Discurso durante a 29ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DESCASO DA SECRETARIA DE DIREITO ECONOMICO DO MINISTERIO DA JUSTIÇA DIANTE DE DENUNCIA DE ABUSO DE PODER ECONOMICO E FORMAÇÃO DE CARTEL PELAS QUATRO GRANDES MONTADORAS DE AUTOMOVEIS NO BRASIL, FIAT, FORD, GENERAL MOTORS E VOLKSWAGEN.

Autor
Lindberg Cury (PFL - Partido da Frente Liberal/DF)
Nome completo: Lindberg Aziz Cury
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL.:
  • DESCASO DA SECRETARIA DE DIREITO ECONOMICO DO MINISTERIO DA JUSTIÇA DIANTE DE DENUNCIA DE ABUSO DE PODER ECONOMICO E FORMAÇÃO DE CARTEL PELAS QUATRO GRANDES MONTADORAS DE AUTOMOVEIS NO BRASIL, FIAT, FORD, GENERAL MOTORS E VOLKSWAGEN.
Aparteantes
Casildo Maldaner.
Publicação
Publicação no DSF de 27/03/2002 - Página 3052
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • REPUDIO, ATUAÇÃO, SECRETARIA NACIONAL DE DIREITO ECONOMICO (SNDE), ARQUIVAMENTO, DENUNCIA, AUTORIA, FEDERAÇÃO NACIONAL, DISTRIBUIÇÃO, VEICULO AUTOMOTOR, CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONOMICA (CADE), SOLICITAÇÃO, INVESTIGAÇÃO, EMPRESA MULTINACIONAL, EMPRESA DE VEICULOS AUTOMOTORES, ACORDO, AUMENTO, PREÇO, AUTOMOVEL.
  • SOLICITAÇÃO, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, ACOMPANHAMENTO, ATUAÇÃO, SECRETARIA NACIONAL DE DIREITO ECONOMICO (SNDE), REITERAÇÃO, PEDIDO, INVESTIGAÇÃO, EMPRESA MULTINACIONAL, INDUSTRIA AUTOMOTIVA, DESCUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, DEFESA, CONCORRENCIA, PREJUIZO, CONCESSIONARIA, EMPRESA NACIONAL, INCAPACIDADE, VENDA, AUTOMOVEL, RESULTADO, DESEMPREGO.

O SR. LINDBERG CURY (PFL - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero abordar, hoje, um assunto polêmico, para o qual as nossas autoridades não vêm dando a devida importância. Trata-se da denúncia de abuso de poder econômico e da formação de cartel entre as quatro grandes montadoras de automóveis em nosso País: Fiat, Ford, General Motors e Volkswagen.

A denúncia, feita pela Federação Nacional de Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), vem sendo tratada até com certo descaso pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça. A Secretaria, a quem cumpre investigar esse tipo de problema, mandou arquivar a primeira denúncia em dezembro de 2000. Agora, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) solicita, pela segunda vez, à Secretaria a abertura de investigação contra as quatro montadoras.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pedimos a esta Casa que acompanhe, com a devida atenção, a apuração dessas denúncias e cobre da Secretaria de Direito Econômico uma postura mais rigorosa não só em relação a esse caso, mas também a outras denúncias de abuso de poder econômico que têm surgido em nosso País.

Permitam-me, caros colegas Parlamentares, fazer um breve histórico da situação. Em 18 de janeiro de 2000, a Fenabrave levou à Secretaria de Direito Econômico representação contra as montadoras Fiat, General Motors, Ford e Volkswagen. A representação denunciou, com base em ampla pesquisa sobre o setor automotivo, condutas anticoncorrenciais das montadoras no seu relacionamento com as concessionárias de veículos, com efeitos perversos sobre o mercado e os consumidores finais.

Durante as investigações, a Fenabrave levou ao conhecimento da SDE amplos indícios de que as montadoras atuam de forma conjunta na fixação de preços ao consumidor.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essas montadoras criaram a Anfavea, a associação representativa, para defender seus interesses e limitar os preços por baixo e por cima. Dessa forma, todas as revendas no Brasil vivem sob o jugo da Anfavea, representante de todas as marcas citadas aqui.

A Fenabrave demonstrou também que os preços dos veículos subiram bem mais que os índices da inflação nos últimos anos, sem que, para tanto, houvesse qualquer justificativa plausível.

