calcula-se, conforme relata a reportagem, que somente a Amazônia concentra 20% das 250 mil espécies de plantas de todo o mundo. Esse patrimônio genético compreende ainda uma quantidade quase incalculável de insetos, de animais de porte variado e de microorganismos, capazes de despertar a cobiça de laboratórios do mundo inteiro.

            Temos em vigor uma Medida Provisória concernente ao assunto que precisa ser debatida e votada pelo Congresso Brasileiro e que, obviamente, deve ser aperfeiçoada, a exemplo de outros dispositivos da nossa legislação ambiental. No entanto, nossa fragilidade não se resume às imperfeições do aparato jurídico. Estende-se também à ineficácia do controle da atividade legal, assim como ao combate à biopirataria.

            Não se trata aqui, absolutamente, de defender a xenofobia. Aliás, o Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, já deixou claro que “não podemos ser xenófobos, mas precisamos garantir que o Brasil não seja lesado”.

            O fato é que, enquanto não aprimorarmos nossa legislação e não combatermos as ações de pirataria, estaremos correndo o risco de perder o controle sobre nosso patrimônio genético. Na Amazônia, já há alguns anos, vem sendo desenvolvido um novo tipo de turismo, conforme revelou o jornal O Globo. De acordo com o periódico, agências especializadas em bioturismo oferecem excursões em barcos dotados de bibliotecas especializadas, tendo biólogos como guias, para que o turista possa explorar a biodiversidade da região. Dada a precariedade da fiscalização, esse tipo de turismo, muitas vezes, dá margem ao contrabando de material genético.

            Algumas entidades e empresas estrangeiras mantêm convênios regulares com órgãos públicos e associações de pesquisas brasileiras. Embora os termos desses acordos mereçam acurada análise, o que mais preocupa é a ação pirata. De qualquer forma, o Brasil não está sabendo tirar proveito dessa imensa riqueza, que, somente na área de produção farmacêutica fitoterápica, movimenta um mercado de 20 bilhões de dólares.

            Voltando à citada reportagem da Folha de S. Paulo, de abril último, verificamos que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária tem, entre suas 10 mil formulações de medicamentos registradas, nada menos que as de 700 fitoterápicos. “A legislação brasileira sobre o assunto ficou na gaveta de 1994 a 2000 - tempo suficiente para que o mercado americano de fitoterápicos saltasse de 500 milhões de dólares para 5 bilhões de dólares por ano”.

            “O que chama a atenção - continua o periódico - é o fato de o Brasil ter passado tanto tempo sem prestar atenção ao seu próprio quintal quando o mundo todo estava de olho nele”.

            De acordo com especialistas, nossa legislação facilita a entrada de medicamentos feitos à base de plantas americanas e européias que já passaram por pesquisas clínicas no exterior. As plantas brasileiras não foram estudadas e não constam das farmacopéias. Além disso, a legislação brasileira não permite o registro de uma planta, mas apenas do seu uso ou do seu extrato, o que levou os japoneses, por exemplo, a tomarem a dianteira, patenteando a espinheira-santa, planta tipicamente brasileira utilizada no tratamento de úlcera do estômago.

            Outro exemplo é o chá ayahuasca, ao qual se atribuem propriedades curativas, resultante da decocção de dois vegetais da região amazônica. Utilizado em rituais indígenas e preparado com base em conhecimentos tradicionais, a bebida acabou sendo patenteada nos Estados Unidos.

            Nosso patrimônio genético, porém, não é cobiçado somente pelas empresas farmacêuticas. Acredita-se que as amostras levadas ilegalmente para o exterior são pesquisadas também para a produção de defensivos agrícolas e cosméticos, entre outras utilizações.

            Enquanto nos debatemos com a falta de uma política formal de controle e conservação da biodiversidade, nosso patrimônio genético corre sério risco. As ameaças não se restringem à questão das patentes, mas à sobrevivência de muitas espécies. Há alguns meses, a União Internacional para Conservação da Natureza, ao divulgar o “Livro Vermelho de Espécies Ameaçadas”, no qual listou mais de 11 mil plantas e animais que correm o risco de desaparecer, alertou que o Brasil, ao lado de Indonésia, China e Índia, encabeça a relação dos países com maior número de aves e mamíferos nessa situação.

