Discurso durante a 47ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

ESCLARECIMENTOS SOBRE O CASO DO EX-GOVERNADOR DE BRASILIA, CRISTOVAM BUARQUE, CONDENADO POR CRIME DE DESOBEDIENCIA A ORDENS DA JUSTIÇA ELEITORAL. (COMO LIDER)

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • ESCLARECIMENTOS SOBRE O CASO DO EX-GOVERNADOR DE BRASILIA, CRISTOVAM BUARQUE, CONDENADO POR CRIME DE DESOBEDIENCIA A ORDENS DA JUSTIÇA ELEITORAL. (COMO LIDER)
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 24/04/2002 - Página 5818
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • COMENTARIO, INJUSTIÇA, SITUAÇÃO, CRISTOVAM BUARQUE, EX GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF), CONDENAÇÃO, TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL (TRE), CRIME, DESOBEDIENCIA, ANTECIPAÇÃO, PROPAGANDA ELEITORAL.
  • CRITICA, TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL (TRE), FALTA, IMPARCIALIDADE, JULGAMENTO, SEMELHANÇA, ACUSAÇÃO, REU, EX GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF), FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXPECTATIVA, ABSOLVIÇÃO, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE), GARANTIA, DIREITOS POLITICOS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de trazer ao conhecimento do Plenário o que já é do conhecimento público, sobretudo no Distrito Federal. Trata-se do que poderíamos denominar de “Caso Cristovam Buarque”.

O ex-Governador Cristovam Buarque está condenado pela Justiça Eleitoral do Distrito Federal a três meses de detenção, convertidos em três meses de prestação de serviço à comunidade e à multa de R$360,00 pelo suposto crime de desobediência a ordens da Justiça Eleitoral.

A sentença foi proferida em Ações Penais Eleitorais, que alega ter havido desobediência a duas liminares concedidas pela Corregedoria Regional Eleitoral antes e durante a campanha eleitoral de 1998.

Em abril de 1998, o PMDB ingressou com uma representação pedindo a suspensão de toda a propaganda institucional do Governo do Distrito Federal, alegando que nela constava o slogan “Governo Democrático e Popular”, o qual caracterizaria promoção pessoal do Governador e propaganda eleitoral antecipada.

A liminar foi deferida, suspendendo toda a propaganda. Posteriormente, o TSE modificou a decisão e manteve a proibição de uso do slogan. Esta decisão foi integralmente cumprida no prazo de cinco dias, fixado pelo próprio corregedor. As provas estão no processo. Apesar disso, o TRE manteve a condenação por desobediência.

Em julho de 1998, o PMDB entrou com outra representação no TRE, alegando que a lei eleitoral proibia o uso de placas de obras e programas de governo durante o período eleitoral. Novamente outra liminar foi concedida, mandando o então Governador Cristovam Buarque retirar todas as placas existentes no Distrito Federal.

            Esta decisão outra vez foi modificada pelo TSE, que admitiu o uso de placas, mas proibiu o uso de símbolos ou expressões que identificassem os candidatos à reeleição. A decisão obrigava tanto o ex-Governador quanto o Presidente Fernando Henrique Cardoso, quando foi proibido o uso da expressão “Brasil em Ação”. O Presidente não a cumpriu, tanto que o PT nacional, em outra representação, provou o descumprimento, mas o TSE disse que não era sua responsabilidade pessoal, ou seja, não era responsabilidade pessoal do Presidente no caso da expressão “Brasil em Ação”, coisa que não aconteceu com relação à propaganda do Distrito Federal, que essa, sim, foi considerada como de responsabilidade pessoal do Governador Cristovam Buarque.

Ocorre que, no mesmo dia em que a decisão do TSE foi tomada e comunicada a Cristovam, ele determinou ao secretário de Comunicação Social que mandasse cumprir a ordem. Por isso, no dia 21 de agosto de 1998, o secretário de Comunicação Social enviou Carta Circular a todos os secretários de Governo e presidentes de empresas e de fundações, determinando o cumprimento da decisão do TSE.

