Discurso durante a 143ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a urgência da reforma do Poder Judiciário.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA JUDICIARIA.:
  • Considerações sobre a urgência da reforma do Poder Judiciário.
Aparteantes
Carlos Patrocínio.
Publicação
Publicação no DSF de 27/10/2001 - Página 26138
Assunto
Outros > REFORMA JUDICIARIA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, RAMEZ TEBET, AECIO NEVES, PRESIDENTE, SENADO, CAMARA DOS DEPUTADOS, URGENCIA, VOTAÇÃO, REFORMA JUDICIARIA, AUMENTO, VELOCIDADE, JULGAMENTO, PROCESSO, REDUÇÃO, CORRUPÇÃO, JUDICIARIO.
  • SOLICITAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUMENTO, SALARIO, FUNCIONARIO PUBLICO, NECESSIDADE, VIABILIDADE, CONGRESSO NACIONAL, REFORÇO, INSTITUIÇÃO PUBLICA, RESULTADO, PROGRESSO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. GILVAM BORGES (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em seus distintos ramos e instâncias, o Poder Judiciário é ou deveria ser o desaguadouro natural de grande parte dos conflitos sociais. Porém, toda vez que tentamos levar adiante uma simples reflexão a respeito do papel e da situação da justiça no Brasil, o que emerge, invariavelmente, sob o constrangimento geral dos que atuam na cena pública, é o seu contraditório, ou seja, a injustiça caracterizada sobretudo pela escandalosa ausência da justiça.

            Na verdade, para o chamado senso comum, isto é, para milhões de homens e mulheres que povoam o nosso enorme território, o Estado brasileiro apresenta-se como ente incapaz de promover, entre inúmeras outras responsabilidades constitucionais francamente deficitárias, o ideal que tem servido de guia e de inspiração para a civilização ocidental: a justiça - no sábio preceito de Ulpiano: garantir que cada um obtenha o que lhe é devido.

            Assim, prevalece na cabeça da maior parte dos brasileiros que tiveram o dissabor - e não são poucos - de se verem obrigados a buscar a prestação jurisdicional que o Estado ainda é o detentor do poder de dizer que o direito é um fantástico desencanto e uma desesperança avassaladora, ambos capazes de gerar precedentes, fundas e fundadas críticas. Elas são construídas ora pela absoluta falta dessa prestação jurisdicional ora pela extrema morosidade em sua obtenção, o que é semelhante.

            Os especialistas insistem em dizer que, entre a lesão ao direito e a sua reparação, não se deve transcorrer um lapso muito grande de tempo. A medida - enfatizam - diz respeito à eficácia da correção, à satisfação do demandante e à respeitabilidade do próprio direito. Quando se trata da morosidade - é preciso admitir - são incontáveis os casos desgraçadamente emblemáticos que condenam ao prejuízo material, ao desgaste emocional e ao sacrifício de pessoas, famílias e, eventualmente, inteiras comunidades.

            Alguns números são capazes de demonstrar cabalmente a perversa lentidão da justiça brasileira. É de 31 meses o tempo médio de tramitação de uma causa trabalhista. O prazo sobe para 38 meses quando a causa é de alçada da justiça comum e chega a surpreendente 46 meses ou quase quatro anos, em média, quando a matéria tramita na Justiça Federal do Brasil.

            Nos países desenvolvidos, o tempo médio de um processo judicial é de apenas 100 dias, ou seja, pouco mais de três meses. É curioso e perturbador viver numa sociedade que opera em tão distintas e abissais velocidades, lamentavelmente capazes de estabelecer fraturas insanáveis. Somos capazes de colocar nos lares de milhões de brasileiros os mais recentes e impactantes acontecimentos ocorridos no planeta em tempo real, isto é, no justo momento em que acontecem. No entanto, não conseguimos ainda adaptar a máquina do Estado hoje ”racionalmente enxuta e gerencialmente conduzida”, por obra e graça do Governo Fernando Henrique Cardoso, para atender prontamente as necessidades e solicitações dos milhões de cidadãos contribuintes. Trata-se apenas de mais um paradoxo do Brasil contemporâneo, que confirma nossa tortuosa e precária trajetória institucional, sempre traduzida em pesados prejuízos ao cidadão, e, de resto, a toda a sociedade nacional.