Examinem esses números apenas para verificar o que vem ocorrendo com o comprador de veículo, com o contribuinte que paga imposto, com aquele que compra um veículo dessas montadoras. No período de 1995 a 2000, os preços dos veículos subiram, em média, 115,5%, enquanto a inflação, no período, registrou 58,19%. Os aumentos dos automóveis superaram até mesmo a variação do dólar, que ficou em 95,8%, no mesmo período.

A Federação de Distribuição de Veículos mostrou, ainda, que os preços praticados pelas montadoras sempre andaram lado a lado todos estes anos, com reajustes idênticos praticados entre elas.

Esses dados, Srªs e Srs. Senadores, são indícios fortíssimos de cartelização de preços, mas a SDE decidiu que não. Em vez de punir os infratores, preferiu se voltar contra quem fez a denúncia. Em 15 de dezembro de 2000, a Secretaria arquivou a representação inicial e instaurou o processo contra a Fenabrave, com a alegação de que precisava investigar a prática comercial entre os distribuidores de veículos, ou seja, em vez de investigar o autor do crime, passou a investigar o denunciante. É incrível que isso aconteça, Srs. Senadores.

A alegação da SDE para arquivar a primeira denúncia de cartelização de preços entre as quatro grandes montadoras foi que havia “disputa acirrada por fatias de mercado entre as montadoras, com significantes oscilações nas participações”. Alegou também a Secretaria que havia crescimento nas vendas de outros concorrentes, como Peugeot, Renault, Toyota e Volvo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste ponto, quero fazer um esclarecimento. As vendas de veículos populares representam cerca de 70% da produção das montadoras. E na época da investigação da SDE, as novas montadoras citadas no relatório da Secretaria - Peugeot e Renault, por exemplo - ainda não haviam se instalado no País e nem vendiam carros populares. Elas chegaram depois do ano 2000. Portanto, existe aí uma contradição da própria Secretaria de Direito Econômico que precisa ser esclarecida por parte das autoridades.

Gostaria de ressaltar, Srs. Senadores, a conduta corajosa e irrepreensível do Cade nesse episódio. Em junho de 2001, ao examinar o recurso de ofício da SDE, os conselheiros do Cade decidiram, por unanimidade, recomendar àquela Secretaria que investigasse os fortes indícios de cartel encontrados nos autos. E, por maioria de votos, o Conselho determinou que a SDE instaurasse processo administrativo contra as quatro montadoras, para investigar o abuso de preços em peças de reposição.

            Faço aqui um parêntese para destacar a diferença de preços das peças de reposição repassadas pelas montadoras às concessionárias e daquelas vendidas em outras lojas do ramo. Essa diferença pode chegar a 400% em alguns casos, o que caracteriza abuso de poder econômico por parte das montadoras. Elas obrigam os distribuidores a comprar peças mais caras, tornando impraticável o comércio das mesmas. Essa política perniciosa de pressão por parte das montadoras está levando a falência vários distribuidores. Para se ter uma idéia, há cinco anos a rede de distribuidores era formada por 6.100 lojas em todo o País. Hoje está em apenas 4.100. Houve o fechamento de 2 mil lojas no período de cinco anos, com a conseqüente demissão de milhares de trabalhadores.

Voltando ao histórico do caso, Srªs e Srs. Senadores, quatro meses depois de ter recebido o ofício do Cade, a Secretaria de Direito Econômico determinou a instauração de processo administrativo contra cada uma das montadoras, com o objetivo de investigar a conduta de abusividade de preços nas peças de reposição. No entanto, no que diz respeito à acusação de cartel, a SDE mandou arquivar o processo, sob alegação de que o Cade havia feito mera sugestão.

Ora, Sr. Presidente, essa atitude da SDE demonstra mais do que um simples descaso. Demonstra uma rebeldia. Comparando, é como se um delegado se recusasse a cumprir a determinação de um juiz para investigar determinado caso.

Inconformada com a decisão, a Fenabrave ingressou, no dia 21 de janeiro deste ano, com pedido de reconsideração junto à SDE, com cópia para o Cade, requerendo reconsideração e reforma da decisão de arquivamento e a instauração das averiguações preliminares, como foi sugerido pelo Cade.

