Discurso durante a 36ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre a necessidade de mudança na política brasileira de endividamento externo.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA EXTERNA.:
  • Comentários sobre a necessidade de mudança na política brasileira de endividamento externo.
Publicação
Publicação no DSF de 09/04/2002 - Página 3933
Assunto
Outros > DIVIDA EXTERNA.
Indexação
  • ANALISE, DEPENDENCIA, ECONOMIA NACIONAL, CAPITAL ESTRANGEIRO, RISCOS, ESTABILIDADE, GRAVIDADE, AUMENTO, DIVIDA EXTERNA, REGISTRO, DADOS.
  • SUPERIORIDADE, GASTOS PUBLICOS, DESPESA, JUROS, DIVIDA EXTERNA, COMPARAÇÃO, DOTAÇÃO ORÇAMENTARIA, SAUDE, EDUCAÇÃO, REFORMA AGRARIA, SANEAMENTO, HABITAÇÃO, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
  • DEFESA, REDUÇÃO, CAPTAÇÃO, EMPRESTIMO EXTERNO, INCENTIVO, CRIAÇÃO, POUPANÇA, MERCADO INTERNO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MAURO MIRANDA (PMDB -- GO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desde o advento do Plano Real, em meados de 1994, até hoje, algumas mudanças se fizeram sentir na economia brasileira, a começar da mais evidente delas, a brutal redução das altíssimas taxas inflacionárias. Todavia algo se mantém inalterado. É a dependência externa do Brasil, que causa grande instabilidade a nossa economia. E adianto logo que não sou daqueles que acham que o Brasil deva encerrar-se numa fortaleza e subtrair-se ao contato com o mundo. Não, pelo contrário. Num cenário em que, cada vez mais, os fluxos de riqueza e de prosperidade passam por maior integração mundial, seria deslavada loucura querer isolar o Brasil do comércio e dos investimentos estrangeiros. Temos de buscar mais contato, e não menos.

Refiro-me, isto sim, à face ruim e evitável da dependência. Evitável, sim, pois a dependência a que me refiro é resultado das características da macroeconomia brasileira, macroeconomia que é o que é em razão de decisões que tomamos hoje e que tomamos ontem, no passado. Não há fatalidade em economia. Há opções. Há organização e há desorganização. Há caminhos corretos e há caminhos errados. E cada um dos quais leva a determinado destino.

No que se relaciona à dependência, um fator fundamental, que a ilustra e que tem sido interminável fonte de problemas e de apreensão para o Brasil, é a dívida externa.

Sr. Presidente, a dependência externa do Brasil é histórica. Sem levar em conta o período mais remoto do Brasil Colônia e o período um pouco menos remoto anterior ao século XX, quando o País era mero fornecedor de insumos agrícolas ao mercado europeu; o Brasil tem alternado momentos eufóricos de captação de poupança externa a juros relativamente baixos com momentos de crise do Balanço de Pagamentos, quando, em razão da conjuntura externa, escasseiam esses capitais. O custo político e social dessa vulnerabilidade externa, não é necessário dizer, tem sido enorme. Para falar de forma um pouco mais concreta, eu pergunto: Quantas e quantas vezes tivemos de manter as taxas de juro internas altas para captar divisas, de modo a fechar as contas externas? E quanto isso tem custado em termos de crescimento insuficiente, de quebra de empresas, de desemprego?

Já que estou, neste discurso, concentrando-me no setor externo brasileiro, quero fazer breve comentário sobre o perfil da dívida externa.

A dívida externa brasileira aumentou 62%, de dezembro de 1993 até dezembro de 2000. (Não vou considerar o ano de 2001, pois o dado, para esse ano, ainda não foi fechado.) Em dezembro de 1993, a dívida externa total era 145 bilhões de dólares. Em dezembro de 2000, 236 bilhões. Por sua vez, o aumento, no período, da dívida externa líquida, que é um indicador mais adequado, pois diminui da dívida externa total o montante das reservas internacionais, foi ainda maior, 70%: 119 bilhões em dezembro de 1993, e 203 bilhões de dólares em dezembro de 2000!1

Todavia a composição da dívida externa modificou-se completamente no período. Antes do Plano Real, no final de 1993, 64% da dívida era de responsabilidade pública e 36% era de responsabilidade privada. Ao final de 2000, esse quadro é outro, tendo sofrido inversão: 40% de dívida externa pública e 60% de dívida externa privada. Nos sete primeiros anos de vigência do Plano Real, a dívida externa privada aumentou 174% e a dívida externa pública diminuiu 1%, em termos absolutos.2 Isso se explica por vários fatores, alguns deles não triviais e sujeitos a controvérsia. Substituiu-se a captação de empréstimos externos públicos por atração de investimentos diretos como política para o financiamento do déficit em Transações Correntes; as grandes empresas brasileiras voltaram a captar dinheiro no exterior, em razão da melhora da imagem da economia brasileira, sendo obrigadas a isso pela abertura comercial e pelos altos juros internos; e outros fatores - não vou enumerá-los a todos.