            É um paradoxo, mas também um formidável desafio para todos os servidores públicos, em especial os da Justiça - dos juízes da mais alta Corte aos simples serventuários - mas também para nós, políticos, co-responsáveis pela ação, inação, indiferença, ou mero silêncio pela situação em que se encontram hoje as instituições brasileiras.

            É certo que nesta crítica há que se considerar razões estruturais, bem como incidentais consideráveis, que vão desde a carência de quadros, decorrente da precariedade do ensino jurídico no País, até conluios, desídia e corrupção por parte dos funcionários do Estado, responsáveis pela distribuição e realização da justiça. Tenha-se em mente o que o Congresso Nacional brasileiro conseguiu evidenciar com a Comissão Parlamentar de Inquérito do Judiciário.

            Não sendo jurista e sem pretender aqui fazer as vezes de alguém versado em tão sofisticadas letras e doutrinas, como homem público é meu dever acompanhar o desempenho do Estado e de seus poderes, denunciando e cobrando mais eficiência e eficácia de seus agentes e, quando for o caso, propor medidas saneadoras.

            Pois quem tiver o cuidado de pesquisar o número de discursos e projetos a propósito do tema reforma do Judiciário e suas variações talvez fique surpreso com o volume de iniciativas nesse sentido. Aqui mesmo, no Senado, por exemplo, desde 1996, há meia década portanto, tramita resolução do Conselho de Reforma do Estado repleta de recomendações para o descongestionamento de demandas na Justiça, incluindo ainda propostas para a ampliação do acesso a esse tipo de prestação estatal. A matéria repousa, desde junho passado, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado.

            O Sr. Carlos Patrocínio (PTB - TO) - Permite-me V. Exª um aparte, eminente Senador Gilvam Borges?

            O SR. GILVAM BORGES (PMDB - AP) - Concedo o aparte a V. Exª com a maior satisfação.

            O Sr. Carlos Patrocínio (PTB - TO) - Eminente Senador Gilvam Borges, cumprimento-o pela oportunidade do seu discurso. V. Exª está citando as mazelas da prestação jurisdicional do nosso País, sempre tardia, inclusive cita os números, processos que, em média, passam quarenta e oito meses na Justiça, e faz a comparação entre aquela justiça que aqui se presta e a de outros países. Lembra V. Exª que estamos, há seis ou sete anos, tentando aprovar a Reforma do Judiciário. Tivemos a oportunidade de nos escandalizarmos com irregularidades praticadas em vários tribunais, por meio da Comissão Parlamentar de Inquérito do Poder Judiciário, que terminou com a prisão do eminente homem público, Nicolau dos Santos Neto, que passou a ser conhecido no Brasil como Juiz Lalau. Temos que agilizar a apreciação e a votação desta matéria da Reforma do Poder Judiciário. Temos que estabelecer a súmula vinculante, que vai desafogar muito, sobretudo os Tribunais Superiores - aquilo que for decidido jurisprudencialmente nos Tribunais Superiores servirá para encerrar a tramitação do processo nas instâncias iniciais da Justiça. Portanto, eminente Senador Gilvam Borges, sei que o alerta de V. Exª haverá de fazer com que apressemos e entreguemos ao País melhores condições de agilizar a nossa Justiça, a nossa prestação jurisdicional; inclusive temos acabar com esse recesso judiciário de dois meses. Não sei se isso está contemplado na reforma do Poder Judiciário, que está na CCJ, conforme assegura V. Exª, mas não vejo necessidade dessa suspensão de dois meses, embora respeite a profissão de Juiz, sei que é penosa, sei que tem que haver a tranqüilidade suficiente para que possa julgar - por exemplo, mais penosa que a de um médico, que não precisa ter mais do que 30 dias de recesso durante o ano. Portanto, comungo com as mesmas preocupações de V. Exª e o cumprimento por estar chamando a atenção para a necessidade de agilização da votação desta matéria no âmbito do Senado Federal.

            O SR. GILVAM BORGES (PMDB - AP) - Senador Carlos Patrocínio, incorporo o aparte de V. Exª ao meu pronunciamento, agradecendo-lhe a associação, V. Exª que é aqui uma grande representação do Estado do Tocantins.

            Como disse, a matéria repousa, desde junho passado, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal. Com certeza, o eminente Senador Bernardo Cabral, que com invulgar competência preside a nossa CCJ, dará rápido curso a tão importante tema, de interesse evidente de todos os brasileiros.