Na semana passada, dia 19 de março de 2002, o Cade voltou a pedir à SDE, pela segunda vez em menos de um ano, a abertura de investigação sobre a possibilidade de cartel de preços entre as quatro montadoras. Louvo aqui a coragem e isenção do Presidente do Cade, Dr. João Grandino Rodas, em mandar apurar denúncias contra o forte lobby das montadoras de veículos que se utilizam de pressão para fazer calar quem ousa lutar contra elas.

Também na semana passada, em reportagem do jornal Gazeta Mercantil, do dia 20 de março de 2002, página A-15, sob o título “Cade pede para SDE investigar montadoras”, o titular da Secretaria de Direito Econômico, Sr. Paulo de Tarso Ribeiro, deu mostras de que não pretende cumprir a determinação do Cade de investigar a denúncia de cartel contra as montadoras. Vou citar aqui, textualmente, trechos da reportagem: “Interlocutores próximos a ele (Paulo de Tarso Ribeiro) afirmam que a SDE vê o gesto do Presidente do Cade como uma pressão desnecessária”. A alegação é de que as denúncias já foram rechaçadas em parecer de dezembro de 2000.

Ora, Srªs e Srs. Senadores, os fatos levam a crer que a SDE não pretende fazer o mínimo esforço para investigar a denúncia, o que é um absurdo, pois a Secretaria tem a obrigação, prevista no artigo 30 da Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 8.884/94), de promover “averiguação preliminar”, desde que haja representação de qualquer interessado.

Essa impressão foi reforçada com o passo mais recente dado pela SDE. No Diário Oficial de ontem, 25 de março, a Secretaria tomou a seguinte e curiosa decisão: provocou a Fenabrave para que apresentasse os indícios que permitiriam a instauração de averiguação contra as montadoras. Ora isso ocorreu depois de doze meses de averiguações em que a Fenabrave juntou amplos indícios de cartel - que só a SDE não quer ver ou não quer investigar -, sobretudo depois que o Cade decidiu por unanimidade que havia indícios e cinco dias depois de o Presidente do Cade, zelando pelo cumprimento das decisões do Conselho, cobrar da SDE a instauração da investigação! É como se a Secretaria decidisse afrontar a reiterada cobrança da parte do Cade, transferindo aos concessionários o ônus de cumprir a obrigação que a lei confere a ela, SDE, qual seja, a de investigar.

Sr. Presidente, nobres Colegas, prefiro não acreditar na hipótese de que a Secretaria de Direito Econômico esteja cedendo à pressão das montadoras. Gostaria de acreditar que está havendo apenas um mal-entendido e que a SDE vai apurar a fundo as denúncias. Por via das dúvidas, solicito que a Comissão de Assuntos Econômicos desta Casa acompanhe de perto o caso, para que não paire nenhuma suspeita sobre o resultado final da investigação.

Sr. Presidente, isso causa-me estranheza. Quando essas denúncias foram feitas, o único porta-voz que existia era o Senado. A maioria absoluta dos meios de comunicação já negociaram com essas marcas, com as montadoras. As informações não chegam ao público.

Causa-me maior estranheza hoje o fato de aqui, no Senado, não estar havendo transmissão. Parece que houve um defeito. Há mais de seis meses que estou aqui e vejo que não está havendo transmissão. Deve ter ocorrido algum problema. Isso realmente nos causa certo constrangimento.

Sr. Presidente, a pressão, o lobby dessas empresas realmente é muito grande.

Constato que agora está havendo transmissão.

Este pronunciamento estava sendo aguardado pela Fenabrave. O que é a Fenabrave? A Fenabrave representa 4.292 concessionários no Brasil, dos quais 2.395 são...

O SR. PRESIDENTE(Edison Lobão) - Permita-me interrompê-lo para informar que o seu discurso está sendo regularmente transmitido pela TV Senado.

O SR. LINDBERG CURY (PFL - DF) - Ótimo. Fico satisfeito com isso, Presidente.

Eu estava dizendo que a Fenabrave representa 4.292 concessionárias no Brasil, das quais 2.395 são revendas de automóveis e comerciais leves; 473 representam caminhões e ônibus; 78 são marcas de implementos rodoviários; 587 são representantes de máquinas agrícolas; e 759 são revendas de motocicletas. Em 1997, eram 4.845 concessionárias, e hoje são 4.292. Houve uma redução de 553 concessionárias, o que significa mais de 28 mil empregos a menos.

