Discurso durante a 118ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Posicionamento contrário à utilização da fiscalização eletrônica da velocidade no trânsito meramente como instrumento de arrecadação, em detrimento dos aspectos educativos.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • Posicionamento contrário à utilização da fiscalização eletrônica da velocidade no trânsito meramente como instrumento de arrecadação, em detrimento dos aspectos educativos.
Publicação
Publicação no DSF de 31/10/2002 - Página 18731
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • CRITICA, UTILIZAÇÃO, AMBITO NACIONAL, APARELHO ELETRONICO, REDUÇÃO, VELOCIDADE, TRANSITO, MOTIVO, AUSENCIA, FISCALIZAÇÃO, SITUAÇÃO, AUMENTO, ARRECADAÇÃO, MULTA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), DENUNCIA, UTILIZAÇÃO, ARRECADAÇÃO, MULTA, RADAR, AUSENCIA, PROGRAMA, CAMPANHA EDUCACIONAL, TRANSITO.
  • REGISTRO, DADOS, DIVULGAÇÃO, DEPARTAMENTO, INFRAESTRUTURA, TRANSPORTE, AUMENTO, NUMERO, MULTA, RODOVIA, LIGAÇÃO, DISTRITO FEDERAL (DF), GOIANIA (GO).
  • PROPOSTA, ORADOR, REQUERIMENTO, SOLICITAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), INFORMAÇÃO, PROVIDENCIA, APURAÇÃO, CONTENÇÃO, ABUSO, UTILIZAÇÃO, APARELHO ELETRONICO, REDUÇÃO, VELOCIDADE, TRANSITO.
  • REGISTRO, EMISSÃO, CONSELHO NACIONAL DE TRANSITO (CONTRAN), RESOLUÇÃO, DISCIPLINAMENTO, UTILIZAÇÃO, RADAR.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PROVIDENCIA, UTILIZAÇÃO, RESOLUÇÃO, CONSELHO NACIONAL DE TRANSITO (CONTRAN).

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a voz do povo precisa ser ouvida. E precisa ser ouvida para que o governo aja conforme os interesses de milhões de brasileiros que precisam ver o Estado como um aliado e não como um inimigo. A voz do povo precisa ser ouvida para que as punições e multas - uma das tarefas naturais de um Estado - sejam vistas como meio legítimo de reprimir comportamentos nocivos à sociedade, e não como formas de auferir renda, de ter mais recursos nos cofres.

Esta não é a primeira vez que me dirijo aos meus colegas Senadores e Senadoras para me pronunciar enfaticamente contra a indústria das multas de trânsito que prolifera por todo o País, em especial contra os radares espalhados pelos postes de nossas ruas e que foram apelidados de “pardais” pelo povo.

Em princípio, os pardais foram instalados como uma das novidades trazidas pela Lei nº 9.503, de 1997, mais conhecida como Código de Trânsito. Uma lei, como muitas outras, que, de tempos em tempos, parece vir para redimir o povo brasileiro, para tornar o nosso País mais igualitário e civilizado.

A aprovação do Código de Trânsito foi vista como uma lufada de ar que renovaria o nosso País e diminuiria as vergonhosas cenas de acidentes que aconteciam em nossas ruas e nossas estradas, ceifando prematuramente as vidas de milhares de nossos concidadãos.

Infelizmente, as grandes expectativas trazidas pelo Código de Trânsito não se realizaram. De um lado, estudos verificaram que a redução no número de mortalidades em acidentes foi temporária e durou apenas treze meses. De outro, os pardais, que se afigurariam como saudável novidade tecnológica capaz de disciplinar e civilizar o nosso caótico trânsito, foram instalados desordenadamente em nossas cidades e estradas, com o fim de arrecadar fundos.

O resultado foi que, em matéria de trânsito, vivemos agora o pior dos mundos. Anualmente, milhares de brasileiros são vítimas de acidentes de trânsito e outros muitos milhares são vítimas da indústria de multas.

Só no Distrito Federal, por exemplo, há 420 aparelhos de fiscalização entre pardais, radares móveis, lombadas e sensores instalados. Esses equipamentos resultam em multas que somaram 43 milhões de reais em 2001! Em outras partes do Brasil, os valores são impressionantes: na cidade de São Paulo, a Companhia de Engenharia e Tráfego do Município arrecadou 160 milhões de reais! Em todas as cidades em que há fiscalização eletrônica, verificam-se cifras impressionantes. Tão impressionantes que levaram os jornais e o povo a cunhar a expressão indústria das multas.

O pior, no entanto, dá-se quando se verifica como é utilizado o dinheiro arrecadado. De acordo com o jornal Correio Braziliense, de 10 de junho deste ano, daqueles R$43 milhões arrecadados com multas no Distrito Federal em 2001, apenas 3,2% foram aplicados em campanhas e programas educativos - R$1,4 milhão. A maior parte foi usada para pagar as empresas terceirizadas que instalam os equipamentos: R$16,4 milhões. O valor equivale a 38,3% do total arrecadado com as multas!

