Discurso durante a 61ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o julgamento dos envolvidos no massacre de Eldorado dos Carajás. Transcurso do sétimo dia de greve de fome de professores estaduais do Pará.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DO PARA (PA), GOVERNO ESTADUAL. MOVIMENTO TRABALHISTA.:
  • Considerações sobre o julgamento dos envolvidos no massacre de Eldorado dos Carajás. Transcurso do sétimo dia de greve de fome de professores estaduais do Pará.
Aparteantes
Luiz Otavio.
Publicação
Publicação no DSF de 16/05/2002 - Página 8167
Assunto
Outros > ESTADO DO PARA (PA), GOVERNO ESTADUAL. MOVIMENTO TRABALHISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, INICIO, JULGAMENTO, RESPONSAVEL, HOMICIDIO, SEM-TERRA, MUNICIPIO, ELDORADO DOS CARAJAS (PA), ESTADO DO PARA (PA), REPUDIO, AUSENCIA, INDICIAMENTO, ALMIR GABRIEL, GOVERNADOR, COMANDANTE, POLICIA MILITAR, SECRETARIO, SEGURANÇA PUBLICA.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O LIBERAL, ESTADO DO PARA (PA), TRANSCRIÇÃO, DEPOIMENTO, CORONEL, ACUSAÇÃO, GOVERNADOR, COMANDANTE, POLICIA MILITAR, MANDANTE, RETIRADA, SEM-TERRA, NECESSIDADE, DESOBSTRUÇÃO, RODOVIA, AUSENCIA, NEGOCIAÇÃO.
  • COMENTARIO, GREVE, FOME, PROFESSOR, ESCOLA PUBLICA, ESTADO DO PARA (PA), REIVINDICAÇÃO, AUMENTO, SALARIO, CRITICA, ATUAÇÃO, ALMIR GABRIEL, GOVERNADOR, AUSENCIA, NEGOCIAÇÃO.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta oportunidade venho comentar o julgamento dos responsáveis pela chacina de Eldorado dos Carajás, ocorrida no dia 17 de abril de 1996 - portanto, há mais de 6 anos. Hoje, iniciou-se o julgamento dos responsáveis pelo Tribunal do Júri do Estado do Pará.

É evidente que em nosso País o povo ainda não atingiu o nível de organização, estruturação e consciência política similar de um país justo e sério. Estão sendo julgados os que estiveram presentes ao ato de desobstrução da estrada; ou seja, estão sendo julgados 156 policiais militares, incluindo seus comandantes. Fora do julgamento, por decisão judicial - em uma demonstração de que neste País quem tem bons advogados, dinheiro e poder sempre se livra de qualquer processo -, ficaram os verdadeiros responsáveis pela chacina de Eldorado dos Carajás.

Quem são eles, Sr. Presidente? O Governador do Estado do Pará, Almir Gabriel; o Comandante da Política Militar à época, Coronel Fabiano Lopes; e o maior de todos os responsáveis, em minha opinião, o Secretário de Segurança Pública, que permanece no cargo, Paulo Sette Câmara.

O julgamento iniciou-se hoje, depois, como já disse, de 6 anos e alguns meses. O primeiro a ser ouvido foi o Coronel Pantoja, que, no seu depoimento, disse o que tenho repetido e lamentado ao longo desse tempo da tribuna desta Casa: os verdadeiros culpados não estão neste momento sendo julgados.

O Coronel Pantoja responsabilizou o Governador do Estado Almir Gabriel e contou alguns fatos que para nós já eram bastante conhecidos. Disse que, ao receber a ordem do Coronel Fabiano Lopes, ponderou que não teria condições de, com sua equipe de policiais, desobstruir aquela estrada e retirar aqueles colonos sem uma tropa de choque, sem um aparato policial experiente nesse tipo de ação. E o Coronel Lopes havia dito, de maneira muito clara, que era determinação do Governador retirar aquelas pessoas, desobstruir a estrada a qualquer custo.

