Discurso durante a 27ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

ASPECTOS DA QUESTÃO FUNDIARIA NACIONAL QUE REAFIRMAM A NECESSIDADE DA REFORMA AGRARIA. DEFESA DA DESTINAÇÃO SOCIAL DO PATRIMONIO DEVOLUTO DO ESTADO DE RONDONIA.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • ASPECTOS DA QUESTÃO FUNDIARIA NACIONAL QUE REAFIRMAM A NECESSIDADE DA REFORMA AGRARIA. DEFESA DA DESTINAÇÃO SOCIAL DO PATRIMONIO DEVOLUTO DO ESTADO DE RONDONIA.
Publicação
Publicação no DSF de 23/03/2002 - Página 2927
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, PROCESSO, REFORMA AGRARIA, BRASIL, GRAVIDADE, VIOLENCIA, MORTE, TRABALHADOR, SEM-TERRA, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE RONDONIA (RO), NEGLIGENCIA, AUTORIDADE, IMPRENSA.
  • PROTESTO, AUSENCIA, UTILIZAÇÃO, TERRA DEVOLUTA, UNIÃO FEDERAL, ESTADO DE RONDONIA (RO), FUNÇÃO, PROPRIEDADE, REFORMA AGRARIA, CRITICA, ILEGALIDADE, FORMAÇÃO, LATIFUNDIO.
  • CONCLAMAÇÃO, GOVERNADOR, REGIÃO AMAZONICA, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE RONDONIA (RO), ATENÇÃO, LEGISLAÇÃO, POLITICA FUNDIARIA, ADMINISTRAÇÃO, PATRIMONIO, ESTADOS, TERRA DEVOLUTA, BENEFICIO, JUSTIÇA SOCIAL, REFORMA AGRARIA.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez, volto a esta tribuna para abordar a questão fundiária nacional, sobretudo no que se refere à legislação que alterou substancialmente a competência da União nos Estados Federados.

Em primeiro lugar, devo dizer que há equívocos. Infelizmente, a reforma agrária não se faz na mídia; faz-se de fato, realizando a distribuição da terra.

Lembro-me de que, quando havia essa discussão inicial da reforma agrária, na década de 60, participei, jovem ainda, de um evento estudantil em São Paulo e, passando por determinado bairro, vi um monte de terra e uma placa: “Aqui começa a reforma agrária. Dá-se terra”. Realmente, aquela placa tinha um pouco de sarcasmo, mas refletia uma realidade. É preciso distribuir a terra, não apenas títulos, papéis. É preciso assentar os braços sem terra nas terras sem braços. Isso foi dito ainda pelo General Figueiredo na Transamazônica.

O que queremos, Sr. Presidente, é que se deixe de resolver as questões nos gabinetes, que se troquem tapetes e salas pela realidade cruel, em que a violência não é apenas a do ano que passou, de 14 vítimas nos conflitos de terra. No meu Estado de Rondônia, conheço bem não muito mais de 30 casos de mortes advindas da luta pela terra. Em Jacilândia, às margens do Jaciparaná, de uma só vez foram ceifadas oito vidas. Um escândalo, tanto quanto os de Carajás e Corumbiara, mas que ficou encoberto pelo véu escuro e perverso da indiferença. À indiferença de todas as autoridades e da mídia, a minha desconformidade, manifesta nesta tribuna naquele momento. Apenas isto: o meu registro calado nos Anais. Nada mais, Sr. Presidente.

Ainda recentemente, nessa mesma região, um cidadão foi esquartejado. Uma outra vítima, depois de esquartejada, ensacada e pendurada ao longo da vereda, por onde deveriam passar outros sem-terra, outros que anseiam por terra e latifúndio para saciar a fome eterna das vidas raquíticas e famintas.

É isso que se observa e, no entanto, não se registra. E o que não aparece na mídia não passa a ter existência. A insensibilidade, o silêncio e o esguio olhar deixam esses fatos no desconhecimento, no esquecimento, enfim, no descaso.

Mas o que fazer diante de tanta insensibilidade? Será que vamos continuar a não nos envergonhar dos acampamentos de sem-terra? Muitos, até com motivação política, sim, mas pela falta de ação do Poder Público, que não dá a chance de um trato de terra para que esses brasileiros possam plantar e colher.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil é imenso em termos de território. As terras são muitas, sobretudo as terras públicas, as terras devolutas da União. No Estado de Rondônia, até a edição da Carta de 1988, a maioria das terras pertencia à União. E não se lhes dá uma destinação social, conforme alude o Estatuto da Terra e também a Constituição. Pelo contrário, num processo escabroso de interesses escusos, elas vão sendo regularizadas e tituladas em grandes partidas, usando-se os “laranjais”, ou seja, pessoas que emprestam o nome para a multiplicação dos hectares e a formação de latifúndios à custa da terra pública - essa terra que deveria ser distribuída, que deveria servir para realizar a justiça social, que é dar a todos um pouco do seu e de cada um, dar a todos um pouco dessa terra que pertence à Nação brasileira.

Em vez de se dar uma destinação social à terra, o que se faz é possibilitar a formação de latifúndios. E não há licitação, como as que o Incra promoveu em Rondônia em 1972 e 1974. Não, utiliza-se essa forma escamoteada do “laranjal”, que nada mais é do que a plantação onde viça, com o cio tropical, a ilegalidade, a delinqüência e o enriquecimento ilícito.

