Discurso durante a 166ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca do Relatório final da CPI do Futebol e da necessidade de indiciamento dos envolvidos em irregularidades.

Autor
Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), FUTEBOL.:
  • Considerações acerca do Relatório final da CPI do Futebol e da necessidade de indiciamento dos envolvidos em irregularidades.
Aparteantes
Alvaro Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 04/12/2001 - Página 30067
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), FUTEBOL.
Indexação
  • ANUNCIO, APRESENTAÇÃO, RELATORIO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), FUTEBOL, EXPECTATIVA, OPINIÃO PUBLICA.
  • IMPORTANCIA, INSTRUMENTO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), COMBATE, CORRUPÇÃO, REGISTRO, OBSTACULO, ATUAÇÃO, INVESTIGAÇÃO, SONEGAÇÃO FISCAL, EVASÃO DE DIVISAS, LAVAGEM DE DINHEIRO, IRREGULARIDADE, ADMINISTRAÇÃO, CLUBE.
  • ANUNCIO, PROVA, RELATORIO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), FUTEBOL, PROPOSTA, MINISTERIO PUBLICO, INDICIAMENTO, DIRIGENTE, CLUBE, PRESIDENTE, CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL (CBF), DETALHAMENTO, MODERNIZAÇÃO, LEGISLAÇÃO.
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), COMENTARIO, FRAUDE, ESPORTE.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esta semana, vamos apresentar o relatório da CPI do Futebol. Há uma grande expectativa em torno do relatório; toda a imprensa está ávida por notícias em relação aos termos do relatório, que será muito importante para o esporte brasileiro e para a sociedade como um todo, para os torcedores, para os que são afetos ao esporte e, em particular, ao futebol, esporte mais popular em nosso País.

            Como Membro da CPI, quero abordar desta tribuna algumas questões que entendo serem muito importantes. E o farei muito rapidamente.

            Desde a CPI que terminou, com o processo de impeachment de Fernando Collor, o Brasil aprendeu a ver nesse mecanismo de investigação do Congresso Nacional instrumento eficaz para a restauração de padrões éticos e morais nos mais diversos campos da vida nacional. As CPIs do Judiciário, do Sistema Financeiro e a que investigou o cartel de medicamentos são exemplos extremamente importantes para a solução de graves problemas que afligem a Nação.

            Há um ano, em 19 de outubro de 2000, instalamos a Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar fatos envolvendo entidades brasileiras de futebol. Dois dias antes, na Câmara dos Deputados, foi instalada outra, destinada a apurar irregularidades no contrato celebrado entre a CBF e a Nike. Ambas com uma intenção: retirar o futebol brasileiro da crise e do descrédito.

            Matéria do New York Times destaca a CPI do Futebol como exemplo de que o Brasil não mais aceita a corrupção generalizada da qual foi vítima em passado recente e está investigando o futebol nacional, verdadeiro símbolo do País, até então acima de qualquer controle.

            Não foram poucos os obstáculos ao funcionamento dessa CPI. Desde o início, houve quem tentasse desqualificar o seu trabalho, alegando que ela estaria investigando um assunto de interesse privado e não público. O trabalho da Comissão, entretanto, mostra que, ao contrário, tratamos de assuntos como sonegação fiscal, evasão de divisas e lavagem de dinheiro, chegando até a crime eleitoral, ou seja, temas do mais alto interesse público que as manobras de dirigentes e políticos inescrupulosos buscavam ocultar.

            A CPI do Futebol trouxe à tona a constatação de que os clubes brasileiros movimentam hoje recursos dignos de grandes empresas multinacionais, gerenciando-os de forma amadorística sob uma estrutura de poder feudal. Pois se é verdade que os clubes cresceram, constatamos, no entanto, que a mentalidade de seus dirigentes não acompanhou esse crescimento, e, em decorrência disso, os recursos que poderiam estar a serviço do engrandecimento do futebol brasileiro são utilizados, muitas vezes, de maneira fraudulenta, em benefício desses dirigentes.

            Basta dizer que a contribuição patronal dos clubes à Previdência é o pagamento de 5% da renda bruta dos jogos. Empresas, em geral, recolhem em média 20% das despesas mensais com pessoal. Mas, de acordo com o estudo da própria Previdência, os clubes deixarão de recolher R$61,2 milhões, em 2001. Esse privilégio incentiva a criação de “clube de fachada”, que inclui em suas folhas de pagamentos funcionários de outras empresas. A despeito das vantagens para o pagamento, dos mecanismos para burlar o recolhimento e das facilidades de parcelamento, os clubes de futebol devem R$218 milhões à Previdência Social.

