Discurso durante a 174ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Realização da Terceira Conferência das Cidades, promovida pela Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados, entre os dias 27 e 29 de novembro passado.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO.:
  • Realização da Terceira Conferência das Cidades, promovida pela Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados, entre os dias 27 e 29 de novembro passado.
Publicação
Publicação no DSF de 14/12/2001 - Página 31230
Assunto
Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO.
Indexação
  • REALIZAÇÃO, CONFERENCIA, CIDADE, DEBATE, EXODO RURAL, URBANIZAÇÃO, POLITICA HABITACIONAL, DESIGUALDADE SOCIAL.
  • ANALISE, IMPORTANCIA, ESTATUTO, CIDADE, BENEFICIO, POLITICA HABITACIONAL, NECESSIDADE, ATUAÇÃO, ESTADO, POPULAÇÃO, CLASSE POLITICA, CUMPRIMENTO, DISPOSITIVOS, MELHORIA, SANEAMENTO BASICO, INFRAESTRUTURA, TRANSPORTE, LAZER, CIDADANIA.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, nos dias 27 e 29 de novembro próximo passado, realizou-se, na Câmara dos Deputados, a III Conferência das Cidades, promovida pela Comissão de Desenvolvimento Urbano daquela Casa do Congresso Nacional.

O importante evento contou com o apoio da Caixa Econômica Federal, do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia, da Associação Brasileira de COHABS (ABC), da Confederação Nacional das Associações de Moradores, do Fórum Nacional de Reforma Urbana e da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental.

A Conferência, que contou com a presença de representantes de todos os Estados brasileiros, aconteceu justamente em um momento muito especial, ou seja, seis meses após a aprovação, no Plenário desta Casa, do meu Parecer ao Substitutivo da Câmara dos Deputados que instruía o então Projeto sobre o “Estatuto da Cidade”. Hoje transformado em lei, tornou-se um verdadeiro guia para o estabelecimento de uma melhor organização dos espaços urbanos nacionais.

De uma maneira geral, esse Encontro, cujo tema central foi “Moradia Digna para Todos”, serviu sobretudo para definir novas alternativas de combate às desigualdades sociais nas grandes e médias cidades brasileiras; para identificar novos caminhos à gestão urbana, introduzindo novos aspectos ao debate sobre a ocupação racional do solo urbano; para atualizar o cenário das desigualdades urbanas; e para medir o avanço da desagregação espacial nesses ambientes sociais.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a I Conferência das Cidades realizou-se igualmente na Câmara dos Deputados. De lá para cá, os seus resultados têm sido cada vez mais importantes para fortalecer o movimento nacional que luta para melhorar as condições da vida urbana no Brasil. A cada conferência, novas idéias são discutidas, novas experiências são conhecidas e novos trabalhos são publicados.

            Neste ano de 2001, a agenda sobre desenvolvimento urbano e política habitacional foi das mais movimentadas para os especialistas brasileiros, tanto em nível nacional como nos fóruns internacionais. No Congresso Nacional, por exemplo, as discussões sobre o “Estatuto da Cidade” mobilizaram Deputados e Senadores, autoridades governamentais, urbanistas, universitários e a mídia nacional em todas as ocasiões em que o tema entrou em pauta. É importante ressaltar que, em matéria de política urbana, a proposição foi, sem dúvida alguma, um dos mais importantes documentos que já passaram pelas duas Casas do Congresso. Outros momentos que marcaram os debates sobre moradia este ano foram a Conferência Mundial sobre Habitação, realizada em Istambul, na Turquia, e a 25ª Assembléia das Nações Unidas (ONU) sobre Habitação, realizada no início do ano em NovaYork.

O “Estatuto da Cidade” começou a tramitar no Congresso Nacional como Projeto de Lei nº 181, desta Casa, apresentado pelo saudoso Senador Pompeu de Sousa, em 26/06/1989. Mesmo tendo sido considerada como matéria inovadora e de alta relevância para o futuro do desenvolvimento urbano do Brasil, passou quase doze anos tramitando.

Durante essa longa trajetória, precisou ser atualizada porque as contradições urbanas brasileiras se avolumaram. Aliás, na década de 80, também chamada por muitos de “década perdida”, houve uma sensível queda da qualidade das condições ambientais, de vida, e de trabalho da maioria da população brasileira. Já na década de 90, houve um agravamento ainda maior dessa situação. Ocorreram crises conjunturais da economia; o desemprego e a violência urbana começaram a crescer com o aprofundamento do processo de globalização, as cidades incharam ainda mais e as invasões de terrenos nas áreas urbanas tornaram-se uma constante. Em conseqüência desses acontecimentos, o clima social tornou-se tenso, tanto na imensa periferia dos grandes e médios centros quanto nos chamados bairros abastados, onde moram alguns ricos isolados, sempre protegidos por seguranças armados até os dentes, e uma classe média cada dia mais sobressaltada e com os nervos à flor da pele.

