Discurso durante a 149ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM AO PROFESSOR ALOIZIO GONZAGA DE ANDRADE ARAUJO PELA POSSE, MES PASSADO, NO CARGO DE DIRETOR DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE MINAS GERAIS.

Autor
Francelino Pereira (PFL - Partido da Frente Liberal/MG)
Nome completo: Francelino Pereira dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO PROFESSOR ALOIZIO GONZAGA DE ANDRADE ARAUJO PELA POSSE, MES PASSADO, NO CARGO DE DIRETOR DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE MINAS GERAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 17/12/2002 - Página 26403
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ALOISIO GONZAGA DE ANDRADE ARAUJO, ADVOGADO, PROFESSOR, POSSE, DIRETOR, FACULDADE, DIREITO, UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS (UFMG), ELOGIO, VIDA PUBLICA.
  • LEITURA, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DISCURSO, AUTORIA, ORADOR, SITUAÇÃO, POSSE, UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS (UFMG).

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tive a honra e o prazer de assistir, no mês passado, à solenidade de posse do professor Aloízio Gonzaga de Andrade Araújo no cargo de Diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, a escola onde estudei e vim a me formar e também a participar de arrojada militância estudantil.

Foi uma época sempre dominada pela vocação e a insubmissão republicanas de seus mestres e alunos, desbravadores da restauração democrática, visionários do caminho inevitável, no sentido da vocação mineira da liberdade. Tempos depois, no início da década de 60, Aloízio era aluno da Faculdade, na apaixonante Belo Horizonte. Estudou Direito e veio a se tornar professor e diretor, merecendo a admiração e o respeito de todos nós.

Requeiro desde logo manifestação de aplauso ao ilustre professor Aloízio Gonzaga de Andrade Araújo, no ensejo de sua ascensão, pela segunda vez, ao importante cargo .

Na ocasião de sua posse, presentes tantos amigos, proferi as palavras que, a seguir, reproduzo para que passem a constar dos Anais do Senado da República:

            “A mim me coube essa idéia de quebra de protocolo. Não tenho o privilégio de integrar os quadros desta Faculdade, a que estou, entretanto, profundamente ligado desde os tempos em que fui seu aluno e presidente dos seus diretórios acadêmicos. Quebrar protocolo não é bem próprio para Senadores e há muito, não me lembro de fazê-lo. Mas hoje estou aqui não como Senador, mas como amigo, desses amigos de Aloízio Gonzaga de Andrade Araújo, que só quem é sabe o que significa sê-lo, na lealdade, no estilo sincero, no propósito que se põe quase como declaração de amigos para sempre. Quebro hoje o protocolo, como se fosse próprio fazê-lo, não o fizesse é que não pegaria bem. Toda pertinência que peço é a que me permite dizer a ele a figura incrível que é, dessas que de tão ímpares com elas queremos fazer par para viver toda uma vida juntos, assistindo aos momentos, que se percebem, que se sentem e que se comentam. A palavra, a percepção e o sentimento entre nós sempre mereceram um toque de reciprocidade inconfundível.

Permita-me, desde logo, esta casa de Afonso Pena, aqui na Praça Afonso Arinos, que eu, por alguns instantes, possa falar do passado - que vive batendo à nossa porta. Falo da memória viva, que permanece conosco, nos graves, doídos e bons tempos de Minas e de suas cidades. Umas permanecem belas e pequenas. Outras, com ásperas dissonâncias, na expressão da poetisa Henriqueta Lisboa, transformam-se em metrópoles, nos tormentosos e apressados tempos de hoje. Não há como não recordar convivências antigas, em cidades, casas ou ruas tranqüilas em nossa apaixonante Belo Horizonte e, também, - este é o instante de maior emoção - da nossa pequena e bela cidade de Coimbra, do nosso convívio ali perto, nas cercanias de Viçosa, no coração da Mata Mineira, onde nasceu meu amigo Aloízio Gonzaga de Andrade Araújo. Convivências antigas, em ruas e praças tranqüilas, que ainda, lá e cá, são as mesmas, embora já sejam, quase todas, completamente outras.

