Discurso durante a 125ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise histórica da reforma agrária no Brasil. Sugestões ao Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva para a efetivação da reforma no campo.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • Análise histórica da reforma agrária no Brasil. Sugestões ao Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva para a efetivação da reforma no campo.
Aparteantes
Moreira Mendes.
Publicação
Publicação no DSF de 12/11/2002 - Página 21014
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, EVOLUÇÃO, PROCESSO, REFORMA AGRARIA, BRASIL, COMENTARIO, EPOCA, CRIAÇÃO, LEGISLAÇÃO, FAVORECIMENTO, DISTRIBUIÇÃO, TERRAS, REGULAMENTAÇÃO, JUSTA INDENIZAÇÃO, DESAPROPRIAÇÃO.
  • COMENTARIO, REDUÇÃO, EVOLUÇÃO, REFORMA AGRARIA, CRITICA, ATUAÇÃO, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), INEFICACIA, COMBATE, LATIFUNDIO, REGISTRO, AUSENCIA, UNIFORMIDADE, INTERESSE, CONGRESSO NACIONAL, FALTA, VONTADE, NATUREZA POLITICA.
  • SUGESTÃO, CANDIDATO ELEITO, CRIAÇÃO, ORGÃO DE APOIO, AMBITO, EXECUTIVO, VIABILIDADE, AGILIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, FAVORECIMENTO, EMPREGO, COMBATE, FOME.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, eu gostaria de abordar, mais uma vez, um tema que tem sido referência constante nos meus estudos: a questão agrária brasileira. Faço isso neste momento, porque entendo que estamos no limiar de uma retomada decisiva da reforma agrária brasileira.

Se eu pudesse fazer um breve comentário sobre a evolução desse tema, voltaria aos idos de 1964. É preciso destacar que o regime militar, em tema de reforma agrária, focalizou com muita determinação a questão agrária brasileira, tanto que, em 30 de novembro de 1964, o Congresso Brasileiro aprovava a Emenda Constitucional nº 10, que introduzia o Direito Agrário e, sobretudo, a indenização justa e prévia em casos de desapropriação. Assim, a Constituição Federal abriu as portas para a reforma agrária possibilitando que o Governo Federal legislasse, e quando falo em Governo, refiro-me à União, sobre matéria de Direito Agrário.

A partir de então, já se editava o Estatuto da Terra, um instrumento que modificou sobremodo o cenário da legislação agrária brasileira, porque, até aquele momento, Sr. Presidente, o que havia era um conjunto de leis esparsas, que não vislumbravam nem atendiam à imensidão dos problemas agrários do Brasil.

Algumas tentativas poderíamos lembrar, como a de Getúlio Vargas nos projetos de colonização. Mas elas eram pontuais, sem essa visão global de país e da unidade nacional que trouxe o Estatuto da Terra, à luz da Emenda Constitucional nº 10.

A seguir, Sr. Presidente, montaram-se os órgãos destinados a executar a Reforma Agrária, especialmente, de um lado, aquela que corresponde a nada mais do que a alteração do sistema de tenência da terra e a modificação da posse e do uso da terra. O Incra - na época, Ibra - foi o encarregado de realizar essa tarefa.

Além da distribuição da terra, cuidou também o Estatuto da Terra do desenvolvimento agrário quando foi criado o Inda. Esses dois órgãos, sobretudo o Incra, tiveram papel importante. O Inda ficou numa definição que ainda pode ser considerada superficial, sem condições de exercer uma atuação forte e decisiva na mudança do sistema fundiário brasileiro. Mas foi o Estatuto da Terra, e sua regulamentação, que abriu no cenário brasileiro uma preocupação séria com o combate sistemático ao latifúndio e ao minifúndio, fixando-se num modelo da propriedade familiar.