Foi justamente essa metropolização anárquica do Brasil que determinou os ajustes fundamentais nas linhas mestras do então Projeto de Lei do “Estatuto da Cidade”. Da mesma maneira, foi essa realidade que serviu de base para a redação do meu Parecer, que culminou com a aprovação da matéria em meados de junho próximo passado.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a “ Carta de Brasília pela Moradia Digna para Todos”, documento final da III Conferência das Cidades, mostrou um quadro preocupante da vida dos brasileiros nos grandes e médios centros urbanos.

Segundo o documento, cerca de 82% da população sobrevive em ambientes urbanos cada vez mais desestruturados, carentes das mínimas condições de infra-estrutura e expostos aos maiores perigos. Entretanto, a explosão urbana mostra a sua verdadeira gravidade quando nos deparamos com cerca de 33% da população brasileira morando em apenas doze áreas metropolitanas gigantescas. Em contrapartida, em 75% dos 5.500 Municípios existentes no País, a população não ultrapassa os vinte mil habitantes.

Na imensa periferia, quase todo o corpo social está fora de qualquer controle. As ações do Estado são praticamente inexistentes e os mais elementares benefícios sociais são improvisados pelos próprios habitantes. Além disso, a dificuldade de acesso à terra faz da invasão uma prática comum. Muito freqüentemente, esses ambientes insólitos transformam-se em verdadeiros campos de guerra, onde os traficantes se matam entre si e onde o crime organizado trava combates ousados e espetaculares contra as forças policiais.

A Carta de Brasília mostra que o déficit habitacional quantitativo do Brasil é de cerca de 5,6 milhões de moradias. Esse número, se multiplicado por uma média de 5 pessoas por família, representa um contingente de 28 milhões de brasileiros que precisam de uma casa para morar. No que se refere ao déficit qualitativo, ou seja, o de moradias precárias, o número é de 13 milhões de unidades. Segundo a fonte citada, cerca de 85% do déficit quantitativo concentra-se na população com renda familiar mensal de até 5 salários mínimos. No que se refere ao déficit qualitativo, 76% concentra-se igualmente na população com a mesma renda familiar mensal.

Por fim, cerca de 10% da população urbana não é servida por redes de água potável e cerca de 40% dos que moram nas cidades não são servidos por redes de esgotos sanitários. Segundo o mesmo documento, dos esgotos coletados, estima-se que somente 20% recebem algum tipo de tratamento antes de serem lançados nos corpos receptores. No que se refere aos resíduos sólidos, as estimativas são bastante imprecisas. De uma maneira geral, o lixo no Brasil é jogado em lixões, terrenos baldios, rios e outros lugares totalmente inadequados.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, apesar do diagnóstico sombrio divulgado pela Conferência, a conclusão final foi a de que existe uma esperança e um caminho a seguir para a construção de um futuro melhor nas cidades brasileiras. Para isso é preciso viabilizar imediatamente a implementação dos instrumentos contidos no Estatuto da Cidade como forma de assegurar o direito à terra, à moradia, ao saneamento básico, à infra-estrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos, ao trabalho, ao lazer, enfim, à plena cidadania.

Todavia, tal conquista só será possível se três condições básicas forem devidamente preenchidas. Em primeiro lugar, a presença mais efetiva do Estado, que tem a obrigação de assumir as suas responsabilidades com mais eficiência e assegurar o cumprimento dos programas de desenvolvimento urbano sob a responsabilidade da União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Em segundo lugar, a mobilização da sociedade e dos movimentos que defendem uma verdadeira mudança nas estruturas da paisagem urbana brasileira. Em terceiro lugar, a mobilização da classe política, que pode exercer um papel fundamental na defesa das proposições, na apresentação de matérias legislativas, na exigência do cumprimento dos programas e na fiscalização destes.

Gostaria de finalizar este pronunciamento dizendo que, ainda em 1996, já preocupado com o elenco de direitos que precisam ser garantidos vez por todas ao povo brasileiro, e que aparecem no documento final da III Conferência das Cidades, tomei a iniciativa de apresentar neste Plenário, em 18/06/1996, Proposta de Emenda Constitucional em que incluía a moradia nos direitos sociais. Finalmente, em 14/02/2000, em sessão solene do Congresso Nacional, com muito orgulho, tive a honra de assistir à promulgação da referida matéria.

Voltando aos comentários sobre o “Estatuto da Cidade”, que considero a maior conquista em matéria de política urbana este ano, como disse em meu relatório, o diploma em vigor tem o grande papel de suprir uma carência duramente sentida pelas prefeituras, às quais compete a execução da política de desenvolvimento urbano.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/12/2001 - Página 31230