            Vale lembrar o caso da prisão do Presidente da Federação Paranaense de Futebol, por ordem do Juiz da 2ª Vara da Justiça Federal, em Curitiba. O dirigente foi condenado a quatro anos e dois meses de prisão em regime semi-aberto, mas ficou detido por apenas 29 dias, por apropriação indébita de cerca de R$525 milhões da Previdência Social, que deveriam ter sido recolhidos entre 1995 e 1997. É de espantar que alguém vá preso por crime dessa natureza, no Brasil, quando se conhecem as facilidades oferecidas pela Previdência Social para pagamento de débitos em atraso.

            Isso mostra que é urgente discutirmos o que de fato é uma instituição filantrópica, classificação na qual os grandes clubes certamente não se enquadram. Isso porque o conjunto das isenções previdenciárias no País deve somar, em 2001, cerca de R$8 bilhões, quase 80% do déficit previdenciário deste ano. Essa quantia poderia, por exemplo, tornar a Previdência capaz de arcar com um salário mínimo de R$195,00! O futebol nos dá evidências de que muitas isenções devem ser revistas.

            Em seu relatório, o ilustre Senador Geraldo Althoff propõe ao Ministério Público o indiciamento de 14 dirigentes de clubes e federações. Entre eles, o Presidente da CBF, Ricardo Teixeira. Esses cartolas serão indiciados por crime de perjúrio, apropriação indébita, evasão de divisas, falsidade ideológica, sonegação fiscal e crime eleitoral.

            E não me refiro a pistas ou a indícios de crimes, mas à comprovação cabal da sua prática, com elementos de materialidade absolutamente inquestionáveis. São crimes que causam prejuízos não apenas ao esporte, mas aos já combalidos cofres da Nação.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um Parlamentar encabeça a lista dos 14, pois está enquadrado no maior número de crimes: apropriação indébita, evasão de divisas, sonegação e crime eleitoral. Presidente de um dos mais tradicionais clubes de futebol brasileiro, o Deputado Eurico Miranda é um exemplo de como se prejudicam os interesses públicos em meio à atividade futebolística no Brasil, fraudando o esporte e a vida política do País.

            O Vasco da Gama, clube de 102 anos de existência, que inaugurou a democracia nos clubes brasileiros e tem, entre outros, o mérito de ser o primeiro a aceitar jogadores negros em seus quadros, possui um dirigente que exerce sua função como um senhor de engenho, sem conselho fiscal e sem admitir oposição, desdenhando da Justiça e até da Câmara dos Deputados, como vimos na CPI da Nike.

            São muitos os peixes grandes. O Presidente da CBF, Ricardo Teixeira, que criou vários artifícios para não comparecer à CPI, deve explicar à Justiça o sumiço de pelo menos US$400 mil, dinheiro que foi comprado pela entidade no Banco Rural, em fevereiro de 1998. Depois de uma transação envolvendo pelo menos três bancos, o dinheiro foi retirado no Uruguai pelo seu sócio e amigo Renato Tiraboschi.

            A revista Veja, que tem como capa esta semana “Lama no Futebol”, traz um quatro intitulado “A mágica do Presidente”, construído a partir de dados do imposto de renda da pessoa física e do imposto de renda da pessoa jurídica e balanços da CBF, que passo a descrever:

      O Presidente da CBF, Ricardo Teixeira, é um fenômeno. Nos últimos cinco anos, todas as suas empresas operam no vermelho. A principal delas é a R.L.J. Participações, amargou um prejuízo, de 1995 até o ano passado, de R$3,1 milhões. Sob o comando de Ricardo Teixeira, a CBF também sofreu grandes prejuízos. Em 1995, a entidade tinha um patrimônio líquido positivo de R$1,5 milhão. Em 1999, a situação era completamente diferente: o patrimônio da CBF estava negativo em R$24,6 milhões. Apesar de tudo, a fortuna pessoal de Ricardo Teixeira, declarada à Receita Federal, não parou de crescer nesse período. Era de R$3,5 milhões em 1995. No ano passado, já estava em R$5,3 milhões.

            Há também casos como o da Federação Paulista de Futebol, presidida pelo Sr. Eduardo José Farah, acusada de emprestar dinheiro aos clubes e a outras federações a juros de 5% ao mês.

            Diante de tantas imoralidades que levam o futebol brasileiro ao descrédito, não só foi oportuna a realização desta CPI, mas se faz urgente o seu desfecho com o indiciamento pelo Ministério Público dos envolvidos com os ilícitos que ficaram evidentes no processo de apuração da CPI.

            O Sr. Álvaro Dias (Bloco/PDT - PR) - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ) - Concedo o aparte, com prazer, ao Senador Álvaro Dias.