Não há dúvida, Sr. Presidente, que essa determinação evoluiu, e evoluiu muito. Sobretudo, quero remeter-me ao Ato Institucional nº 9, que retirou da Constituição a idéia de prévia indenização, lá mantendo só a disposição relativa à justa indenização. O que isso possibilitou, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores? A edição do Decreto-Lei 554, também de 1969, que estabeleceu um rito rápido, um rito muito mais do que sumário, porque, em verdade, entregue a petição inicial em juízo, pedindo a desapropriação de uma determinada área, em 72 horas aquela propriedade, antes particular, já passava para o domínio público mediante a transcrição em registro imobiliário.

Este é um fato importante, Srªs. e Srs. Senadores. Evoluímos muito, até aquele ponto, o que possibilitou também a importância na discussão do que era o justo preço, porque este poderia ser feito após a consumação da desapropriação, que nada mais é do que a transferência forçada de um determinado imóvel, no caso de domínio particular para o domínio público. Ou até poderia ser do domínio público para o domínio público, por exemplo, do Estado para a União. Esse é o ponto que destaco e que quero melhor analisá-lo quando chegar o momento oportuno sobre o tema.

Veja, Sr. Presidente, o que se fez em termos de celeridade, da efetiva destinação social da propriedade definida na Constituição e, sobretudo, no Estatuto da Terra. E a terra só desempenha a sua função social quando executa essa finalidade fundamental de ser um bem de produção. A terra não pode ser considerada como reserva de valor e, sim, um fator de produção.

Tanto é que essa informação vem na inspiração da doutrina social da Igreja, sobretudo das encíclicas papais, sobremodo a de João XXIII. E, no caso, o direito de propriedade que era absoluto no Código de Napoleão torna-se, diante dessas transformações legislativas no Brasil, muito mais no direito de produzir porque a terra realmente deve desempenhar a função primordial de produzir, propiciar a todos os homens a sobrevivência digna e humana.

É por isso que os conceitos tiveram na época um momento alto de discussão nacional, sobretudo dentro da própria instituição pública, um centro de treinamento, um centro de discussão em que essa matéria veio a lume.

Houve contribuições importantíssimas no sentido de evoluir daquele conceito absoluto de propriedade como direito de dispor da coisa como bem entendesse seu titular para um direito restrito, um direito com limites, que era relativo à função social da propriedade.

O que foi modificado? Houve uma doutrina de reforma agrária no País. As modificações foram sendo introduzidas nas universidades, sobretudo nas Faculdades de Direito. Inclusive nessa época tive a oportunidade de lecionar Direito Agrário e mostrar à juventude as inovações trazidas à luz da legislação e dos conceitos que se plasmavam tanto na Constituição Federal quanto na legislação infraconstitucional. Naquele momento, havia no País um espírito de reforma agrária, uma decisão política de reforma agrária. Nunca se desapropriou como então. Devo dizer que à época éramos advogados do Incra. Em apenas uma ação em Rondônia - o Senador Moreira Mendes pode dar seu testemunho -, desapropriamos um milhão de hectares na região de Nova Vida, onde foram assentados milhares de pequenos produtores com base no modelo da propriedade familiar.

O Sr. Moreira Mendes (PFL - RO) - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Amir Lando?

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Pois não, nobre Senador Moreira Mendes.

O Sr. Moreira Mendes (PFL - RO) - Ilustre Senador Amir Lando, não só quero testemunhar esse fato como quero, mais uma vez, lembrar que uma das grandes riquezas do nosso Estado é o fato de ser basicamente constituído de pequenas propriedades, resultado da reforma agrária pública, um trabalho intenso do Incra reconhecido por todos nós ao longo desses quase 35 anos. Por um lado, avançamos ao conseguir uma legislação agrária moderna, a ponto até de mudar a doutrina. Como elucidou V. Exª, como professor, o conceito da propriedade está mudando graças a esse avanço que começou com a nossa Constituição. Se, de um lado, registra-se esse fato positivo, de outro lado, pelo menos no nosso Estado de Rondônia - e aí V. Exª há de também testemunhar o que vou afirmar -, o Incra passou a não mais realizar aquele trabalho por falta de recursos, por falta de instrumentos. Se a minha memória não falha, temos hoje cerca de 150 mil hectares de terras desapropriadas no Estado de Rondônia, sem que o Incra tenha condição de assentar uma única família sequer. Aproveito o brilhante pronunciamento que V. Exª faz para chamar a atenção do Governo Federal, para chamar a atenção das autoridades do Ministério da Reforma Agrária e também do Incra para o fato de que não é possível mais permanecer dessa forma. Em Rondônia, temos problemas sérios de sem-terras que estão ocupando, se não me engano, cerca de seis ou sete propriedades, quando essas pessoas poderiam estar instaladas em terras desapropriadas. Não sei se o assentamento não se realiza por falta de interesse do Governo Federal ou por falta de recursos, mas essa é a grave realidade no nosso Estado que queria também registrar, ao tempo em que parabenizo V. Exª pelo pronunciamento.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - V. Exª. tem toda a razão e antecipa em alguns pontos nosso cenário atual, aquilo que acontece hoje, sobretudo no Estado de Rondônia, e do que somos testemunhas oculares.