            Todo esse quadro somente será revertido com vontade política que resulte na destinação de recursos aos pesquisadores nacionais e na intensificação da vigilância; e com o aperfeiçoamento da legislação ambiental, de forma a viabilizar especificamente os objetivos básicos delineados pela Convenção sobre Diversidade Biológica, de que somos signatários, a saber: conservação da diversidade, uso sustentável e repartição eqüitativa dos benefícios decorrentes do uso da diversidade biológica.

            No que respeita à divisão eqüitativa dos benefícios, a CDB contempla duas formas de compensação: uma, que prevê a repartição dos benefícios entre as nações que requerem o acesso aos recursos genéticos e aquelas que detêm os tais recursos; e outra, que reconhece às comunidades indígenas e locais o direito aos benefícios oriundos do uso dos conhecimentos tradicionais.

            A Medida Provisória nº 2.126, que regula essa matéria, contempla esses postulados e prevê que a autorização de acesso a espécies ou fragmentos do patrimônio genético nacional será concedida “à instituição nacional, pública ou privada, que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins”. Longe de qualquer xenofobia, a MP, que aguarda inclusão na ordem do dia do Congresso Nacional, abre espaço para instituições sediadas no exterior, interessadas em acessar tais amostras, desde que se associem a instituição pública nacional, à qual caberá a coordenação das atividades.

            Embora a legislação sobre essa matéria demande aperfeiçoamentos, cabe observar que as primeiras iniciativas nesse sentido ocorreram em 1993, com a apresentação do Projeto de Lei da Câmara sobre propriedade industrial - a famosa Lei de Patentes - e em 1995, com o Projeto de Lei do Senado nº 306, da ilustre Senadora Marina Silva.

            Após ser amplamente discutido com os mais diversos segmentos da sociedade, do empresariado e da administração pública, esse projeto, com substitutivo do nobre Senador Osmar Dias, foi aprovado nesta Casa Legislativa, e, desde junho do ano passado, tramita em Comissão Especial na Câmara dos Deputados.

            Dois outros projetos semelhantes foram apresentados nesse período. O PL nº 4.579, de 1998, do Deputado Jaques Wagner, que seria apensado ao projeto de autoria da Senadora Marina Silva, durante a tramitação na Câmara; e o Projeto nº 4.751, de 1998 (MSC 0978, na origem), do Poder Executivo, que seria retirado pelo autor em agosto do ano passado.

            Observa-se, aí, que o Executivo, provavelmente querendo agilizar a eficácia do diploma legal que viesse a regular a biodiversidade, acabou por atropelar um projeto oriundo desta Casa que já estava em tramitação na Câmara e que reunia as contribuições de setores os mais diversos, entre eles a administração pública federal.

            De qualquer forma, o projeto de autoria da Senadora Marina encontra-se em tramitação na Câmara e a Medida Provisória sobre o mesmo assunto está em vigor enquanto aguarda deliberação do Congresso Nacional. Temos, portanto, duas propostas, ambas suscetíveis de aperfeiçoamento, mas bastante razoáveis, para procedermos a uma regulamentação segura da conservação, do uso sustentável e do acesso à biodiversidade, ressalvados, evidentemente, os benefícios devidos às partes.

            O que não pode ocorrer, Sras. e Srs. Senadores, é a inércia ou a morosidade na deliberação sobre os diplomas legais que regulam essa matéria, assim como a falta de vontade política, associada à omissão administrativa, sob pena de continuarmos expostos ao permanente risco de pirataria. Entendemos que nossa ação parlamentar e os atos do Poder Executivo convergem para um mesmo fim, que é a urgente dotação de instrumentos legais para regulamentar o acesso ao patrimônio genético, viabilizando-se, em contrapartida, as condições essenciais ao desenvolvimento da biotecnologia em nosso País.

            Muito obrigado.


            Modelo17/27/245:15



Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/10/2001 - Página 26092