Nada melhor do que o caminho de volta. A emoção da volta amorosa às nossas Coimbra e Belo Horizonte, a lembrança que não se apaga, o abraço amigo, o convívio humano que resiste às intempéries e nos concede, pela infinitude do futuro, o dom do recomeço. Nada mais comovente, nesta solene e conspícua reunião, do que a nossa volta amorosa ao coração dos primeiros tempos em Coimbra, sempre aconchegante, e em Belo Horizonte, a nova Capital. Nossos destinos eram arrimados pelo renome desta Faculdade, sempre dominada pela vocação e a insubmissão republicanas de seus mestres e alunos, desbravadores da restauração democrática, visionários do caminho inevitável, no sentido da vocação mineira da liberdade.

A recordação indormida do antigo prédio desta Faculdade: “Era - como já se disse - uma bela construção, genuína arquitetura de Belo Horizonte do início do século, que acabou demolida como se velharia fosse, antes mesmo que velha se tornasse.” A leitura de Belo Horizonte passou por Lord  Brant - assim chamávamos o saudoso diretor desta Faculdade, Francisco Brant -- e por sua filha, uma jovem esguia, de olhos azuis, bonita e vaidosa, Idaléscia Brant. Passou pelo nosso saudoso bedel, Samuel Caetano, e, no mesmo convívio, pelos nossos professores Alberto Deodato Maia Barreto, de Ciência das Finanças; João Franzen de Lima, de Direito Civil; Orlando de Magalhães Carvalho, de Teoria Geral do Estado; João Eunápio Borges, de Direito Comercial; Amílcar de Castro, de Direito Internacional, e tantos outros que deixaram recordações inconfundíveis. A leitura das disputas memoráveis em que se transformaram as provas dos catedráticos, como a do professor Pedro Aleixo, de Direito Penal.

Conheci Aloízio menino, mas já jovialmente maduro. Aloízio é dessas almas que vêm ao mundo para que ele fique melhor, onde o tem de passagem. Filho de Dona Inês e Seu José, da acolhedora Coimbra. Conto, para quem não sabe, que Minas tem dessas chiquesas, fosse crer alguém aqui que estou falando da Coimbra de Portugal. Pois Aloízio projetou Coimbra para além daquelas fronteiras que fazem o asfalto e a estrada de ferro, e aquela cidadezinha hoje, neste filho dileto tem sua personalidade mais ilustre.

E foi Aloízio que me apresentou aquela Coimbra, nos idos dos bons carnavais. Seu José e Dona Inês moravam à Praça Arthur Bernardes, s/n - sem número até hoje, porque basta dizer que é a casa que o mundo todo posto por lá os conhece - ao lado da Igreja Matriz, que a fé construíra imensa. Para se alçar até o sobrado, numa escada infinda, de degraus magrelos, dessas que não convêm aos moços durante os carnavais. Hoje creio que era propositadamente colocada. Para descer, a adrenalina nos aguçava para as surpresas da noite; para subir, a responsabilidade nos sarava dos excessos da juventude. No térreo da residência, a Loja São José Ltda., de Seu José, sem limites, fosse a simpatia do anfitrião, vendendo alegria e mais: da agulha das costureiras ao caixão dos velórios. Intercalando morada e comércio, em todo seu derredor, pequenas sacadas onde sentávamos debruçados para assistir a vida passar lá embaixo. Ficávamos por lá horas de carnaval, nos embriagando de bebidas e alegria, flertando a beleza e decorando os minutos para que eles, hoje, pudessem ser textos desta memória necessária.