Contudo é forçoso reconhecer que, em termos de fragilidade do Balanço de Pagamentos, pouco importa se os encargos da dívida externa são de responsabilidade pública ou de responsabilidade privada. O fato é que a dívida externa total líquida, como disse, aumentou 70% em sete anos de Plano Real e há de se providenciar divisas para honrar os encargos dela. Assim, a fragilidade externa representada pelo incremento da dívida externa total certamente aumentou.

Outro dado relevante que importa saber e citar é a despesa que o Brasil tem tido com os juros da dívida externa. Para não sobrecarregar este discurso com estatísticas, vou ater-me aos dois últimos anos, 2000 e 2001. Em 2000, o País incorreu em despesa líquida de 14 bilhões e 600 milhões de dólares. Em 2001, o número foi parecido: 14 bilhões e 800 milhões de dólares.3

            Façamos agora uma comparação simples e vejamos o que essa despesa representa em relação a alguns gastos sociais relevantes do Orçamento Geral da União. Como meu objetivo é ter noção aproximada dessa relação, utilizo a taxa de câmbio de 2,40 reais por dólar para converter valores em dólares das despesas com juros para reais, e poder comparará-los com os valores, em reais, do Orçamento.

Pois bem. Em 2001 -- vou ficar apenas com o último ano --, a despesa com juros da dívida externa atingiu 35 bilhões 520 milhões de reais. Ora, tal montante é 8% superior ao que o País gastou, no mesmo ano, com Saúde, Educação, Reforma Agrária, Saneamento e Habitação, todos esses itens somados!4 Pasmem!, isso representa o total das despesas sociais do Governo Federal!, se excetuarmos a rubrica Previdência Social, que é conta especial, com financiamento próprio e vinculado. Não é pouca coisa! Importa dizer que, se o Brasil não tivesse as despesas que tem com juros da dívida externa, poderia dobrar os gastos sociais!

Lamentavelmente, Senhoras e Senhores Senadores, somos uma Nação que trabalha para pagar aos outros, enquanto deixa sua população desassistida e à mingua de recursos! Esse é um quadro dramático que importa mudar!

Tomemos o caso da Argentina como lição do que não se deve fazer! A Argentina endividou-se externamente o mais que pôde para sustentar uma moeda insustentável. Comprometeu o futuro de seu povo e a viabilidade de seu governo, que hoje anda aí, de pires na mão, a implorar a clemência dos credores internacionais. Ainda é tempo! Não nos convertamos em outra Argentina!

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, não resta dúvida de que é necessário diminuir a vulnerabilidade das contas externas brasileiras. Tal vulnerabilidade, como disse, é histórica. Temos seguido, nesse particular, os ciclos econômicos mundiais: época de euforia na captação de dinheiro externo relativamente barato seguido por época de crise do Balanço de Pagamentos, com todo o custo social que isso implica em termos de estagnação e de desemprego. Alçaríamos novo e necessário patamar como nação independente e estável, caso deixássemos de ser esse navio, quase à deriva, a sofrer os solavancos das ondas da economia mundial.

Estamos na situação em que não nos podemos fechar à economia mundial, sob o risco de passarmos ao largo do caminho da riqueza e da prosperidade, e, ao mesmo tempo, temos de monitorar, muito de perto, o Balanço de Pagamentos, de modo a evitar nova crise cambial, que tantos prejuízos traria à sociedade, mas que, por vezes, parece estar insuportavelmente perto de ocorrer.

Entretanto algo é certo. É a necessidade de mudarmos o eixo de nosso desenvolvimento. Deixar a atração quase incontrolável que temos tido por captar empréstimos estrangeiros quando se nos oferece a oportunidade. Tomarmos medidas para que possamos avançar com nossas próprias pernas, incentivar a criação de poupança interna!

O Brasil é grande Nação, todos nós sabemos disso. Não nos podemos amesquinhar e continuar a levar à boca alheia o pão que pertence a nosso povo!

Era o que tinha a dizer.

NOTAS:

           1 NUNES FILHO, Petrônio Portella. Estudo n.º 204, de 2001. Consultoria Legislativa do Senado Federal, mimeo.

           2 BOLETIM DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. Tabela V.1 -- Balanço de Pagamentos. Banco Central do Brasil, janeiro de 2002, internet.

           3 BOLETIM DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. Quadro V.7 - Rendas. Banco Central do Brasil, fevereiro de 2002, internet.

           4 Cálculo realizado a partir de dados contantes em tabela da seguinte referência bibliográfica:

           MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. Orçamento, Estatísticas Orçamentárias, Quadros consolidados 1995-2001, Evolução das despesas nas áreas sociais. Sítio na internet (www.planejamento.gov.br).


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/04/2002 - Página 3933