            O Sr. Álvaro Dias (Bloco/PDT - PR) - Senador Geraldo Cândido, solicito este aparte apenas para cumprimentá-lo e agradecer-lhe a presença constante nos trabalhos da CPI. Sua participação ativa não só no plenário da Comissão, mas também nas audiências públicas que a CPI realizou em Recife, no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Porto Alegre e Curitiba. Realmente V. Exª cumpriu rigorosamente o seu dever de integrante dessa Comissão Parlamentar de Inquérito. V. Exª destacou, há pouco, no seu discurso que alguns dos principais dirigentes do futebol brasileiro foram alcançados pela investigação da CPI e terão de responder pelos seus atos diante do Poder Judiciário. Segundo a estratégia adotada pela CPI, especialmente por sugestão do Senador Geraldo Althoff, Relator, procuramos selecionar os fatos mais relevantes, as irregularidades mais graves para o aprofundamento das investigações. Com isso estamos contrariando aquela tradição brasileira de que a "corda arrebenta sempre do lado mais fraco". Ao contrário, a corda vai arrebentar do lado mais forte, com a aprovação desse relatório. E daqui por diante, Senador Geraldo Cândido, a opinião pública brasileira ficará atenta às ações do Ministério Público e do Poder Judiciário. Penso que seria muito importante o Ministério Público dispensar o aprofundamento das investigações em determinados casos, em que as provas materiais são robustas e por si só justificam a denúncia. Assim seria reduzido o tempo entre a investigação e o julgamento. O processo lento, próprio desse ritual do Estado de Direito democrático, o qual permite que advogados brilhantes interponham recursos protelatórios, muitas vezes, irrita e provoca indignação. Daí a importância da agilização dos procedimentos para a responsabilização civil e criminal. Gostaríamos que isso ocorresse e que, sobretudo, o Poder Judiciário pudesse oferecer ao País o exemplo de um julgamento extremamente rigoroso. É o que esperamos, Senador Geraldo Cândido.

            O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ) - Senador Álvaro Dias, agradeço a V. Exª o aparte, que enriquece o meu pronunciamento. Sou testemunha da ação de V. Exª como Presidente da CPI do Futebol, de sua firmeza e de seu empenho para que cheguemos ao final dos trabalhos com resultados positivos - assim espero. V. Exª e o Senador Geraldo Althoff, respectivamente, Presidente e Relator, duas figuras importantíssimas, são os principais integrantes da CPI. Estamos convictos de que chegaremos a um bom resultado e de que estamos prestando grandes serviços à sociedade brasileira. Sabemos que muitas pessoas estão interessadas em desqualificar a CPI, assim como fizeram com a CPI da Nike na Câmara dos Deputados, mas estamos atentos a essas manobras e às pressões feitas sobre os Senadores. Acreditamos num resultado positivo, para o bem da Nação e do futebol brasileiro. Senador Álvaro Dias, novamente agradeço a V. Exª o aparte, que veio aprimorar meu pronunciamento.

            Além disso, é preciso também mudar as regras do jogo para moralizar de vez o futebol brasileiro. Nesse sentido, o que a CPI propõe pode ser o caminho para a modernização e a moralização: legislação para responsabilizar juridicamente os dirigentes, criação de uma agência reguladora para o setor, promotoria pública atuando especificamente perante clubes e federações, obrigatoriedade de transformação de clubes em empresas e o fortalecimento das ligas.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, diante dos últimos acontecimentos, quero hipotecar a minha solidariedade ao Senador Geraldo Althoff pela firmeza com que respondeu à pressão dos grandes integrantes dessa máfia. O Senador Geraldo Althoff consolidou, em seu relatório, os reclamos da sociedade brasileira, da imprensa e do que há de melhor no futebol brasileiro, mas também foi fiel ao processo de investigação levado a cabo pela CPI. Esse é um trabalho que não deixaremos cair por terra pelos interesses individuais de cartolas. Por isso mesmo, tentativa de suborno a um Senador da República configura um desrespeito também a esta Instituição e deve ser devidamente apurado pela Corregedoria do Senado.

            No Congresso Nacional, a chamada “bancada da bola” tem dado demonstrações de que não faz o melhor jogo; muitas vezes joga sujo e já demonstrou isso na Câmara dos Deputados. Patrocinada pela CBF nas eleições, ela começa a esboçar o mesmo jogo que fez na CPI da Nike. Aqui, tenta a todo custo desqualificar a CPI do Futebol e tumultuar a sua finalização, mas estou certo de que, diferentemente do que ocorreu na Câmara, a “bancada do futebol” ganhará o jogo.

            Não tenho dúvida, Sr. Presidente, de que a moralização da gestão do futebol brasileiro contribuirá enormemente para a elevação da qualidade desse esporte e fará com que repitamos os melhores dias de nossa atuação. Se ainda somos o celeiro do mundo no que diz respeito a craques - basta procurar saber que time importante da Europa não tem em seus quadros um jogador brasileiro -, é sinal de que não é tarefa difícil retornar aos momentos de glória, restabelecendo a auto-estima do nosso povo, tão profundamente identificado com esse esporte que se confunde com a alma brasileira.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo15/19/2411:24



Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/12/2001 - Página 30067