Discurso durante a 73ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Sobrecarga de multas que os condutores e proprietários de veículos passaram a pagar após a vigência do Código de Trânsito Brasileiro.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CODIGO DE TRANSITO BRASILEIRO.:
  • Sobrecarga de multas que os condutores e proprietários de veículos passaram a pagar após a vigência do Código de Trânsito Brasileiro.
Aparteantes
Francisco Escórcio.
Publicação
Publicação no DSF de 01/06/2002 - Página 10032
Assunto
Outros > CODIGO DE TRANSITO BRASILEIRO.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, INEFICACIA, CODIGO NACIONAL DE TRANSITO, EXERCICIO, ATIVIDADE EDUCATIVA, REDUÇÃO, ACIDENTE DE TRANSITO, PROVOCAÇÃO, EXCESSO, COBRANÇA, MULTA, CONDUTOR, PROPRIETARIO, VEICULOS, INFRAÇÃO, TRANSITO, AUSENCIA, INFORMAÇÃO, MOTORISTA, LOCALIZAÇÃO, APARELHO ELETRONICO, CONTROLE, VELOCIDADE.
  • CRITICA, PARTICIPAÇÃO, EMPRESA, INSTALAÇÃO, RADAR, LUCRO, MULTA, INTERESSE, AUMENTO, ARRECADAÇÃO, AGRAVAÇÃO, PREJUIZO, MOTORISTA.
  • CRITICA, AUSENCIA, CAMPANHA EDUCACIONAL, PRIORIDADE, CONTRATO, INSTALAÇÃO, RADAR.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a promulgação, aos 23 de setembro de 1997, da Lei nº 9.503, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), e sua entrada em vigor no ano seguinte, fizeram-se acompanhar de grande expectativa positiva. Não era para menos, Sr. Presidente! Generalizada era a impressão de caos que nossas estatísticas de trânsito e acidentes causavam a qualquer um que as examinasse. Na verdade, nem era necessário examinar quaisquer números. Bastava caminhar ou rodar por nossas ruas e estradas para constatar a absoluta falta de conscientização dos brasileiros para o uso adequado e civilizado do automóvel. Naquele quadro, as prescrições estritas e as punições graves que o novo Código introduzia traziam a todos a esperança de pacificação para o nosso trânsito.

Contudo, como em tantos outros casos de boas intenções legislativas, que, segundo se diz, lotam as dependências do inferno, essas expectativas foram, em grande medida, frustradas pelos fracos resultados que apresentaram. Por um lado, os índices de acidentes e de mortes no trânsito não sofreram redução que correspondessem ao esperado. Os dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) informam que, em 1999, mais de 20 mil pessoas morreram no País em conseqüência de acidentes de trânsito. Outras 20 mil, não computados os dados de Minas Gerais, morreram no ano de 2000.

Não deve ser esquecida, quando consideramos esses dados, a possibilidade de subnotificação. Segundo o então Diretor do Denatran, Délio Cardoso, em entrevista concedida à edição de fevereiro de 2001 da Revista CNT, publicação da Confederação Nacional dos Transportes, esses números subestimariam, de longe, a realidade. Para ele, esses dados corresponderiam, pasmem as Srªs e Srs. Senadores, a cerca da metade das vítimas reais de nossa violência no trânsito.

Se as estatísticas de acidentes e vítimas não diminuíram, é certo que uma coisa mudou desde a entrada em vigor do novo Código: trata-se da descontrolada sobrecarga de multas que os condutores e proprietários de veículos passaram a pagar. De fato, a cobrança de penalidades pecuniárias por infrações de trânsito passou a ser uma relevante fonte de receita para os Municípios, que instalam pardais em toda a parte, nem sempre seguindo critérios racionais, isto é, que visem mais a disciplinar e educar os motoristas, do que lhes infligir multas sobre multas.

Nada disso: o objetivo parece ser, cada vez mais, puramente arrecadatório, sobretudo quando se trata de radares móveis ou mesmo fixos, mas ocultos atrás de vegetação ou elementos da sinalização, como é muito comum. Além disso, a instalação dos radares, não raro, descumpre a determinação do próprio Código Brasileiro de Trânsito, que obriga a informação ao motorista da localização precisa dos equipamentos de fiscalização. O condutor de veículo, desse modo, com freqüência, não toma conhecimento de que foi anotado no momento da infração, mas somente semanas após, o que retira todo o sentido educativo da punição.

O cidadão se vê, assim, indefeso diante da indústria de multas, verdadeiro negócio da China que se armou com o fundamento da autorização do uso de equipamento eletrônico, inscrita no Código Brasileiro de Trânsito, e que tem como sócios as administrações municipais e - o que é mais grave - as empresas fornecedoras e instaladoras dos equipamentos eletrônicos de vigilância.