Infelizmente, todo esse processo evolutivo hoje é um retrocesso. Vê-se que o Incra não atua de maneira eficiente, não cumpre a lei, não dá destinação social sobretudo às terras públicas, às terras devolutas. Bem sabe V. Exª que estamos constituindo verdadeiros latifúndios, que, se em um primeiro momento, eram um prêmio ao pioneiro, àqueles que foram fazer Brasil a Amazônia brasileira, hoje não se justificam mais. O que se verifica é uma proliferação de grandes fazendas, de grandes propriedades às custas de bens públicos, de terras públicas, da terra do povo, da qual não se zela e à qual não se dá a destinação social, aludida pela lei, aludida por essas normas que acabo de mencionar.

Eu queria, Sr. Presidente, continuar esse breve esboço que faço de improviso, sem ter sequer pensado em dizer algumas palavras sobre este tema, mas que faço para mostrar e deixar registrado nos Anais a evolução, em um certo momento, até a edição do Decreto-Lei 554, de 1999, que deu um rito rápido e de certa forma seguro. Avançou-se muito em termos de conceituação e de celeridade do processo de reforma agrária. Mas o que acontece em seguida, Sr. Presidente? Temos a Constituição de 1988 sob o influxo de correntes contrárias. De um lado o Centrão, de outro lado, eu não poderia dizer os sem-terra, mas os partidos de esquerda. Os partidos de esquerda exigiam a emissão da posse, no mínimo, em 120 dias; o Centrão dizia que isso era impossível, um tema absurdo e impróprio, porque o Decreto-Lei nº 554 determinava que a emissão na posse fosse feita em 72 horas. Vejam Vossas Excelências como o tema foi deslocado, não para a idéia do bode dentro do apartamento, mas para uma coisa tão estranha, tão absurda que não posso aqui debitar ao desconhecimento do tema, mas quero registrar porque houve algumas decisões isoladas no âmbito do Poder Judiciário que foram postergando as emissões de posse. Mas isso, de modo algum, necessitaria de uma providência constitucional ou legal para alterar o rito então vigente, que era realmente muito mais rápido.

Lembro-me que estive, na época, com o Deputado Ulysses Guimarães e depois com o então Deputado, hoje Senador, Bernardo Cabral, Relator-Geral da Constituinte. Discutimos como conceituar a propriedade dando-lhe destinação social na Constituição. A nossa proposta aceita - em função de uma discussão que tivemos com o Deputado Ulysses Guimarães - era a de que a Constituição gravasse mais ou menos os seguintes termos: “Fica garantido o direito de propriedade condicionado à sua função social”. Ainda acrescentávamos que não seria prévia a indenização, a desapropriação mediante justa indenização, mantendo um texto que era um avanço. O que tivemos depois dessa longa discussão e embate de duas correntes igualmente contrárias? Tivemos um retrocesso. Devolvemos à Constituição a idéia da justa e prévia indenização. Isso equivale a dizer que a transferência da propriedade privada ou particular para o Poder Público só poderá ocorrer depois da sentença final que julgar o conflito de discussão do preço da propriedade e outros incidentes processuais. Isso equivale a dizer que voltamos atrás.

