Discurso durante a 20ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade de equacionamento do déficit hídrico do Nordeste, como parte de um plano de desenvolvimento sustentável.

Autor
Sérgio Machado (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/CE)
Nome completo: José Sérgio de Oliveira Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Necessidade de equacionamento do déficit hídrico do Nordeste, como parte de um plano de desenvolvimento sustentável.
Publicação
Publicação no DSF de 15/03/2002 - Página 2305
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • GRAVIDADE, INEFICACIA, COMBATE, SECA, REGIÃO NORDESTE, PROVIDENCIA, EMERGENCIA, ASSISTENCIA SOCIAL, AUSENCIA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, PREVENÇÃO, CALAMIDADE PUBLICA, FALTA, PLANEJAMENTO, INTEGRAÇÃO, OBRA PUBLICA, INFRAESTRUTURA.
  • NECESSIDADE, URGENCIA, AUMENTO, OFERTA, RECURSOS HIDRICOS, ESTADO DO CEARA (CE), ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN), ESTADO DA PARAIBA (PB), DEFESA, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, RIO TOCANTINS, APREENSÃO, REGIÃO ARIDA.
  • DEFESA, AUMENTO, DEBATE, CIDADANIA, AUTORIDADE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), SOCIEDADE CIVIL, REGIÃO, SECA, UTILIZAÇÃO, TECNOLOGIA, INVESTIMENTO, PESQUISA, MELHORIA, ORGANIZAÇÃO FUNDIARIA, ATRAÇÃO, INICIATIVA PRIVADA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, PLANEJAMENTO, GESTÃO, RECURSOS HIDRICOS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. SÉRGIO MACHADO (PMDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dominada a grave crise energética, por nós intensamente vivida nos últimos meses, e retomados os estudos com vistas à transposição das águas que deverão contribuir para a superação em definitivo do déficit hídrico do Nordeste, venho a esta tribuna uma vez mais compartilhar algumas considerações acerca desta secular escassez.

            Há pouco mais de cento e vinte anos, conta a História que o nosso Imperador Pedro II, impressionado com a seca que se abateu sobre o Nordeste em 1877, teria afirmado que “venderia até a última pedra da coroa, mas nenhum nordestino morreria de fome”.

            Todo esse tempo transcorrido, contudo, não foi o bastante para que superássemos as constantes tragédias que se repetem periodicamente, ao longo das sucessivas secas, ante os impotentes esforços para combatê-las, empreendidos das mais diversas formas, pelos mais variados governantes.

            Mais de cento e vinte anos depois do flagelo que José do Patrocínio descreveu como “a tragédia da vergonha nacional“, seguimos testemunhando a realidade de milhões de nordestinos lutando contra a fome. Inermes, vemo-nos repetidamente às voltas com esse problema absolutamente previsível, de causas conhecidas e de conseqüências esperadas.

            Sabemos que a falta d’água é crônica, que o fenômeno da estiagem em largas proporções se repete em média três vezes a cada década.

            Sabemos também que até hoje a questão vem sendo sempre enfrentada quase exclusivamente por seu ângulo emergencial e que tal assistencialismo, além de implicar elevados custos, não traz consigo nenhuma perspectiva de progresso, tampouco de participação ativa do indivíduo na sociedade, força motriz e circunstância geradora da sinergia indispensável para o exercício de uma cidadania digna.

            Sabemos ainda que as tecnologias hoje disponíveis oferecem soluções capazes, quando adequadamente aplicadas, de garantir a convivência harmoniosa do homem com as mais adversas condições climáticas.

            Decerto não podemos descurar das ações de emergência em socorro às populações vitimadas pelas calamidades da seca. Porém não é racional nem solidário deixarmos de adotar medidas para terminantemente evitar que se repitam.

            Nas últimas décadas inúmeras obras de infra-estrutura foram iniciadas, num esforço para minorar a angústia dos que clamavam por alimentos e por emprego. A cada nova catástrofe, milhares de projetos proliferavam, sem que houvesse concatenação entre eles. Inexistia um mapeamento claro da situação quanto às alternativas de desenvolvimento integrado do ponto de vista de um planejamento agrícola, industrial, social, educacional e tecnológico para a região.

            Enquanto isso, Israel plantava tomates em pleno deserto, e a Califórnia despontava como maior exportadora mundial de frutas.

            Por aqui, só no ano de 1993, foram gastos 32 milhões de reais apenas com bolsas de trabalho e com carros-pipa.

            Por aqui, em 1998, mais de 1300 municípios foram duramente castigados pela seca que atingiu quase dez milhões de pessoas.

            Agora, estamos diante de dois problemas ainda mais graves: o primeiro diz respeito ao iminente colapso do abastecimento de água nos Estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba.

            A demanda anual desses Estados é hoje da ordem de um bilhão e oitocentos metros cúbicos. A simples projeção deste valor para os próximos três anos nos aponta para uma demanda tendencial estimada em mais 31%, ou seja, um consumo de oitenta metros cúbicos por segundo, contra atuais cinqüenta e cinco.

            Daí, a urgência absoluta em se aumentar a capacidade da oferta, razão pela qual se estudam as possibilidades de transposição das águas do São Francisco e do Tocantins, possibilidades estas cujas expectativas agora se elevam, com a recente obtenção, no final do mês passado, do financiamento de US$800 bilhões, obtidos junto ao governo espanhol, destinados ao Ministério da Integração Nacional para esse fim.

            O segundo problema reside na ameaça que já assola mais de 50% do território nordestino: o fenômeno da desertificação.

            Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, estamos falando de uma superfície superior a um milhão e meio de quilômetros quadrados.