Posteriormente, o TRE, em diligências realizadas, identificou o descumprimento parcial, encontrando algumas placas sem pintura. Por isso, caracterizou como tendo havido nova desobediência do então Governador.

Entretanto, ao contrário do que entendeu o TSE para o Presidente da República, ou seja, que este não possuía responsabilidade pessoal pelo descumprimento verificado, no caso do Cristovam, essa responsabilidade foi exigida, a ponto de o relator dizer que o então Governador tinha a obrigação de verificar em seu próprio carro o cumprimento da decisão do TRE por parte de seus subordinados.

A condenação nem poderia ter ocorrido, porque houve prescrição. Como decorreu mais de dois anos entre os fatos tidos como desobediência e a denúncia do Ministério Público, o processo deveria ter sido arquivado. Não foi e continua a produzir seus efeitos, ameaçando inclusive impedir a candidatura de Cristovam, haja vista que a conseqüência da condenação transitada em julgado é a inelegibilidade por três anos.

Há recursos contra a decisão do TRE que deverão ser julgados pelo TSE. Espera-se que esse Tribunal, mais distante das paixões locais, julgue-os rapidamente, absolvendo Cristovam Buarque ou, pelo menos, reconhecendo a prescrição e mandando arquivar os processos.

Trata-se de um absurdo a condenação por desobediência a ordens judiciais que, num caso, foi cumprida integralmente e, noutro, além de ter sido cumprida quase que integralmente, houve expressa ordem do ex-Governador para que os secretários e presidentes de empresas procedessem àquilo que determinava a Justiça.

Tudo isso pode ser explicado pela tensa relação mantida pelo então Governador Cristovam Buarque com o Poder Judiciário do Distrito Federal, o que decorreu do fato de a Oposição, especialmente o então Deputado Distrital Luiz Estevão, Senador cassado pelos fatos que todos os senhores conhecem, ter judicializado ação política, de modo que tudo era levado ao Judiciário e, em geral, eram concedidas liminares ou decisões desfavoráveis ao Governo do Professor Cristovam Buarque.

Espera-se que o TSE, mantendo-se eqüidistante das paixões locais, possa reconhecer a injustiça que vem sendo cometida contra o ex-Governador Cristovam Buarque.

O Sr. Senador Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senadora Marina Silva, concede-me V. Exª um aparte?

A SR.ª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Ouço o aparte de V. Exª, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Senador Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senadora Marina Silva, V. Exª traz um histórico isento a respeito dos procedimentos havidos durante o Governo Cristovam Buarque e de como ele, diante da orientação da Justiça eleitoral, resolveu determinar a seus secretários e dirigentes de empresas para que houvesse tão-somente o cumprimento da ordem da Justiça Eleitoral. V. Exª também monstra como houve um procedimento distinto no caso do Governador Cristovam Buarque e do Presidente Fernando Henrique Cardoso no que diz respeito ao mote “Brasil em Ação”. Houve um tratamento díspar, e dada a extraordinária contribuição do Governador Cristovam Buarque como figura pública, torna-se ainda mais grave a decisão que, por enquanto, mantém a Justiça Eleitoral de Brasília. Espera-se - e este é o teor principal do pronunciamento de V. Exª, com o qual estou de pleno acordo - que o Tribunal Superior Eleitoral possa examinar a injustiça que se cometerá ao impedir que o ex-Governador Cristovam Buarque dispute as eleições este ano. Cumprimento V. Exª pelo pronunciamento, com o qual estou de pleno acordo. Quero expressar o nosso sentimento sobre a importância de a Justiça Eleitoral, em nível superior, reconhecer a injustiça que está sendo cometida contra Cristovam Buarque.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Agradeço o aparte de V. Exª, como Líder do Bloco de Oposição, Senador Eduardo Suplicy, e o incorporo inteiramente ao meu pronunciamento.