O Coronel Pantoja recebeu ordens para atacar de um lado da estrada, enquanto outro comandante viria do quartel de Parauapebas. Portanto, dois grupos de policiais militares cercaram os trabalhadores: um seguindo de Parauapebas e outro, de Marabá.

Vou ler um trecho da reportagem publicada hoje no jornal O Liberal:

No dia seguinte, informou Pantoja, ao meio-dia, recebeu nova ligação do comandante da PM, afirmando que Almir Gabriel não aceitou a proposta - a de que o Governador mandasse uma tropa de choque - e que o governador “estava cheio das exigências dos sem-terra e que era para eu organizar a tropa e desobstruir a rodovia”.

São palavras do Coronel Pantoja, hoje, em seu depoimento.

No mesmo telefonema, Pantoja garantiu que voltou a explicar a Fabiano Lopes que a missão era muito arriscada porque o Batalhão não tinha os equipamentos necessários. Neste momento, segundo o depoente, o comandante da PM gritou alguns palavrões e disse: “Vai fazer que ele já está chateado com o MST”.

Após a intimação, Pantoja disse que reuniu os oficiais - o tenente Souza e o capitão Almendra -, explicou a missão e mandou reunir a tropa e dar ciência da missão. Voltou a ligar para o coronel Lopes, às 14h30, avisando que estava partindo, quando soube que a Tropa de Choque não seria enviada para o local.

            Palavras do Coronel Pantoja: “Ele me disse que o governador avisou que não ia gastar um tostão para mandar a tropa de choque, que era para eu dar o meu jeito e desocupar a estrada”.

Informou, completando ainda: “Chegou a perguntar ao Comandante se ele tinha se reunido com oficiais do Estado-Maior”. Mas recebeu como resposta que “a ordem era do Governador e a decisão tinha que ser cumprida”.

Devo lembrar aqui a intolerância, a falta de experiência política do Governador Almir Gabriel com aquelas pessoas que integravam aquele movimento que, naquele momento, fechava a estrada.

Essas pessoas, Sr. Presidente, eram oriundas de um movimento que, por volta de 1994, ocuparam uma área de terra da qual a Vale do Rio Doce se disse proprietária. A Vale do Rio Doce, com todo o poder que tem e com toda a proteção do Estado, da Polícia - porque o Estado existe para servir a Vale, não é a Vale que serve aos interesses do Pará e do Brasil, pois o poder econômico sempre tem mais força do que qualquer governo. Aliás, os governos que temos são submissos a imposições de grandes empresas como essa. A Vale conseguiu colocar esses trabalhadores para fora das terras. Essa mesma Vale que, tempos depois, conseguiu que o Governador do Estado do Pará colocasse 450 policiais militares, por mais de 5 meses, no garimpo de Serra Pelada, para manter os garimpeiros fora de lá, para dar segurança a uma empresa que já era privada à época.

Essa Vale do Rio Doce expulsou esses trabalhadores. Eles fizeram um acampamento em Parauapebas esperando a ação do Incra local para resolver a sua situação. Passaram-se mais de seis meses e a solução do Incra, que não veio.

Chateados com essa espera, os trabalhadores se deslocaram para Marabá e ocuparam a sede do Incra. É uma sede enorme, com uma área externa muito grande, propícia a esse tipo de ocupação e acampamento. Nesse acampamento - isso parece incrível - esses homens passaram oito meses esperando a solução do Incra.

Imagine V. Exª que 600 ou 700 famílias, que já haviam passado seis meses em Parauapebas, passaram mais oito meses em Marabá, esperando a solução que não apareceu.

Lembro-me de que, na campanha política de 1994, eu e o então candidato Lula passamos para fazer uma visita a esses trabalhadores em Marabá. Passada a eleição, o Incra, com a interveniência nossa, desapropriou uma fazenda perto de Parauapebas, denominada Rio Branco. Era de uma extensão razoável. Só que ela não foi suficiente para o assentamento de todas aquelas pessoas que estavam acampadas. Mais de 50% delas continuaram sem a possibilidade de ter a terra para morar, produzir e trabalhar.