            Aliás, o Senador Bernardo Cabral, como jurista e homem público atento e responsável, trata agora de coligir e consolidar em um único projeto todo o conjunto de propostas a respeito da Reforma do Judiciário, em tramitação nesta Casa. E é ótimo que assim seja, pois a despeito de todas as iniciativas e de todos os discursos, a percepção de alguns atores representativos que atuam no mundo do direito é de puro ceticismo. Ouça-se por exemplo Reginaldo de Castro, ex-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que afirma, sem titubear, que o Estado brasileiro se acostumou a viver com a Justiça lenta, com uma morosidade que interessaria aos governantes mal-intencionados. Já o Vice-Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Cláudio Maciel, acredita que o projeto de reforma que tramita no Congresso Nacional tem mínimas chances de tornar a Justiça mais ágil.

            São vozes autorizadas que simplesmente não crêem na possibilidade de o País dispor, a curto prazo, de uma Justiça à altura da dinâmica social contemporânea. Uma sociedade que se torna mais complexa, a partir do momento em que ingressamos naquilo que os meus colegas sociólogos costumam chamar de era dos direitos. Como sabemos, nessa era é intensificado o conjunto de prerrogativas do cidadão, o que produz um crescimento consistente das demandas. Com a extrema burocracia do aparelho judicial, o elevado número de recursos, agravos e medidas protelatórias, atualmente facultados às partes, tem-se a instauração de um virtualmente insuperável estrangulamento do sistema.

            Portanto, o que espero e postulo, Sr. Presidente, é que com o nosso trabalho conjunto, de uma vez por todas, consigamos desmentir os prognósticos pessimistas, os céticos, que, soldados à tradição, acabam não divisando o novo. Assim, poderemos dotar o Brasil de um Poder Judiciário independente, qualificado e competente, apto, enfim, a responder com presteza e exação às crescentes necessidades de toda a sociedade. Esse objetivo, que consolidará como seu produto mais relevante um País melhor e mais harmônico, é perfeitamente alcançável. Não temos aqui nenhuma nova utopia. Para tanto, basta intensificar o nosso diálogo com a sociedade e, então, com determinação, faremos prevalecer a vontade comum.

            Sr. Presidente, não podemos só fazer críticas. O Congresso Nacional é a Casa da demanda da Nação brasileira, é a Casa do apedrejamento, mas é também a Casa onde se fazem as leis. Se a reforma do Judiciário ainda não chegou, se a reforma política ainda não chegou, se a reforma tributária ainda não chegou, é responsabilidade nossa, sim. Antes de acusarmos o Judiciário, antes de acusarmos o Executivo, precisamos compreender que tudo isso é de responsabilidade desta Casa de leis.

            Apelo, neste momento, ao Presidente Ramez Tebet para que, juntamente com o Presidente da Câmara dos Deputados, viabilize de imediato uma agenda de trabalho positiva, uma agenda ágil, para que possam ir ao encontro do Presidente da República e colocar esse item em pauta, com urgência. Já são mais de 20 anos de discussão, e o Senador Nabor Júnior sabe perfeitamente que estamos aqui conclamando o Congresso Nacional a corrigir as distorções e dar rumo às reformas.

            Se o Judiciário é lento, lerdo e, de uma certa forma, travado, não é sua culpa. A culpa é nossa, Sr. Presidente, e temos que assumir isso. Tenho certeza de que a reforma do Judiciário dará rumo, abalizará e garantirá a democracia, ou seja, dará sustentação à vitalidade da sociedade brasileira na forma de garantia de seus direitos constituídos.

            A culpa não é do Judiciário, nem do Executivo, mas do Senado Federal, do Congresso Nacional, porque enquanto as discussões banais, as discussões acerca das trivialidades administrativas proliferam no Parlamento, as necessidades urgentes das reformas ficam atrasadas. Fazemos as leis; por isso, devemos conclamar as instituições e a sociedade civil organizada para intensificar ainda mais essas discussões. Foram precisos 20 anos de discussão no Congresso Nacional para implementarmos apenas a reforma administrativa. Temos um Parlamento fraco, e a nossa fraqueza não está somente em procurar objetivar para sanear essas dificuldades que a sociedade brasileira atravessa. O Brasil precisa se ajustar.

