Discurso durante a 147ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DISCORDANCIAS AO PROJETO DE LEI DO SENADO 650, DE 1999, QUE TRAMITA NO SENADO FEDERAL, REFERENTE A QUOTAS PARA NEGROS NO ACESSO AO MERCADO DE TRABALHO E NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR.

Autor
Carlos Patrocínio (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • DISCORDANCIAS AO PROJETO DE LEI DO SENADO 650, DE 1999, QUE TRAMITA NO SENADO FEDERAL, REFERENTE A QUOTAS PARA NEGROS NO ACESSO AO MERCADO DE TRABALHO E NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR.
Publicação
Publicação no DSF de 02/11/2001 - Página 27526
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, CONFERENCIA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), OCORRENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, AFRICA DO SUL, DEBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
  • ANALISE, OMISSÃO, BRASIL, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, COMPENSAÇÃO, NEGRO, DESIGUALDADE SOCIAL, COMPARAÇÃO, SUPLANTAÇÃO, APARTHEID, PAIS ESTRANGEIRO, AFRICA DO SUL.
  • DISCORDANCIA, PROJETO DE LEI, CRIAÇÃO, COTA, CONCURSO PUBLICO, EXAME VESTIBULAR, CREDITO EDUCATIVO, DESTINAÇÃO, NEGRO.
  • DEFESA, POLITICA DE EMPREGO, MELHORIA, ESCOLA PUBLICA, OBJETIVO, AUMENTO, OPORTUNIDADE, NEGRO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PTB - TO) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, é difícil saber o que é pior: se a discriminação aberta, de cuja existência tínhamos notícia e que afetava os negros da África do Sul, por exemplo, ou o racismo velado que acoberta muitas atitudes de nossos conterrâneos brasileiros.

            O Brasil se esforçou muito, no século XX, para criar uma imagem de País que oferece todas as condições para a plena convivência inter-racial, mas é possível constatar que tudo não passa de tremenda hipocrisia! Muitas vezes, o simples fato de uma pessoa ter a pele mais escura a transforma em suspeita de crimes ou delitos dos quais não se conhece a origem.

            Há meses realizou-se a 3ª Conferência das Nações Unidas contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância Correlata, na cidade de Durban, na África do Sul. Esse encontro demonstrou as dificuldades de se chegar a um acordo com relação às medidas mais eficazes para eliminar as demonstrações de racismo ainda existentes no mundo. Um dos pontos que mais gerou polêmica durante o encontro foi o desentendimento entre judeus e palestinos no Oriente Médio.

            É preciso assinalar que o pedido de desculpas que os países africanos exigiam pelo longo período de escravização foi recusado pelas nações ocidentais, sob a alegação de que isso abriria o caminho para inúmeras ações na justiça. De qualquer forma, alguns países africanos insistem em pedidos de compensações, como indenizações, cancelamento de dívida externa e maiores investimentos no continente.

            Quanto à nossa situação, no que concerne ao racismo, para demonstrar que o Brasil “varre a sujeira para debaixo do tapete”, cito um trecho do artigo da socióloga Rosana Heringer, da Universidade Cândido Mendes, para o Jornal do Brasil do dia 6 de setembro de 2001: Apesar das muitas dificuldades estruturais, constatamos que a África do Sul, em apenas sete anos, fez muito mais para mudar a situação de sua população negra do que o Brasil, um dia chamado de democracia racial.

            Na mesma matéria, ela comenta as conquistas da população negra naquele país, esclarecendo que os sul-africanos demonstram um justo orgulho pelo sucesso do processo pacífico de transição política. Além disso, exibem sinais evidentes de que, se os negros ainda são majoritariamente pobres, a elite vem se tornando multicor. Há um poder executivo majoritariamente negro, a começar do presidente. É possível abrir as páginas de economia dos jornais e encontrar fotos de executivos e empresários negros, nos mais diferentes ramos da indústria, comércio e serviços. E há duas ministras negras, a das Relações Exteriores e a das Telecomunicações.

            A África do Sul se libertou do regime de apartheid há menos de uma década e apresenta sinais inequívocos de integração do negro, como os mencionados pela socióloga. A história conta que o Brasil libertou seus escravos negros há 113 anos, mas ainda é muito raro ver-se um negro respeitado na sociedade. Talvez se contem nos dedos aqueles que, até o momento, conseguiram impor-se na qualidade de intelectuais, políticos ou empresários. Mais comum é algum negro ascender no conceito social por sobressair-se na música e nas atividades esportivas, como o futebol.