Sr. Presidente, à época era Presidente do Incra o Sr. Francisco Graziano, que depois foi demitido pelo Presidente por causa de uma tal de escuta telefônica, uma confusão que houve naquela época. Fui pessoalmente com o Sr. Graziano entregar a Fazenda Rio Branco e conversar com os colonos que não foram assentados em Parauapebas. Isso era mês de setembro de 1995. Lembro-me como se fosse hoje. Eu estava em um palanque e fazíamos um comício praticamente de comemoração pelo fato de o Governo finalmente, depois de 2 anos, ter desapropriado a Fazenda Rio Branco. O então Presidente do Incra, no palanque, prometeu àquelas centenas de pessoas que estavam assistindo ao ato político que em 60 dias desapropriaria a Fazenda Macaxeira e outras fazendas ao redor, e atenderia à necessidade daqueles trabalhadores. Sr. Presidente, isso foi em setembro de 1995 e eu estava presente ao lado do então Presidente do Incra. Nessa época, se descobriu a questão do grampo, da denúncia que ele fez de alguém ligado ao Governo e nesse espaço de 60 dias ele foi demitido. Portanto, os trabalhadores esperaram de setembro a março, sem nenhuma solução. Foi aí, então, que eles decidiram fazer uma caminhada até Marabá, para novamente acampar na sede do Incra. Pretendiam, na verdade, fazer uma caminhada até Belém para fazer valer os seus direitos.

Nessa caminhada, Sr. Presidente, estavam pais de famílias, homens, mulheres, crianças. É muito difícil andar dezenas de quilômetros a pé; são problemas com a alimentação com o transporte dos apetrechos de cozinha, etc. Passando Eldorado de Carajás, praticamente 40km depois de Curionópolis, os trabalhadores, cansados, extenuados dessa marcha, decidiram fechar a estrada para pedir ao Governo que lhes desse alimentação e transporte, porque assim eles chegariam ao local onde desejavam negociar os seus direitos e promover a desapropriação da fazenda Macaxeira e das fazendas vizinhas, que já estavam em processo de andamento. Entretanto, infelizmente, a burocracia do Governo os deixou esperando.

Naturalmente, o Governador estava sendo pressionado pelos latifundiários da região, pelo próprio Secretário de Segurança Pública, um homem a quem S. Exª dá tanto valor, e que eu, particularmente, considero um zero em termos de Administração da segurança pública do Estado do Pará; um homem absolutamente incompetente, insensível, vaselina. É delicado, atencioso em todas as vezes que se conversa com ele, mas não resolve nada. Só conversa. Passa a mão na cabeça de todo o mundo. Sabe conversar com todos, mas não consegue resolver os problemas do Estado. E ele, então, disse que o Governador estava sendo ferido na sua autoridade. A autoridade do Governador do Estado estava sendo questionada. Como trabalhadores rurais sem terra fecham uma estrada e o Governo permite que ela fique fechada? É preciso fazer valer a autoridade do Governador. A autoridade do Governador, a lei, a ordem valem mais do que a paciência de 600 famílias que há dois anos viviam em acampamentos, esperando a oportunidade de ter uma terra para morar, trabalhar e produzir.

O Coronel Pantoja disse hoje aquilo que venho falando ao longo de seis anos: que o Governador do Estado é o maior de todos os responsáveis pela chacina de Eldorado dos Carajás. Jamais disse aqui, em nenhum momento, que S. Exª teve a intenção fria e calculista de matar trabalhadores. Não seria eu capaz de cometer um desatino desses, mas sempre afirmei que o Governador, querendo mostrar sua autoridade e inexperiente para avaliar o que poderia ocorrer em uma decisão como a que tomou, mandou que os trabalhadores fossem retirados da estrada a qualquer custo e a qualquer preço.

