Discurso durante a 81ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa de maiores investimentos públicos destinados ao saneamento básico, em contraposição à tendência de privatização desses serviços.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SANITARIA.:
  • Defesa de maiores investimentos públicos destinados ao saneamento básico, em contraposição à tendência de privatização desses serviços.
Publicação
Publicação no DSF de 11/06/2002 - Página 11267
Assunto
Outros > POLITICA SANITARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, PESQUISA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), DEMONSTRAÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, ATENDIMENTO, SANEAMENTO BASICO, CRITICA, FALTA, TRATAMENTO, ESGOTO, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE, COMPARAÇÃO, REGIÃO SUDESTE.
  • REPUDIO, TENTATIVA, PRIVATIZAÇÃO, SANEAMENTO BASICO, EXCESSO, LUCRO, EMPRESA, PREJUIZO, POPULAÇÃO.
  • NECESSIDADE, AUMENTO, INVESTIMENTO, SANEAMENTO BASICO, ATENDIMENTO, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE, REGIÃO CENTRO OESTE.

  SENADO FEDERAL SF -

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SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tomemos um dos direitos mais fundamentais da população, que é o direito de ter acesso a um serviço de saneamento básico. Em que medida esse direito vem sendo cumprido? A quem compete a garantia desse direito se não ao Estado? Vale ressaltar que quando me refiro a obrigação do Estado, incluo nessa categoria as três esferas administrativas brasileiras: União, Estados e Municípios.

Com certeza, o abastecimento de água e o esgotamento sanitário são tipos de serviço público que só podem ser feitos de maneira eficaz se forem assumidos pelas três instâncias do Poder Público. E por que, Srªs e Srs. Senadores, precisamos bater sempre nessa tecla? Porque, cada vez mais, a tendência é de delegar ao mercado o atendimento das necessidades sociais.

Não tenhamos dúvida de que, por trás de toda a crise de energia pela qual estamos passando, está o propósito de privatizar todas as instâncias vinculadas à energia elétrica (geração, transmissão e distribuição). A gerência da crise tem elevado as tarifas de energia de tal modo que estas já estão atrativas para os grupos privados.

Mas voltemos ao saneamento básico. Quero chamar a atenção para o seguinte ponto: não podemos permitir que o saneamento básico do Brasil venha a ser subordinado aos interesses privados. E falo isso porque a tendência mundial é de privatização desses serviços. E por quê? Porque água potável é um bem cada vez mais escasso; uma escassez que faz aumentar o valor do metro cúbico de água. Para se ter uma idéia, um dos mais antigos bancos suíços constituiu há dois anos um fundo de investimento voltado para companhias de saneamento. As projeções são de lucros fabulosos. Na Itália, existe uma recomendação de que todas as companhias municipais se constituam como empresas privadas.

No Brasil, que faz tudo que o “mestre FMI” mandar, não é difícil caminharmos para esse patamar.

Faço todas essas reflexões a propósito do último censo sobre saneamento básico, divulgado na última semana de março pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) revela o quanto é urgente a necessidade de reduzirem-se as carências nessa área.

Infelizmente, os números apurados reafirmam um perfil de concentração dos serviços nas regiões Sul e Sudeste, em contraposição a deficiências no Centro-Oeste, Nordeste e Norte. E aqui se trata de uma legítima “inveja positiva”, pois o que queremos é que estas três últimas regiões atinjam os patamares alcançados pelas duas primeiras.

Embora não queira me alongar, não posso deixar de chamar a atenção das senhoras e dos senhores para os seguintes fatos: o Sudeste tem 53% dos domicílios atendidos por rede de esgoto, ao passo que o Nordeste tem 14,7%; e o Norte tem apenas 2,4% dos domicílios nessa condição. Não é à toa que, dos dez municípios que não possuem nenhum serviço de saneamento, cinco ficam na região Nordeste, todos no Maranhão; outros três ficam no Norte, sendo dois no Pará e um em Rondônia; apenas dois dos municípios desassistidos ficam na região Sul, um em Santa Catarina e outro no Rio Grande do Sul.