            Estudos realizados por centro de pesquisas da Universidade Federal do Piauí revelam que “a irrigação inadequada tornou estéreis 30% das áreas regadas artificialmente. Joga-se muita água em solos com baixa capacidade de absorção e não se estudam obras de drenagem”.

            Por outro lado, técnicos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais de São José dos Campos afirmam que pelo menos dois terços da área do Polígono das Secas podem tornar-se terras produtivas.

            Sejam quais forem as soluções encontradas, uma coisa é certa: nada eficaz se poderá fazer sem a participação da sociedade. Indispensável é a ausculta e o debate junto à sociedade civil, por meio de seus canais e instâncias de participação representativa.

            Assim, do exercício da criatividade e da ampla troca de idéias nas diversas órbitas da expressão democrática surgirão as alternativas capazes de enfrentar com êxito desafios desta magnitude.

            Compete a nós, legisladores, bem como à comunidade em geral, às Organizações Não-Governamentais, aos conselhos de representação popular e, especialmente, ao cidadão consciente, o engajamento ativo na busca de soluções apropriadas.

            Sanar os efeitos danosos da seca e até tirar proveito das características climatéricas singulares do Nordeste é tarefa que nos compete realizar de vez por todas, a partir de um enfrentamento coerente que conjugue obstinada determinação política, criteriosa utilização dos meios científico-tecnológicos e planejamento estratégico adequado.

            É preciso que substituamos a idéia de acabar com a seca pela idéia de conviver com ela. Temos de aprender com ela. Ao invés de remediar seus efeitos, temos de investir em pesquisa e tecnologia de ponta; em programas consistentes de longo prazo e na correta capacitação daqueles que vão executá-los.

            Dentre as muitas coisas que temos a fazer, há que mudarmos a estrutura fundiária do Nordeste. Temos também de criar atrativos para que mais capital privado se fixe na região. Temos ainda de extirpar da mentalidade do nordestino a chamada “cultura da seca”, para que esta dê lugar a um novo paradigma de organização e participação comunitária. 

            É imperioso que haja neste contexto o estímulo a uma postura participativa por parte das populações envolvidas. Cabe às esferas de governo propiciar que a representatividade social se exerça de forma ativa e reativa, em lugar da atitude passiva, até hoje alimentada pelo rescaldo de antigos padrões do clientelismo servil.

            Não bastam, portanto, a vontade política e a adequada ação dos governos. Cumpre que se desenvolva uma efetiva mobilização social.

            Ademais, havemos de priorizar a sustentabilidade, compatibilizando um equilibrado crescimento econômico com as vocações naturais da região.

            Tenho me referido, em diversas oportunidades, à vantagem que levamos em comparação com as demais regiões semi-áridas do planeta. O clima semi-árido tropical do Nordeste proporciona alta luminosidade, calor constante e baixa umidade relativa do ar, o que, associado à irrigação, resulta em maior velocidade de crescimento das plantas, maior produtividade e menor incidência de pragas.

            Experiências bem-sucedidas vêm sendo desenvolvidas com o emprego de diversificadas técnicas, com métodos de irrigação mais adequados, como é o caso do gotejamento, sistema pelo qual se injeta a água diretamente no sistema radicular da planta, especialmente indicado para as culturas de melão, uva e maracujá; ou a irrigação por macroaspersão, indicada para outras culturas.

            A exploração do vasto potencial da região para a instalação de agroindústrias orientadas à fruticultura tende principalmente a potencializar a capacidade de geração empregos. O investimento para se criar um emprego no setor de hortifruticultura é da ordem de seis mil dólares, quinze vezes menor do que o necessário para se criar um emprego na indústria automobilística, por exemplo.

            As soluções de cunho estrutural passam necessariamente por toda uma revolução de conceitos, práticas e comportamentos. Envolve uma nova visão de mundo, ditada por uma nova ordem econômica e uma nova cultura organizacional.

            No mundo globalizado em que vivemos, é mister que excedamos níveis de eficiência, de qualidade e produtividade mundiais cada vez maiores, sob pena de sentenciarmos nossos profissionais à obsolescência e nossas empresas à falencial perda de competitividade, subjugando assim nosso País à pior e mais insuportável dependência externa, pela falta do insumo mais estratégico no mundo de hoje: o conhecimento.

            É fundamental que dominemos novas técnicas de manejo; que sejamos competentes para seguir adiante com idéias ousadas como a interligação e gestão integrada das principais bacias do semi-árido, de modo a otimizar o aproveitamento dos 87 bilhões de metros cúbicos de água por ano proveniente dos rios perenes. Devemos planejar o gerenciamento hidroambiental e de águas subterrâneas cujas reservas exploráveis se estimam em 200 bilhões de metros cúbicos anuais.

            Enfim, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, diante do tempo que urge, a nós compete, de mãos dadas com a cidadania, desenvolver um plano bem articulado que disponha das ferramentas capazes de nos adequar ao desafio que se nos defronta, ferramentas capazes de fornecer resposta imediata às exigências não só hídricas, mas também estruturais e de mobilização social, agora inadiáveis para o desenvolvimento da região, sob pena de pormos o Nordeste à margem da Federação brasileira. Pior que isso, sob pena de sermos vítimas de nosso próprio descaso, pois, como dizia o romancista nordestino Américo de Almeida, “Há uma tragédia maior que morrer de fome no deserto: é não ter o que comer na terra de Canaã”. 

            Era o que eu tinha a dizer.

            Obrigado.


            Modelo15/19/246:00



Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/03/2002 - Página 2305