Prossigo, Sr. Presidente, dizendo que não advogo a idéia de uma justiça, de uma ética de circunstância. Creio que agir de acordo com as circunstâncias é estabelecer um dos mais ferozes princípios de injustiça. O gestor público, no caso o Presidente Fernando Henrique, que usava como mote de seu Governo a frase Brasil em Ação, quando essa expressão foi identificada como ligação ao período eleitoral houve a proibição do seu uso; e o não cumprimento dessa determinação judicial poderia acarretar penalidade. No entanto, compreendeu-se que o Presidente da República não poderia sair em um carro próprio, com uma equipe de campanha, arrancando placas - até porque boa parte dessa equipe também são figuras ilustres, Ministros, ex-Ministros, Presidentes de instituições muito poderosas, são seus militantes de proa.

No caso do Governador Cristovam Buarque, o entendimento da Justiça é que a responsabilidade de coordenar a retirada das placas era do Governador, uma responsabilidade pessoal: S. Exª deveria sair em carro próprio, com um grupo de pessoas, e retirar determinadas placas. Ou seja, há aí uma justiça e uma ética de circunstância, com dois pesos e duas medidas: para um caso, toda a compreensão, todo o relevo em relação ao problema; para outro, todo o rigor da lei, toda a severa imposição de que o Governador, pessoalmente, era responsável.

Ora, tanto o Presidente Fernando Henrique quanto o Governador Cristovam, ressalvadas aí as devidas proporções das posições que ocupam, são figuras públicas que só poderiam executar a ação da Justiça, já que se tratava de uma propaganda institucional que anunciava obras do Governo, se essa fosse por meio de decisão institucional. E as pessoas que executaram essa ordem - que não foi uma ordem verbal, mas por escrito do Secretário de Comunicação Social - por alguma razão deixaram algumas placas. Só que nesse caso não houve o crédito da não-execução total àqueles que iriam executar a ação e, sim, pessoalmente ao então Governador Cristovam Buarque.

Todos nós aqui conhecemos a figura do ex-Governador Cristovam Buarque, e é por isso que estou fazendo este pronunciamento, com todo o respeito que tenho pela Justiça. Sei que são poderes autônomos, mas a sociedade brasileira precisa entender o que está acontecendo, porque a condenação do ex-Governador Cristovam Buarque significa a cassação dos seus direitos políticos e significa também cassar milhares de brasilienses que querem votar em S. Exª para que venha a ser Senador nesta Casa - se Deus quiser - e dar uma grande contribuição para o Brasil pela sua competência, sensibilidade e capacidade de tratar os problemas deste País.

Acho inclusive que foi cometida uma ironia na penalidade aplicada ao ex-Governador Cristovam Buarque, porque, além da multa estabelecida em dinheiro, também há a prestação de serviço à comunidade, e acho que isso, para o Sr. Cristovam Buarque, não pode se entendido como uma pena, de jeito algum, porque prestar serviço à comunidade é o que S. Exª tem feito em mais de 30 anos de vida pública, como bom professor na Universidade de Brasília, como ex-Reitor, como o Governador que criou a Bolsa-Escola e como Presidente da Missão Criança. Talvez a pena a ser imposta ao ex-Governador Cristovam Buarque fosse parar de dar suas aulas aos alunos da UnB, onde S. Exª ensina como ser um economista comprometido com a transformação social, política, econômica e cultural deste País. Aí, sim, isso seria um castigo para o Cristovam, porque prestar serviços à comunidade ele já faz há muito tempo. Talvez outro castigo fosse proibi-lo de ser Presidente da Missão Criança - uma referência para o mundo todo; o trabalho que ele está fazendo, sobretudo com relação à Bolsa-Escola, é referência para mais de 40 países -, proibindo-o de falar sobre educação, para tirar jovens da exclusão social a que estão submetidos. Prestar serviços à comunidade, para o Cristovam, não é uma pena, ao contrário, é uma continuação daquilo que faz.