Digo que a tal participação societária das empresas instaladoras na indústria das multas é um aspecto agravante, porque, como participantes nos lucros, elas têm interesse direto no aumento da arrecadação. E, como operadoras do negócio, têm o poder de ajustar os radares, para registrar, por exemplo, velocidades superiores às que os automóveis estão desenvolvendo. Que garantia têm os motoristas de que os radares estão bem aferidos? No caso dos radares ou dos pardais, nenhuma.

Muito diferente, Sr. Presidente - é bom que se ressalte -, é o caso dos pórticos ou lombadas eletrônicas. Elas são claramente visíveis e, além disso, exibem em seus visores a velocidade em que viaja o veículo. Desse modo, o motorista pode reduzir a sua velocidade ao passar pelo local, obtendo-se, portanto, o efeito desejado da redução de risco de acidentes. Deve ser ressaltado, além disso, outro aspecto da transparência que os pórticos ou lombadas oferecem: trata-se do fato de o condutor poder constatar a exatidão, ou não, da velocidade registrada, ficando impossibilitada a manipulação desonesta da regulagem do aparelho.

Caso o condutor, mesmo vendo a lombada eletrônica, passe pelo local com velocidade acima da regulamentada, toma conhecimento da anotação de sua infração no exato momento em que a cometeu, o que confere às lombadas um caráter informativo e educativo que os radares ou pardais não têm.

Esse fato é revelado por números bem expressivos, Srªs e Srs. Senadores. A quantidade de multas registradas por radares ou pardais é muito maior do que a registrada por lombadas. Enquanto o índice de multas nos locais em que há lombadas gira em torno de 0,06% dos carros que passam, esse índice fica em cerca de 6% no caso dos pardais ou radares. Nada menos do que 100 vezes mais!

Reflitamos bem sobre o significado desses números, Sr. Presidente. Se um número maior de multas é registrado, isso quer dizer que mais motoristas cometeram a infração de excesso de velocidade. Se mais carros passam rapidamente pelo local, o efeito desejado - o de tornar mais segura a via - não está sendo obtido, a menos, é claro, que o efeito procurado seja, ao contrário, exatamente o de arrecadar.

Ora, um princípio básico do Direito reza que a pena deve ser um recurso último, no caso do cometimento de delitos. O caso das infrações de trânsito não deve ser diferente. Ao escamotear a informação de que o cidadão está sendo vigiado, o que o Estado está fazendo é deseducá-lo. O cidadão passa a desconfiar das instituições, a se revoltar contra a Administração Pública, a se insubordinar.

Tanto há insubordinação ao poder de polícia do Estado, como descrédito, que a indústria de multas já gerou um subproduto: a indústria do protesto contra as multas. Com efeito, em nossas maiores cidades, escritórios de advocacia, nem sempre dos mais honestos ou competentes, anunciam nas ruas e estradas os seus serviços de recursos contra multas junto aos Detrans. Muitos cidadãos, revoltados contra o excesso de multas que recebem e mal orientados quanto à relativa facilidade de se entrar pessoalmente com processos contra as penalidades, estão caindo nessas arapucas advocatícias, que só existem, porque a situação ficou insuportável.

Sr. Presidente, a função dos Municípios, segundo o Código Brasileiro de Trânsito, é a de estabelecer medidas para a educação no trânsito. Essa função não está sendo exercida, substituída que foi pela de agente punidor. Pouco ou nenhum gasto está sendo feito em políticas educativas, pois o gasto com contratos de instalação de radares é mais interessante pecuniariamente.

À sua maneira, portanto, o Código Brasileiro de Trânsito, apesar de ter sido entusiasticamente saudado, é mais uma lei que não está cumprindo sua função. Gerou esse tipo de abusos, sobrecarregou de multas o motorista e o contribuinte, mas não reduziu, significativamente, o caráter bárbaro do nosso trânsito, ainda entre os campeões mundiais de morte e invalidez por acidente.

O Sr. Francisco Escórcio (PMDB - MA) - Senador Mauro Miranda, V. Exª me permite um aparte?

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO) - Com todo prazer, Senador Francisco Escórcio.

O Sr. Francisco Escórcio (PMDB - MA) - Senador Mauro Miranda, estava em meu gabinete, mas tive de vir ao plenário, quando ouvi que V. Exª se pronunciava sobre esse tema.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO) - Senador Francisco Escórcio, fiquei muito satisfeito, ao ler, hoje, no Jornal do Senado, o pronunciamento de V. Exª na mesma direção do que havia preparado. Parabenizo V. Exª.