            Agora vemos aumentar o número de defensores das “reservas” ou quotas para os negros. Para mim, essa atitude equivale a uma confirmação de que os negros são tratados como desiguais, em evidente desrespeito à Constituição Federal, que estabelece, em seu artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

            O Projeto de Lei do Senado n.º 650, de 1999, estabelece a quota mínima de 20% para a população negra no preenchimento de vagas em concursos para provimento de cargos públicos, nas instituições de educação superior das três esferas de governo (federal, estadual e municipal) e nos contratos do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior.

            Não é dessa forma que se assegurará a integração do negro na sociedade, pois, assim, ele continuará a ser tratado de forma diferenciada. Não adianta o negro ter acesso ao curso superior, se não tiver disponibilidade de tempo para o estudo, se não tiver disponibilidade financeira para pagar sequer o custo do transporte e, principalmente, se tiver de continuar trabalhando nas atividades mais baixas da escala produtiva, com a remuneração vergonhosa que conhecemos e com um nível de exigência física que não lhe deixará disposição para o aproveitamento escolar, ainda que obtenha sua vaga na universidade.

            Creio, nobres Colegas, que o negro deve estar representado nos cursos superiores, sim, mas na respectiva proporção de sua participação populacional; bem maior, portanto, que os 20% propostos. Isso, sim, é igualdade! Mas, para que se possa alcançar essa meta, é necessário melhorar substancialmente a sua renda familiar, isto é, o Governo precisa ter uma política séria de crescimento do número de empregos, e empregos qualificados que possibilitem uma renda digna para os trabalhadores e suas famílias.

            Além disso, é necessário aprimorar o ensino público fundamental e médio, que é para onde vão, em busca do saber, os menos favorecidos. Não é suficiente abrir as portas das escolas para todos, mas garantir-lhes um ensino de qualidade equivalente ao daqueles que podem pagar pela educação. Sem a realização dessa premissa, os negros continuarão em situação de inferioridade para a obtenção da almejada graduação e serão rejeitados posteriormente pelo mercado de trabalho.

            Por isso, entendo que não adianta garantir, por meio de texto legal, uma forma de ascensão, cuja concretização continuará sendo uma incógnita. Aliás, a conclusão do curso nunca servirá como garantia para a contratação profissional, mesmo quando demonstrada a devida competência, pois há que ser levada em conta a postura do contratante em relação à cor da pele.

            Tomamos conhecimento de um caso chocante através do Jornal do Brasil. Segundo a matéria, o advogado carioca Deodato Vital dos Anjos, procurador municipal licenciado de Niterói, foi aprovado em concurso público para o cargo de juiz do Estado do Espírito Santo, mas foi preterido em razão da cor, tendo havido, inclusive, uma manifestação do desembargador Feu Rosa a respeito da atitude de seu colega acusado de discriminação racista, nos seguintes termos: Existe no subconsciente, no inconsciente, na mentalidade do brasileiro, uma repugnância nata contra o negro que vem dos nossos ancestrais, considerando-o ainda escravo, inferior.

            Se tal comportamento discriminatório parte de um desembargador, personalidade que deveria demonstrar o maior respeito, dignidade e reconhecimento dos direitos e da igualdade entre os homens, o que não poderemos esperar do comum da população?

            Por isso é que eu não me convenço de que o projeto de lei que tramita no Senado e que assegura quotas para os negros terá o condão de garantir-lhes a igualdade no acesso ao mercado de trabalho e a uma sobrevivência digna.

            É necessário, antes e acima de tudo, uma mudança completa nos padrões sociais que conhecemos; nas atitudes dos privilegiados; no tratamento, que deve ser igualitário, perante os fatos sociais e nas questões de justiça que envolvam negros; em situações de concorrência na busca de empregos, quando envolve competição com pessoas de pele mais clara; e no ensino de qualidade desde os primeiros anos de vida. Somente assim, os negros poderão chegar à idade universitária em igualdade de condições para concorrer e assegurar as vagas proporcionais à sua participação populacional, seguramente bem mais do que os 20% propostos no projeto de lei em tramitação.

            Tenho certeza de que é necessário muito mais do que a vontade do legislador para acabar com o racismo latente em nosso País, mas, sem dúvida, nós parlamentares temos um papel muito importante a desempenhar, na qualidade de líderes, ao considerarmos as mudanças que possam representar o fim da exclusão ou da discriminação.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


            Modelo17/18/248:31



Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/11/2001 - Página 27526