Por isso, Sr. Presidente, aqui quero chamar a atenção dos Governadores da Amazônia como um todo, e sobretudo do Governador do Estado de Rondônia, para dizer que o Decreto-Lei nº 1164, de 1971, declarava de interesse para a segurança e o desenvolvimento nacionais as faixas de 100 quilômetros de cada lado das rodovias federais, e que a partir da edição do Decreto-Lei nº 1933 o interesse nacional com a segurança e o desenvolvimento foram revogados. E, consequentemente, devolvidas as terras, até então havidas como devolutas da União, para as respectivas unidades federadas, vale dizer, para os respectivos Estados.

Mas o que sucede, Sr. Presidente? O texto - que não passo a ler - do Decreto-Lei nº 1933, de 25/11/87, preservava uma competência residual, de certa forma ampla e geral, da União Federal. Porque todas as situações jurídicas constituídas - e na definição, na interpretação dada pelo próprio legislador, a chamada interpretação genuína -, o legislador estabelecia o que eram tais situações e chegava à situação de um mero requerimento, uma pretensão qualquer, uma postulação, inconsistente que fosse, apropriar-se das terras públicas.

Sr. Presidente, é preciso que os Governos estaduais entendam que esse decreto-lei não foi recepcionado pela Constituinte e pela Constituição.

Na forma do art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, verificamos que:

Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a:

I - ação normativa;

II - alocação ou transferência de recursos de qualquer espécie.

            E aí o §1º, que nos interessa sobremodo:

§ 1º Os decretos-leis em tramitação no Congresso Nacional e por este não apreciados até a promulgação da Constituição terão seus efeitos regulados da seguinte forma:

I - se editados até 2 de setembro de 1988, serão apreciados pelo Congresso Nacional no prazo de até cento e oitenta dias a contar da promulgação da Constituição, não computado o recesso parlamentar;

II - decorrido o prazo definido no inciso anterior, e não havendo apreciação, os decretos-leis ali mencionados serão considerados rejeitados;

........................................................................................................................

§ 2º Os decretos-leis editados entre 3 de setembro de 1988 e a promulgação da Constituição serão convertidos, nesta data, em medidas provisórias...

Adota-se já essa fórmula.

Quero dizer a V. Exª e sobretudo aos Governos estaduais que os decretos-leis que não foram recepcionados, automaticamente não tiveram mais vigor, e essas disposições que ainda resguardavam uma competência residual aos Estados, com a edição da Constituição e, sobretudo, com a expiração dos prazos estipulados no art. 25, acabaram por ser revogadas in totum.

Logo, Sr. Presidente, vale dizer que, a partir da nova Constituição e a partir sobretudo da edição do Decreto-Lei nº 1933, de 25/11/87, cabia aos Estados dispor sobre esse patrimônio territorial, excluído aquele situado na faixa de fronteira, ou seja, na faixa de 150 quilômetros a partir da linha divisória com outros países. E ainda preservou-se à União as terras de marinha, ou seja, aquelas situadas ao longo da costa brasileira.

A idéia de preservar no âmbito da União as terras devolutas situadas ao longo das fronteiras decorre ainda da primeira Constituição republicana, fruto de uma emenda de Júlio de Castilhos, que, ao defendê-la naquele Congresso constituinte, definiu-a como grande anelo, o grande abraço para manter a unidade nacional.

Essa idéia ainda hoje guarda uma razão de ordem prática. Ainda hoje, a unidade nacional mantém esse laço extremo por intermédio dos terrenos de marinha e da faixa de fronteira, onde as terras devolutas, sobretudo, e a ingerência da União, para a segurança nacional, se manifestam de forma excepcional.

Sr. Presidente, por isso é importante que os Estados federados - alerto o Governador do meu Estado, José de Abreu Bianco, sobretudo - tomem providências no sentido de gerenciar, de administrar o patrimônio devoluto estadual, a fim de que a propriedade pública cumpra a sua função social, estipulada na Constituição Federal e no Estatuto da Terra.

Também julgo importante não perder de vista a função social da propriedade, que é fazer dela um instrumento da justiça social, um bem de produção e não um bem meramente especulativo. A terra não deve ser uma reserva de valor fundiário, mas devemos dar-lhe, sim, uma destinação, para que se extraia dela o que está apta a oferecer, principalmente para distribuir alimentos para os milhares e milhares de brasileiros que não têm um pedaço de terra para plantar; mais do que isso, para produzir, progredir e desenvolver-se econômica e socialmente.

Assim, não pensemos que a reforma agrária acontecerá na mídia, no papel e nos discursos. É preciso descer a essa realidade atroz onde os conflitos se multiplicam, em que a luta pela terra e pela vida, muitas vezes, leva a vida de milhares e milhares de brasileiros sem um justo motivo, só e exclusivamente pela ousadia de desejarem eles viver. Nada mais do que o impulso vital os anima.

Sinto, Sr. Presidente, que o tempo se esgotou.

Agradecendo a tolerância de V. Exª, quero fazer um agradecimento pela existência aos Anais, que, mais uma vez, vão registrar o meu discurso.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/03/2002 - Página 2927