O Distrito Federal não é caso único. Por toda parte a situação se repete: pouco se gasta com a educação para o trânsito e muito para remunerar as empresas terceirizadas que administram os equipamentos eletrônicos.

Como exemplo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, causam-me estarrecimento os números oficiais divulgados pelo Denit, antigo DNER, dando conta de que foram arrecadados R$14 milhões e 68 mil reais na aplicação de 41 mil 986 multas na BR-060, trecho entre Goiânia e Brasília, no período de maio de 2000 a abril de 2002. Desse montante, 15,07%, ou seja, 2milhões e 110 mil foram repassados a sete empresas que compõem os dois consórcios que administram os 17 aparelhos de fiscalização - radares móveis e lombadas eletrônicas. São, portanto, 2 milhões e 110 mil reais para fiscalizar 17 aparelhos de radar em nossas rodovias de Goiânia a Brasília!

O valor retido pelo consórcio de empresas - quatro, no total - a cada auto de infração/ notificação válida cometido em lombada eletrônica é de R$39,98. Já o valor pago ao consórcio de empresas - três, no total - a cada infração flagrada em radar móvel é de R$55,50. Um absurdo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores!

Como disse nesta tribuna em outras oportunidades, trata-se de descontrolada sobrecarga econômica sobre os condutores e proprietários de veículos. Em vez de punir para educar, para civilizar, para conter os comportamentos ruins para a coletividade, a multa tornou-se um fim em si mesma. Ela não torna o motorista melhor, mais consciente, mais capaz. A multa torna-o tão- somente mais pobre. Mais pobre e, seguramente, mais descrente das administrações públicas responsáveis pelos pardais.

Os pardais são nefastos porque, em sua fúria de multar indistintamente, diminuem, ainda mais, a crença do cidadão no Estado e, em especial, naquele Estado que está mais próximo dele - a administração da sua cidade.

É chegada a hora, pois, Srªs e Srs. Senadores, de fazer o cidadão recuperar a sua fé nas leis e nas administrações, e o disciplinamento do uso dos pardais é um ponto essencial para isso.

Tomei iniciativa de propor o Requerimento nº 464, de 6 de agosto último, solicitando que o Ministro da Justiça, autoridade à qual se vincula o Conselho Nacional de Trânsito, prestasse informações acerca das medidas que estão sendo tomadas para apurar e conter os abusos associados à proliferação dos equipamentos eletrônicos de fiscalização de trânsito, e suas conseqüências para os cidadãos. Além disso, pedi-lhe informações sobre quais medidas estão sendo tomadas para garantir a prevalência da finalidade educativa da fiscalização sobre a finalidade arrecadatória e, finalmente, quais são as medidas que aquela Pasta estaria a tomar para garantir a exatidão e a confiabilidade dos registros produzidos pelos equipamentos de controle de velocidade.

Não é descabido pensar que esse requerimento e outras manifestações na imprensa tenham repercutido no Ministério da Justiça. Digo isso porque, no último dia 3 de outubro, finalmente, o Contran, Conselho Nacional de Trânsito, emitiu a Resolução nº 141, que veio a disciplinar o uso de radares eletrônicos.

É louvável a Resolução nº 141, do Contran, ainda mais que a própria Diretora do Denatran - Departamento Nacional de Trânsito, Srª Rosa Maria da Cunha, reconheceu, em entrevista disponível no site daquele ministério, que existe interesse das empresas em multar, o que caracteriza a indústria da multa.

O Governo Federal, no entanto, não pode considerar-se satisfeito enquanto a Resolução não estiver inteiramente aplicada. Não basta editar uma norma administrativa. É essencial vê-la sendo posta em prática. Caso contrário, teremos mais uma bela medida sem utilidade. Não é hora de o Governo Federal dizer que alcançou a vitória contra a indústria da multa. É hora, sim, de o Governo Federal mostrar que não se rendeu à indústria da multa. É hora de agir. É hora de fiscalizar. É hora de, se for preciso, solicitar ajuda do Ministério Público para promover o cancelamento automático das punições caso fique comprovada qualquer injustiça na aplicação das multas.

Se é verdade que a Resolução do Contran é um primeiro passo, agora resta continuar a caminhada. Caminhada que deve ser feita em boa parte pelo Executivo Federal, que deve assegurar que o disciplinamento do Contran seja cumprido à risca. Caminhada que significa ouvir a voz do povo para verificar se tal medida é suficiente para acabar com a indústria da multa e, por fim, caminhada que leve o povo a recuperar a fé nas leis e no Estado, conquistando cidadania e diminuindo, sobretudo, o número de mortes no trânsito do nosso País.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/10/2002 - Página 18731