O Coronel Pantoja conta hoje que o outro comandante, lá de Parauapebas - não encontro os trechos do que é dito -, manifestou, claramente, que estava havendo uma negociação para que os trabalhadores desobstruíssem a estrada.

O SR. LUIZ OTÁVIO (Bloco/PPB - PA) - Sr. Presidente, V. Exª poderia me informar o tempo que ainda resta para o orador que está na tribuna? Eu desejo usar da palavra como Líder.

O SR. PRESIDENTE (Lindberg Cury) - Sua Excelência tem até as 18 horas e 30 minutos.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Portanto, tenho até o fim da sessão. Agora, estou pronto a debater com S. Exª, o Senador Luiz Otávio. Se S. Exª pedir um aparte, eu o concederei, com muito prazer.

O Sr. Luiz Otávio (Bloco/PPB - PA) - Desde que V. Exª respeite o meu direito de contradizê-lo, pois V. Exª está fazendo colações que não são verdadeiras.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Peço que V. Exª aguarde um pouco que o ouvirei com a maior atenção. Darei o tempo de que V. Exª precisar.

O Sr. Luiz Otávio (Bloco/PPB - PA) - É difícil permitir que V. Exª argumente da forma como faz, até porque o Governador não é parte desse processo.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Senador, deixe-me concluir.

O Sr. Luiz Otávio (Bloco/PPB - PA) - O ex-Procurador-Geral da República Aristides Junqueira, na época, acusou o Governador, como V. Exª está fazendo agora, mas o Supremo Tribunal Federal excluiu o Governador do processo. Então, não dá para entender essa colocação de V. Exª, a não ser por uma questão pessoal.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Não, eu não tenho questão pessoal.

O Sr. Luiz Otávio (Bloco/PPB - PA) - Ou de ódio, ou por uma questão política, “carniceira”.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Senador, peço que V. Exª aguarde. Darei o aparte a V. Exª no momento oportuno.

O Sr. Luiz Otávio (Bloco/PPB - PA) - Por gentileza, até porque não há ninguém em plenário. V. Exª me fez sair do meu gabinete; não há sequer um Senador para ouvi-lo. Então, permita-me as mesmas condições de V. Exª, a fim de que possa pronunciar-me, que aguardarei a oportunidade, como V. Exª bem entender.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Estou cumprindo meu dever de Senador. Se V. Exª é um aliado do Governador e o defende de maneira incondicional, o problema é de V. Exª. O povo que nos julgue. Se não há Senador no plenário, há várias pessoas nos escutando e a TV Senado está transmitindo a nossa opinião. Há muitas pessoas no Pará nos escutando. Que o povo julgue a mim, a V. Exª e ao Governador Almir Gabriel.

O que considero um absurdo é que V. Exª repita agora, neste plenário, a mesma frase usada hoje pelo Secretário de Governo Ophir Cavalcante. São palavras textuais do Secretário do Governo, Ophir Cavalcante: "O Governador não é parte deste processo".

Senador Luiz Otávio, V. Exª não ouviu, mas eu disse, no início do meu pronunciamento, que é lamentável o comportamento da Justiça no nosso País; não pela Justiça, muitas vezes, mas porque a maioria dos Senadores e Deputados Federais desta Casa faz leis que facilitam a vida dos poderosos. Não sei se V. Exª leu, há quatro meses, uma reportagem do jornal O Liberal, que foi manchete de primeira página e mostrava que no Estado do Pará não existe um único preso cuja renda familiar seja superior a cinco salários mínimos. O jornal O Liberal, um dos jornais de maior circulação no meu Estado, o Pará, afirmou, e acho que isso é uma regra geral para o Brasil, que no Estado do Pará não há um único preso cuja renda familiar seja superior a cinco salários mínimos.

O que significa isso? Significa que quem tem dinheiro, quem tem poder jamais vai para a cadeia. E o Governador Almir Gabriel tem poder, tem dinheiro, tem bons advogados e foi excluído do processo exatamente por isso.