O Sr. Francisco Escórcio (PMDB - MA) - Embora eu estivesse no Maranhão, e V. Exª, em Goiás, penso que estávamos pensando a mesma coisa, assim como muitas pessoas em todo o Brasil. Esse tema é nacional. Se observarmos os meios de comunicações, perceberemos que todos falam da indústria da arrecadação proveniente dos radares eletrônicos. O Código Brasileiro de Trânsito foi elaborado no intuito de reduzir a velocidade e preservar a vida. Mas vejo que passou a ser uma grande fonte de arrecadação. V. Exª falou sobre a arrecadação das multas e sobre o SOS, ou seja, sobre a indústria da indústria. Pergunto-me: como podem ser anuladas essas multas? Questiono se essa situação não poderá nos levar à instalação de um CPI para investigar para aonde está indo esse dinheiro e quem está sendo beneficiado, já que o Denatran não fiscaliza e não sabe de que maneira foram firmados os contratos com as empresas privadas. Chegou ao meu gabinete denúncia gravíssima segundo a qual parte desse dinheiro está sendo destinada a financiar campanhas dos que estão exatamente chefiando as Prefeituras. É muito grave! Quem está financiando tudo isso é a população brasileira. Senador Mauro Miranda, posso assegurar a V. Exª - não tenho os dados estatísticos em mão, mas fazem parte integrante do meu discurso - que se trata de um número é espantoso. Do ano passado para cá, tivemos um aumento de 240% de multas. No meu Estado, principalmente, na Capital São Luís, há barreiras eletrônicas e pardais em todos os locais. O que está acontecendo é o seguinte: ao chegar a um balão, o condutor de um veículo não tem condições de visualizar a numeração do semáforo, principalmente quando se trata de um congestionamento. Então, muitas vezes, ele é multado. Nesse caso, o condutor não tem como provar as circunstâncias em que foi multado, mas é obrigado a pagar a multa. Outro aspecto a ser lembrado, Senador Mauro Miranda, é a clonagem das carteiras do condutor. É que os pontos correspondentes à infração deveriam estar na carteira de quem cometeu a infração. Mas isso não ocorre; os pontos são colocados no prontuário daqueles cuja carteira de motorista foi perdida ou roubada. Veja V. Exª que há uma desarrumação total nesse setor. Há alguns dias, solicitei à população brasileira, da tribuna - V. Exª vai permitir que eu reitere -, que aqueles que tiverem dossiês, aqueles que tiverem provas suficientes dessa anarquia que nos encaminhem tais documentos. Precisamos abrir a caixa-preta da indústria dos pardais, da indústria da multa de trânsito. Que essas pessoas se dirijam a V. Exª e a mim. Estaremos aqui para ajudar a população brasileira como um todo. Parabéns a V. Exª. Muito obrigado.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO) - Agradeço, Senador Francisco Escórcio, pelas suas palavras que complementam o meu discurso neste momento. No meu Estado está havendo desvio de recursos para fins políticos, como V. Exª mencionou. O jornal O Popular noticiou agora que toda a arrecadação do Departamento Estadual de Trânsito está sendo dirigida ao pagamento de shows de cantores nos governos itinerantes do Governador do meu Estado. Daí a necessidade de tomarmos providências sérias, como V. Exª muito bem colocou. Pedimos as medidas necessárias ao Governo Federal, principal responsável por essa situação, uma vez que não faz a sua parte.

O Sr. Francisco Escórcio (PMDB - MA) - Permita-me novamente intervir, Senador.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO) - Perfeitamente, Senador.

O Sr. Francisco Escórcio (PMDB - MA) - Senador Mauro Miranda, já solicitei na Comissão de Serviços de Infra-estrutura que sejam chamados a esta Casa o Ministro da Justiça - por ser a sua Pasta a responsável pelo Denatran, talvez S. Exª possa nos ajudar a combater tudo isso - e o ex-Diretor do Denatran. Gostaria que V. Exª pedisse a urgência urgentíssima, já que será o meu grande parceiro nesta Casa.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO) - Perfeitamente, Senador Francisco Escórcio. Estarei pronto para pedir as explicações ao Ministro da Justiça na Comissão própria, de Serviços de Infra-estrutura.

Sr. Presidente, por tudo isso, manifesto minha disposição de lutar, aqui no Congresso Nacional e ao lado dos setores organizados da sociedade empenhados na mudança desse estado de coisas, para encontrar soluções legislativas para o problema.

A indústria das multas deve ser desmantelada, pelo bem da própria segurança do trânsito e pela vida dos cidadãos que aguardam tanto um trânsito organizado no País.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/06/2002 - Página 10032