Conforme eu dizia, Sr. Presidente, a Fenabrave é o órgão que tem a maior representatividade de todas as marcas e de todas as concessionárias aqui citadas. É presidida pelo Sr. Hugo Maia, e o Presidente do Conselho é o Sr. Waldemar Verdi Júnior, um empresário bem-sucedido, que tem a marca da sua competência em quase todos os Estados do nosso Brasil e que representa com dignidade todos os representantes de marcas.

Mas o lobby dessas montadoras é muito grande e atingiu a SDE. Pela segunda vez, foi realizada uma assembléia contando com a presença dos participantes de todas as marcas. Foi contratado um escritório da maior competência e credibilidade, o Salomón Levy, de São Paulo, bem como os trabalhos do grande jurista Miguel Reale, que deu um parecer no sentido de que o cartel está sendo montado, de que os contratos são leoninos, são contratos de adesão e mereciam a atenção do Cade. Por sua vez, o Cade deu seu parecer e votou com lealdade, com critério, considerando que as empresas nacionais merecem respeito.

Essas montadoras multinacionais não pagam os impostos que deveriam pagar. Há diversas maneiras de elas superarem o enfrentamento tributário. E elas têm recursos para isso, têm advogados em todos os campos.

E agora? Citei também, há dias, que somente Sílvio Santos, como pessoa física, paga a metade dos Impostos de Renda de todas as marcas de veículos existentes hoje em nosso País. E vêm essas empresas fazer lobby em cima da SDE, que deveria estar defendendo os interesses do nosso País, os interesses das empresas nacionais, e não o faz.

Quero solicitar a V. Exª, Sr. Presidente, que encaminhe à CAE um requerimento para acompanhar essa decisão, que considerei intempestiva por parte da Secretaria de Direitos Econômicos.

            Eram essas as minhas considerações, Sr. Presidente. O Senado tem que levantar a voz. Estamos aqui eleitos pelo povo. Temos que defender as empresas nacionais, a exemplo do que ocorreu recentemente com a Ambev, com a Ford, com a McDonald’s, com todas elas, que abusaram dos contratos, para, em seguida, colocarem na rua da amargura empresas nacionais, que investiram por mais de quarenta anos.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LINDBERG CURY (PFL - DF) - Concedo o aparte, com muito orgulho, a V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão) - Peço apenas ao Senador Casildo Maldaner que seja breve em seu aparte, porque o tempo do orador já se esgotou.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Serei breve, Sr. Presidente. Apenas pretendo associar-me à preocupação de V. Exª, Senador Lindberg Cury, com relação às questões nacionais. A preocupação se estende a todos nós, no Brasil inteiro, com relação a essas pessoas que se sentem partícipes nas concessionárias, nas distribuidoras, que vestem a camisa dessas montadoras. Em suma, elas dão suas vidas a essas empresas, que vêm de pai para filho e chegam aos netos. Enfim, são gerações que comungam do mesmo pensamento, procuram fazer correções, fazer o melhor para atender bem ao cliente, ou seja, a ponta final. Estão diuturnamente comungando das alegrias e das dores da montadora, bem como das alegrias e das dores dos consumidores. Muitas vezes, essas empresas que oferecem mão-de-obra ficam ao léu, jogadas ao tempo, depois de se dedicarem, de corpo e alma, por toda uma vida, a uma atividade. Creio que essa comunhão, essa participação não pode ser rompida sem mais nem menos. V. Exª apela para o Cade, para que tenha cuidado em relação a esse assunto. Cumprimento V. Exª pela luta que trava. Não é de hoje que V. Exª externa essa preocupação em relação às montadoras, às distribuidoras e a todos os demais setores da vida nacional, para que não se montem cartéis, com o abuso, em função disso, do consumidor final. E, afinal de contas, estamos aqui para protegê-los.

            O SR. LINDBERG CURY (PFL - DF) - Senador Casildo Maldaner, agradeço o aparte de V. Exª, que é um Senador de sentimentos nacionalistas. Todas as vezes em que assomei a esta tribuna para defender as empresas nacionais, V. Exª ofereceu sua palavra de força em defesa dessas empresas. V. Exª representa um Estado importantíssimo no contexto nacional, e, por isso, o pronunciamento de V. Exª é muito significativo para todas essas empresas aqui citadas em nível nacional.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/03/2002 - Página 3052