O Brasil é isso. Os principais e verdadeiros culpados - o Governador Almir Gabriel, o Secretário de Segurança Paulo Sette Câmara e o Coronel Fabiano Lopes -, que ordenaram a retirada a qualquer custo e a qualquer preço e não consideraram a possibilidade de negociação, foram excluídos do processo, pelo que sei, pelo Superior Tribunal de Justiça. Não foi nem o Supremo Tribunal Federal que o fez. Lamentei e lamento a decisão até hoje, porque quem deveria estar no banco dos réus eram: o Governador Almir Gabriel, o Secretário Paulo Sette Câmara e o Coronel Fabiano Lopes. Eles deveriam ser os primeiros julgados. No entanto, a Justiça do nosso País os tirou do processo.

O Coronel Pantoja disse a verdade: recebeu ordens para fazer o despejo. Ele não tinha comandados preparados para esse tipo de operação. E o outro coronel, que veio de Parauapebas, informou-lhe que havia uma possibilidade de negociação. Os sem-terra queriam ônibus e alimentos para se deslocarem para fazer sua reivindicação. Esperavam há dois anos.

Ouvi o então Presidente do Incra, Sr. Francisco Grazziano, dizer que resolveria o problema em dois meses. Esse fato ocorreu em setembro de 1995, e o ato, no dia 17 de abril de 1996. Nada havia sido resolvido até essa data.

Será que as pessoas que estavam ali esperando há tanto tempo não tinham o direito de fazer um protesto? O movimento não pretendia fazer mal a ninguém, nem ocupou a terra indevidamente. Eles estavam apenas esperando a ação do Incra e do Governo do Estado do Pará, mas não foram ouvidos. Por isso, decidiram caminhar. Após caminharem 40 quilômetros, resolveram fechar a estrada para negociar alimento e transporte com o Governador do Estado. Desejavam apenas isso.

Segundo depoimento do Coronel Pantoja, o Governador do Estado respondeu que não negociaria nada e ainda pediu-lhe que tirasse as pessoas do local. Sendo assim, o Coronel foi cumprir a ordem, mas admitiu que a desobedeceu. Entretanto, recebeu novo comunicado do Major José Maria Oliveira, afirmando que havia conseguido negociar a desobstrução da rodovia, mas que os líderes do movimento haviam feito exigências para deixar a estrada. Solicitaram que o Governo fornecesse alimentos e viaturas para conduzi-los ao local onde poderiam fazer a reivindicação.

Mas a intransigência do Governador e a incapacidade de analisar o que poderia acontecer naquele momento fizeram com que S. Exª não aceitasse a negociação e deixasse valer a sua “autoridade”, que tem mais valor do que a vida do ser humano, que não respeita o sentimento e o sofrimento dos outros nem o que pensava cada um daqueles trabalhadores.

Trata-se de autoridade que não procurou saber há quanto tempo aqueles homens estavam esperando a oportunidade de ocupar a terra nem se lembrou de que eles foram expulsos pela Vale do Rio Doce, passando seis meses acampados em Paraoeba e oito meses em Marabá e tendo atendida a sua necessidade em 50%. Um Presidente do Incra prometeu-lhes, em setembro, que, em dois meses, o restante do seu problema estaria resolvido e, em abril do ano seguinte, decidiram, então, caminhar, como estão fazendo, passando fome, sofridos, suados e cansados. Desse modo, decidiram fechar a estrada a fim de sensibilizar alguma autoridade para lhes conceder ônibus e alimento. Era só o que eles queriam, mas o Governador não foi capaz de compreender isso.