Não poderia outro ser o destino, senão este que hoje põe Aloízio aqui, aquele que esteve no colo desta Dona Inês, ali mesmo sentada, neste auditório, ilustre e orgulhosa, em seu silêncio de mãe, talvez remoendo as lembranças daquele menino pequeno, que dava trabalho. Ela tinha de colocá-lo sobre as caixas de papelão enquanto se dava aos afazeres domésticos e à costura e dizer-lhe para não se mexer que o tombo era certo. Dobrem-se todas as pedagogias, que Dona Inês criou sete filhos homens e os fez todos homens, pois não, na extensão que o substantivo merece ter. Aloízio, que foi acólito de missa e tocou o sino na Catedral de Coimbra às duas horas da madrugada crendo fossem seis, quando o peso da responsabilidade sobre o menino o despertou sonâmbulo antes da hora. Aloízio, do Colégio Viçosa, do Tiro de Guerra, do Colégio Dom Helvécio, em Ponte Nova, da admissão em Nova Friburgo. Aloízio, que cavalgava com Seu Ieco, o avô, com toda a pompa de neto mais velho. O neto a quem se impôs, já advogado, tentar do avô a distribuição mais justa do patrimônio da família, cabendo a ele, ainda, vê-la desarmonizar-se naqueles tempos, embora seja o tempo mesmo que tenha vindo para amolecer os corações e preencher os flancos que a vida abre sobre a pele, com candura, para que os velhos se olhem com ternura, os irmãos se abençoem e os parentes se orgulhem de sua ascendência. Todos os tios e os primos sabem do valor inestimável de Aloízio.

O pai queria que Aloízio fosse para o Rio de Janeiro, para ser médico. Colocou-o no ônibus para o Rio. Aloízio, no meio do caminho, saltou e tomou o ônibus de Belo Horizonte. Foi, sem dúvida, o primeiro ato de desobediência civil, de insubordinação, e, nessa envolvente Belo Horizonte, estudou Direito nesta Faculdade e dela se tornou professor e diretor.

Aloízio, filho de José Lopes Valente Filho, dele a valentia e o corpo miúdo, que faz do grande homem aquele que tem presença. Sucedeu-o muito cedo, tornando-se Aloízio, filho mais velho, o único formado, companheiro de Dona Inês, orientador dos seis irmãos que lhe seguiam: Anchieta, Tarcísio, Geraldo, Júlio, João Câncio e Paulo Roberto, então com onze anos. Por isso, cessem todos os ciúmes, porque Aloízio haverá sempre de ser o docinho de coco de Dona Inês. Não é assim que a mãe o chama, Aló? Muito obrigado, Dona Inês, pelo amigo e por todos os carnavais que passamos juntos naquela capital da simplicidade e da paz.

Casa-se Aloízio com Marlene, a bela Dona Marlene, sempre tão elegante e fiel. Marlene, por quem se apaixonara desde criança, de castigo no pátio do Dom Helvécio, guimba de cigarro à boca e Larousse sobre os braços esticados, ao vê-la chegar com o pai e o irmão. Logo, Aloízio deu jeito de assistir o Padre à missa no colégio das freiras, fazendo Marlene ruborizar a face sobre a patena durante a comunhão. Uniram-se onze anos mais tarde, quando a bela Marlene, desde esse dia perdida por aquele menino, quedou ante a promessa feita em acróstico que predizia que “da felicidade o arfante alento, só sentiria Aloízio se a fizesse feliz.” Fê-la. Portanto, feliz meu amigo Aloízio.

Tiveram Maria Inês, em homenagem a Dona Inês e Dona Inês, mãe e sogra; Aloízio Júnior, em homenagem a si; Marcelo, por causa do cunhado querido e Raquel, porque toda Raquel é amiga de Inesinha e queria ela que a irmãzinha tal se tornasse. São. Pelos meninos, teve Samoa, Pupi, Sula, Bagaia, as chaves engolidas por avestruz, ninhadas infinitas, galinhas d’Angola, garnizés... Foi Papai Noel, escreveu cartões e assinou pelo velhinho, nadou em água fria, que ele detesta. Escondeu ovos de Páscoa, buscou e levou distâncias infindas, que eram aquelas quando até ali as estradas eram mão única sem acostamento e as ligações, interurbanas. Esperou-os adolescentes em festas e na esquina para que se sentissem independentes. Ficou à porta do curso de inglês e do Minas Tênis anos de vida.