Técnicos do Governo - Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República - reconhecem que, com esse quadro, não será possível atingir a meta de universalização do saneamento básico, que era a de ter todas as residências com água e esgotos até 2010. A conclusão óbvia é que o Governo precisa investir bem mais que os 0,25% do PIB que vem investindo anualmente. Segundo os cálculos oficiais, seriam necessários investimentos na ordem de 0,4% do PIB, para se atingir a meta. Para se ter uma idéia, seria necessário agregar aos investimentos já previstos, R$ 1,6 bilhão, ou seja, menos de 3% do superávit primário das contas públicas, previstas para esse ano.

Agora, pergunto: como será possível aumentar o percentual de investimentos, se o Governo Federal tem fechado todas as torneiras de seus investimentos? Se a Caixa Econômica Federal parou de contratar empréstimos com os Municípios para programas de saneamento? Se Estados e Municípios não podem lançar mão de empréstimos internacionais em regime de cooperação? Como é possível universalizar o saneamento se as metas fiscais de redução do déficit público falam mais alto?

A resposta - óbvia para os setores privatistas - é: “se o Estado não pode investir em saneamento, então que deixe a iniciativa privada fazê-lo”. Mas como permitir que sejam privatizados os serviços de saneamento, se a taxa de retorno exigido pelos investidores é muito acima daquilo que a tarifa é capaz de cobrir?

Para termos uma idéia desse quadro, a água mais cara do País (fornecida pela Cia. Riograndense de Saneamento (Corsan) custa para o consumidor R$23,57 por 10 m³, isto é, um valor quatro vezes superior aos R$5,99 pagos pelo morador do Rio. Mas, mesmo assim, o retorno financeiro da Corsan está ainda muito distante da taxa exigida pelos novos investidores em saneamento: eles perseguem uma rentabilidade acima de 10%. Mas a rentabilidade da empresa riograndense anda longe disso: sua receita anual de R$500 milhões não evitou os prejuízos de R$56 milhões em 1999 e de R$4 milhões em 2000. Com isso é lógico concluir: a privatização dos serviços de saneamento pode ser uma boa medida para os países ricos, não para nós.

No meu Estado já existe uma movimentação contrária à privatização da empresa de saneamento, a Cosanpa. Além de um projeto de autoria da Deputada Sandra Batista, que tramita na Assembléia Legislativa, propondo a retirada da Cosanpa do programa de desestatização do governo do Estado, foi realizado um plebiscito em praça pública, em que a população demonstrou sua opinião contrária a privatização.

A Companhia de Saneamento do Pará está sendo sucateada. Seus equipamentos e instalações estão se deteriorando, por falta de investimentos. Esse abandono, só tem uma razão de ser: a desculpa, a justificativa para a sua privatização. Foi assim com a Celpa, empresa de distribuição de energia elétrica e com outras empresas do Pará.

Não podemos esquecer, Sr. Presidente, dos ganhos extraordinários com saúde pública que teremos com a universalização do saneamento básico. Imaginem o quanto se reduziria em custos de internações hospitalares motivadas por doenças que seriam facilmente evitadas, se houvesse água tratada e esgotamento sanitário adequado. É um crime cortar, como o governo vem fazendo, os investimentos em saneamento, pois, para cada real gasto em saneamento, deixa-se de gastar quatro em saúde pública. Portanto, além dos benefícios sociais, a longo prazo, gera economia para o poder público.

Creio que há duas lições principais a serem tiradas da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB). A primeira é que devemos aumentar os investimentos para o setor e, mais que aumentar, focalizar esses investimentos nas áreas mais carentes (Norte, Nordeste e Centro-Oeste). E a segunda é que o saneamento básico é um dever do Estado; é um direito dos cidadãos. Portanto, água não pode ser tratada como mais um bem a ser provido pelo mercado, a preços de mercado.

A área de saneamento básico, portanto, é um clássico caso de ausência de Estado, omissão do Poder Público; área, portanto, a ser privilegiada pela ação dos Municípios, Estados e União.

Era o que tina a dizer.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/06/2002 - Página 11267