O Governador do meu Estado demonstra, agora, neste instante, mais uma vez, insensibilidade e falta de compreensão do que é ser um homem público e do que é representar o poder público. O poder público existe para se fazer presente onde existem divergências e contradições. É para isso que ele existe, não para se ausentar, para se omitir ou só para mandar a polícia expulsar trabalhadores. Ele existe para interferir, para negociar, para resolver problemas. Ele existe porque é público e seus representantes foram colocados naquele lugar pelo voto da população. O julgamento continuará, e o que eu disse durante seis anos, o Coronel Pantoja está dizendo agora.

Quero mostrar mais uma vez a insensibilidade e a intolerância do Governador do Estado do Pará. Os professores estaduais do Pará entraram em greve, como aconteceu no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul, no Município de Belém, todos sob o Governo do PT, e em Minas Gerais, sob o Governo do PMDB, ou seja, trata-se de uma greve que é possível e tolerável em qualquer canto ou em qualquer lugar deste País. Lembro aqui também a greve dos professores das universidades públicas federais, paralisados durante quatro meses. Pois bem. Os professores do Estado do Pará entraram em greve, Sr. Presidente, lutando por melhores salários. Apresentam treze itens de reinvindicação: reposição salarial de 87%, ressarcimento do pecúlio pago durante anos ao Ipasep, descongelamento da progressão funcional, incorporação salarial do abono do Fundef, renegociação das dívidas junto ao Banpará, pois o banco cobra juros altíssimos, por meio do sistema de empréstimos, como o Multicred, que impossibilita a quitação dos débitos. Greves desejando uma série de coisas.

O Governador do Pará anunciou uma reposição salarial de 7% contra uma reivindicação de 87%. E o pior, o Governador fechou-se para o diálogo. S. Exª não aceita mais dialogar com os professores, fechou-se completamente para o diálogo e não aceita mais nenhum tipo de negociação.

Os professores, então, decidiram por uma atitude drástica. Oito professores e três funcionários, no dia 8 de maio, na quarta-feira da semana passada, entraram em greve de fome. Eles estão fazendo greve de fome deitados em colchonetes, próximo ao CAM, Centro Arquitetônico de Nazaré, em frente à Igreja de Nossa Senhora de Nazaré.

O SR. PRESIDENTE (Lindberg Cury) - Nobre Senador, solicito, se possível, que V. Exª encerre seu discurso, pois o Senador Sebastião Rocha está inscrito para falar e ainda temos apenas cinco minutos dentro do prazo regimental.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Vou concluir meu discurso, Sr. Presidente. Mas antes de encerrá-lo, quero dizer que se trata da Igreja mais importante do Estado do Pará, onde se encontra a imagem de Nossa Senhora de Nazaré. Ela é a santa homenageada na procissão do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, festa maravilhosa que se realiza no Estado do Pará. E essas pessoas, cujos nomes citarei, Sr. Presidente, iniciaram uma greve de fome no dia 8 de maio. São elas: Aldyr Araújo de Souza, Antônio Carlos Martins Barros, José Augusto da Silva, Manuel Cândido Carneiro, Maria do Socorro dos Santos Jucá, Rosângela Luz, Rosineide Andrade dos Santos, Benedita do Amaral, José Bezerra Filho, Helder Machado e Heldon Souza Pereira. Entre os dias 9 e 10 de maio, três dos voluntários foram obrigados a abandonar a greve de fome: Helder Machado, que tomava medicamento controlado e estava com o organismo muito debilitado, Maria do Socorro Jucá e José Bezerra Filho, desidratados e debilitados.

Há, Sr. Presidente, uma grande preocupação no Estado do Pará. Hoje é dia 15. São sete dias de greve de fome. Veja bem V. Exª, sete dias de greve de fome! Não sei o que poderá acontecer a essas pessoas. Espero e confio em Deus que nada lhes aconteça. O que essas pessoas querem é apenas diálogo, conversa. Ora, Sr. Presidente, entendo que um Governador de Estado deveria ser leal, primeiramente, com os seus parceiros no processo de administração, porque funcionário público é parceiro e não adversário do Governo. Se eu não posso dar um aumento, se eu não posso atender às reivindicações do professorado do Pará, tenho que explicar por que não posso dar, tenho que mostrar as contas do Governo do Estado, tenho que mostrar detalhadamente quanto estou gastando, quanto estou arrecadando, onde estou aplicando o dinheiro, tenho que mostrar que não é possível fazer remanejamento de dinheiro, que só é possível dar 7%, tenho que mostrar o que estou fazendo.