Moraram em apertamento, depois em apartamento e em casa linda comprada na roça mais chique de Belo Horizonte. Roça, em BH, hoje chama-se condomínio fechado. O Serra Del Rey não nem era território nacional quando Aloízio lá aportou, aos trinta anos, Marlene com vinte e cinco, os três primeiros com eles, encontrando toda a Alemanha instalada no melhor lugar da terra. Então, ele moveu ação popular sozinho, preservou as áreas verdes, tornou-as permanentes, mobilizou o Instituto Estadual de Florestas, sofreu com a instalação da luz elétrica, que só soube apagar estrelas.

Agora, Aloízio é avô. E se alegra com a presença de Jonas, de Esther e Mariana. E eles se alegram com a presença dele. Aquela do vovô engraçado, quase lúdico, sejam, por exemplo, as estórias do barrinho e de sua infância e as músicas Mané, Pedro e Izé, da mula preta com sete parmos de artura e da Velha Traquina.

Aloízio advogado, conselheiro da OAB, professor da Católica, da Faculdade de Direito de Itaúna, desta Faculdade de Direito da UFMG. A Casa de Afonso Pena, agora é também a Casa de Aloízio Andrade, afinal hoje perfazem duas gestões dele como diretor da Vetusta, uma como vice-diretor. Aloízio conhece os meandros desta Faculdade como ninguém. Sob sua direção, esta Casa ganhou novos ares, nova fachada, nova biblioteca, lanchonete, nova expressão no contexto acadêmico, científico, estadual e nacional. Conheço a forma como o Professor Aloízio atua. Trabalhamos juntos quando fui Governador de Minas, sendo ele Chefe da Assessoria Técnico-Consultiva de meu Governo, sempre a meu lado, ativo, surpreendente, dinâmico, inteligente, lúcido, contribuindo para a maior dimensão do Governo de Minas. Aloízio é um homem exemplar, impressionante, e quanto mais o vejo mais me impressiono com ele. Em mim me ficam impressas toda a força e a candura de seu olhar que, ao mesmo tempo, entregam o coração gentil e o caráter ilibado. Não é à-toa que o professor Doutor Aloízio Gonzaga de Andrade Araújo houvera defendido tese de doutorado em Filosofia do Direito. A capacidade de sua construção intelectual o coloca entre os homens de grande inteligência e cultura de nossa Minas Gerais.

Afinal, senhores, aqui, em nossa Casa, a Casa do Direito, não poderia deixar de falar da origem e do destino das leis. O Direito é o sangue desta Faculdade, que impulsiona o seu destino, os seus mestres, os seus alunos, o seu fascínio pela carreira profissional, a mais importante e abrangente neste país. Ninguém melhor do que Milton Campos para expressar este sentimento: “As leis só serão boas se refletirem os sentimentos obscuros e as tendências difusas que jazem nas camadas profundas onde se situa o coração dos homens. É aí que florescem os lírios, símbolos evangélicos da singeleza e da naturalidade.” “Crescei como os lírios” - manda-nos o Sermão da Montanha. E diz um poema de Carlos Drummond de Andrade: As leis não bastam; os lírios não nascem da Lei”. Mas concluo que nascem da terra, a qual, no seu significado complexo e profundo, é a realidade, que gera os lírios e cria as leis.”

            Caro Aloízio, Diretor e meu amigo, toda a homenagem lhe presto em nome de sua família, de seus amigos, de seus escudeiros e admiradores, de todos aqueles com quem vimos convivendo estreitamente por esses anos todos. Toda a honra e toda a glória por seus feitos, suas qualidades e qualificações, por tudo quanto lhe constrói o homem que é, pelo seu humanismo, sinta-se prestigiado.

Aloízio, jovem professor e diretor desta casa, aqui envolvido por seus familiares que vieram de Coimbra e outros mundos, de seus alunos e colegas, seus mestres, que emolduram a história e o destino da Casa de Afonso Pena. Você pertence à geração dos homens retos.

Meus parabéns.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/12/2002 - Página 26403