Por isso, tenho certeza de que, numa instância superior, em que não há os problemas da disputa paroquial e da justiça de circunstância, tenho absoluta certeza de que esse processo não prosseguirá eivado de injustiças para perseguir e prejudicar uma pessoa que está sendo cassada antecipadamente.

Faço um apelo, se é que posso, ao povo do Distrito Federal para que fique bem atento ao que está ocorrendo. Que as pessoas que queiram derrotar o Cristovam o façam nas urnas; aliás já o fizeram uma vez - não quero aqui entrar nesse mérito. Mas, por mecanismos judiciais escudados em uma visão parcial de Justiça, tentar cassar antecipadamente aquele que poderá dar uma grande contribuição para este País, não me parece justo. Como professora, companheira de Partido, admiradora de seu trabalho como professor e Presidente da Missão Criança, quero me solidarizar com o meu companheiro Cristovam Buarque, porque considero isso injusto.

Não vou citar nomes, mas sei que muitos daqueles que desviaram recursos públicos, inclusive de instituições muito importantes para a minha região, a Região Amazônica, poderão voltar para o Senado da República. Sei que muitos dos que fraudaram processos poderão voltar sem qualquer impedimento da Justiça. No entanto, o Governador do Programa Bolsa-Escola, da Missão Criança, o bom Reitor da Universidade de Brasília, que contribuiu, e muito, para a criação da União dos Povos da Floresta, para a instalação do Conselho Nacional dos Seringueiros, com quem tenho uma dívida, em nome do Chico Mendes, poderá ser cassado, antecipadamente, para que aqui não venha trazer a sua contribuição. Penso que essa seria uma grande frustração para a população do Distrito Federal.

Sempre que um cidadão de Brasília, uma criança ou um idoso chegar à faixa de segurança, e um motorista parar o carro num gesto de cidadania e respeito pelo ser humano, deve lembrar-se de que o cidadão Cristovam Buarque, que introduziu tantos procedimentos corretos, humanitários e respeitosos no âmbito dos direitos humanos e da dignidade dos moradores do Distrito Federal, como uma referência para o Brasil, esse cidadão está sendo cassado não pela Justiça, como deveria ser.

Não considero que seja correto usar um peso para o nosso Presidente e outro para o nosso ex-Governador. Dois pesos e duas medidas não são referências para a Justiça. A justiça deve ser aplicada de modo igual, até porque os dois procederam encaminhando aquilo que a Justiça determinou: a retirada das placas. Se a obra não foi executada totalmente e algumas ainda restaram, não pode ser conferida à pessoa do Governador a responsabilidade por não realizá-la. Ainda mais, se o caso já prescreveu, não há por que continuar; deveria pelo menos ser arquivado.

Em nome desse distanciamento, de uma Justiça que leve em conta a grande injustiça que poderá ser praticada no caso do Governador Cristovam Buarque, é que acredito na ação isenta e correta do TSE para o caso Cristovam Buarque, para a alegria do povo do Distrito Federal e de todos aqueles, que como eu, desde 1985, quando da criação do Conselho Nacional de Seringueiros, acompanham o seu trabalho e a contribuição que dá ao povo deste País. Ele não merece ser achincalhado como se fosse um desrespeitador das normas e da legislação brasileira, na observância do que são os critérios de impessoalidade que devem nortear a ação do gestor público.

Erros podem ser cometidos. No momento em que se chama a atenção para tal, eles precisam ser corrigidos. E houve a intenção expressa do Governador em corrigir os erros identificados segundo o entendimento daqueles que determinaram a suspensão da propaganda oficial. Lamentavelmente, parece-me, a intenção não era fazer cumprir a lei, mas usá-la para prejudicar o indivíduo Cristovam e, sobretudo, a sua caminhada política.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/04/2002 - Página 5818