Era bom que o Governo do Estado do Pará pudesse fazer o que o Governo Federal faz: colocar as contas públicas num sistema de informação - como o Siafi - e qualquer cidadão, via Internet, pudesse acessá-lo, para saber quanto está sendo gasto em cada obra, por quanto foi contratada cada obra, quanto está sendo gasto com professor, com gasolina, com óleo diesel, que agora está sendo fartamente distribuído, de maneira absolutamente irregular, entre vários Prefeitos do Estado do Pará, para campanha política do candidato a Governador; para que pudesse dizer ao povo do Pará quanto ele está gastando em propaganda, porque é uma enxurrada de propaganda que nunca se viu igual, para poder ter uma razão objetiva de provar para os professores que não é possível atender às suas reivindicações.

Ora, penso que os professores não são irracionais, não são intransigentes. Quem está sendo intransigente e irracional ou talvez tenha algo para esconder é o atual Governador do Estado do Pará.

Não estou dizendo que o Governador tenha de atender qualquer movimento grevista em todas as suas reivindicações. Pode não ser possível atender a reivindicação do movimento grevista, mas é preciso ter um diálogo claro, falar com a sociedade. Não é possível se fechar, não dialogar e fazer com que oito cidadãos façam greve de fome durante sete dias, tendo a sua saúde e seu físico totalmente debilitados em função da intransigência e da falta de diálogo. É só isso o que se quer. E, se os professores não aceitarem os argumentos do Governo, que este chame a Igreja Católica, a Igreja Evangélica, as organizações não-governamentais, a Assembléia Legislativa para com ele discutir a impossibilidade. Que chame todo mundo para mostrar que os professores estão exigindo demais, que não têm razão, que não poderão ter o aumento. Agora, não dialogar, não chamar ninguém, não chamar a Igreja ou quem pode negociar e fazer os professores recuarem de suas posições é uma demonstração de intolerância. Pelo menos deveria ter sido tentado um acordo que atendesse em parte o que está sendo reivindicado.

Eu poderia falar de outras intolerâncias também, Sr. Presidente, mas lamento que o Senador Luiz Otávio não tenha ficado para debatê-las. Estou citando apenas duas delas: a intolerância com os sem-terra, que levou à morte 19 pais de família, e esta de agora. Mas há outras intolerâncias que poderão ser aqui devidamente citadas, e o faremos no desenrolar dos debates.

Quero deixar claro, como Senador do Estado do Pará, como Líder do Partido Socialista Brasileiro nesta Casa, como representante autêntico do povo paraense, o meu protesto, a minha crítica frontal a essa forma intolerante de governar do atual Governador do Estado do Pará. É preciso que seus assessores não façam declarações como aquelas feitas aqui pelo Senador Luiz Otávio: “Ah, S. Exª nem faz parte do processo”. Claro, ele conseguiu, com seus brilhantes advogados, ficar fora do processo. Mas, querer eximi-lo de culpa, a sociedade não engole. Ele não teve a intenção de que aquilo ocorresse, mas foi incapaz de perceber, de avaliar o que a sua ordem poderia causar. E foi a sua ordem que ocasionou a morte dos 19 trabalhadores sem-terra do Pará.

Estou falando disso aqui porque sei que há muita gente me ouvindo, e muita gente que vive ao redor dele. Espero que o Governador pense duas vezes e converse, o mais rápido possível, com o movimento dos professores, da área de educação do Governo do Estado do Pará, para que se chegue a bom termo, pois nem quero pensar na possibilidade de que outros horrores venham a ocorrer em nosso Estado.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/05/2002 - Página 8167