A reforma agrária não anda porque há esses empecilhos, mas não anda sobretudo por decisão política, que a relegou a um plano secundário, a um plano de desprezo, a um plano de desinteresse. Hoje, há um estrépito na mídia sobre a reforma agrária. Tenho dito que se trata de uma reforma agrária feita nos meios de comunicação, sem distribuição de terras.

Quero dizer a V. Exªs que na época em que eu era Procurador do Incra, festejamos a entrega do milionésimo título de propriedade. Diz-se, atualmente, que ninguém assentou tanta gente. Não é verdade, e os Anais podem provar. Por isso, há conflitos entre o MST e os órgãos oficiais. Há uma diferença muito grande a ser superada entre dados e informações.

A verdade é que em nosso País, de dimensão continental, há muitas terras devolutas em Rondônia, no Acre, no Mato Grosso, no Amazonas e no Pará. São mais de 100 milhões de hectares aptos para a reforma agrária. Em grande parte, são terras devolutas, estaduais ou federais. Em vez de gerarmos a pequena propriedade, a propriedade familiar, de darmos uma destinação social à terra, o que fazemos é, cada vez mais, gerar o latifúndio, modelo antigo, existente desde as Capitanias Hereditárias, que moldou, cristalizou o sistema fundiário brasileiro.

Quero dizer a V. Exªs que precisamos evoluir. É chegada a hora de o Governo Federal ter um órgão executivo. Não adianta criar um Ministério de Desenvolvimento Agrário; é preciso haver um órgão executivo ligado ao futuro Presidente da República. E quero fazer, desta tribuna, uma indicação. Falo de um órgão executivo capaz de realizar a reforma agrária com eficiência, com determinação. Poderíamos alterar algumas disposições constitucionais e, sobretudo, voltar ao conceito real do processo de desapropriação: mediante justa indenização, extraindo o termo “prévia”, que não faz nenhum sentido, senão atrapalhar a reforma agrária propriamente dita.

Sr. Presidente, podemos evoluir gerando emprego e renda, sobretudo postos de trabalho, porque gerar emprego e renda é realmente matar a fome. Quem recebe um pedaço de terra, semeia o grão e colhe o fruto, e a primeira coisa que faz é saciar a fome: passa a comer três e até quatro vezes por dia. O que importa é a fartura e a abastança. A produção, em primeiro lugar, serve para o consumo do produtor e de sua família.

Sabemos que o preço mais baixo a se pagar para a geração de empregos é a reforma agrária, sobretudo se atentarmos para esse estoque imenso de terras devolutas. O Governo Federal, em vez de deixar os Estados gerarem latifúndios, poderia comprar essas terras, desapropriá-las e promover um entendimento para que tais terras possam ser transferidas para a reforma agrária. Quem deve fazer isso não é o Município nem o Estado, mas a União. Só ela pode realizar essa grande tarefa, que é uma aspiração nacional, porque é um pressuposto do desenvolvimento econômico e social. Todas as nações mais evoluídas passaram pela distribuição da terra, gerando emprego e riqueza, riqueza que por sua vez aquece a economia como um todo.

Assim, teríamos a possibilidade de resolver em grande parte, ou consideravelmente, a questão da fome. Daríamos terra a quem trabalha, daríamos a essas pessoas a chance de plantar e de colher, para que o povo brasileiro possa comer. Todos concordam que o nosso sistema de distribuição, da posse, do uso da terra e da propriedade fundiária brasileira é injusto, vem do formato do latifúndio embutido na legislação das Capitanias Hereditárias, no regulamento geral e até na Lei de Terras, de 1850, que é a Lei n.º 601. De lá para cá, o combate ao latifúndio vem por meio do processo de reforma agrária, imaginado, sobretudo, pelo estatuto da terra. Se cumprida essa lei com as legislações posteriores, com os aprimoramentos necessários nesses dias, poderemos realizar um grande sonho nacional: dar a terra a quem trabalha.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/11/2002 - Página 21014