            Faço, portanto, este apelo ao Senador Ramez Tebet e ao Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Aécio Neves. E faço um apelo também ao Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, que terá o seu Governo marcado na história não só pelo plano econômico, mas também por ter iniciado o processo de reforma e de ajuste do Estado e das suas instituições. Mas precisamos disso com urgência, pois estamos apenas na metade do caminho: não tivemos a reforma tributária; o Judiciário é criticado; o Legislativo é lerdo, lento e incompetente, não sei se pela própria vontade.

            Meu Deus, o que está faltando neste País?! O Congresso Nacional é o assento da voz do povo: o Senado Federal tem os representantes do Estado; e a Câmara dos Deputados, os representantes do povo brasileiro. Pelo amor de Deus, o que está faltando para este País avançar? Cobram-se posições do Parlamento, e elas devem ser atendidas.

            Sinceramente, meus Colegas, tenho ficado muito tempo olhando e ouvindo, inclusive tenho falado pouco, mas me revolta quando, em certos momentos, reformas tão cruciais, tão importantes... Precisamos pagar muito bem os nossos juízes, seus funcionários. O Congresso Nacional é uma vergonha: os servidores estão sem aumento, sem atenção. A sociedade precisa saber quanto ganha um Parlamentar. O Senador Nabor Júnior sabe disso. S. Exª olha para mim, porque sabe que o que estou falando não é brincadeira: um Parlamentar ganha R$4,8 mil.

            O SR. PRESIDENTE (Nabor Júnior. Fazendo soar a campainha.) - Senador Gilvam Borges, gostaria de comunicar a V. Exª que o seu tempo está esgotado, e ainda temos vários oradores para falar nesta sessão. Eu pediria que V. Exª concluísse o pronunciamento.

            O SR. GILVAM BORGES (PMDB - AP) - Concordo com a apreensão de V. Exª, porque a sua preocupação é realmente a de garantir o Regimento Interno, mas quando olho para este plenário e vejo essas cadeiras, tento intensificar para chamar os companheiros para que aqui venham, porque precisamos trabalhar.

            Vou encerrar o meu pronunciamento, Sr. Presidente, fazendo um apelo ao Presidente Fernando Henrique, por quem temos uma estima muito grande pelo trabalho desenvolvido: há muitas providências a serem tomadas. Os policiais estão com salários defasadíssimos, portanto, abertos à corrupção. Os médicos também estão com os salários defasados. Vivemos um desastre. Precisamos corrigir esses sete anos sem aumento. Nesta Casa, vejo nossos servidores, as pessoas que fazem o Senado Federal, ou seja, seguranças, taquígrafos, técnicos, todos de cabeça baixa. Pergunto o que está acontecendo, se estão com problemas de dívidas, e respondem que sim, que estão com muitas dívidas. Gostaria que as instituições se fortalecessem na alegria e no dever, para que possamos juntos fazer a reforma do Judiciário, a reforma tributária e a reforma política, que é de todos. Precisamos cortar a própria carne, viabilizar este País, e o Congresso é a Casa das leis.

            Sr. Presidente, gostaria de falar mais um pouco, mas atendendo não a repreensão, mas o apelo de V. Exª, encerro dizendo que amo este País e que, se assim falo, é porque procuro caminhos. Quero alternativas e soluções.

            Ficaremos bem. Assim que puderes, Presidente Nabor Júnior, estende essa nossa preocupação ao Senador Ramez Tebet. Não é possível que as nossas lideranças não possam sentar e fazer com que as questões se resolvam. A responsabilidade é nossa. Aqui é o coração e o pulmão do País. Aqui é que se fazem as leis deste País. Aqui é que se gerencia este País. Portanto, Executivo e Judiciário precisam das nossas definições, com a participação da nossa sociedade.

            A todos os membros que compõem o Poder Judiciário, meus respeitos. As críticas que V. Exªs recebem no dia-a-dia da sociedade brasileira são pertinentes, mas V. Exªs não têm culpa; a culpa é nossa, porque não viabilizamos a reforma. Mas, quando chegarem aqui essas reformas, faremos todo o possível para que o Judiciário possa ter condições de trabalho, para que possa se desenvolver; para que possamos ter um Judiciário mais ágil e um Parlamento mais forte com a reforma política.

            Muito obrigado, Senador Nabor Júnior, já sei que o meu tempo está esgotado.


            Modelo17/27/247:29



Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/10/2001 - Página 26138