Discurso durante a 25ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Perda de credibilidade do governo dos EUA em virtude do desencontro de informações referentes à guerra do Iraque, questionando o papel da ONU após o conflito.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Perda de credibilidade do governo dos EUA em virtude do desencontro de informações referentes à guerra do Iraque, questionando o papel da ONU após o conflito.
Publicação
Publicação no DSF de 27/03/2003 - Página 4805
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • PROTESTO, ATUAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), BOMBARDEIO, ORIENTE MEDIO, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONSELHO DE SEGURANÇA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU).
  • CRITICA, IMPRENSA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), MANIPULAÇÃO, INFORMAÇÕES, CONFLITO, OMISSÃO, INFORMAÇÃO, UTILIZAÇÃO, EXERCITO ESTRANGEIRO, URANIO, ARMA DE GUERRA.
  • QUESTIONAMENTO, ALEGAÇÕES, AMERICA DO NORTE, EXISTENCIA, ARMA, ENGENHARIA QUIMICA, PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), POSTERIORIDADE, GUERRA, PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE, ELOGIO, ATUAÇÃO, ORGANISMO INTERNACIONAL, MANUTENÇÃO, OPOSIÇÃO, CONFLITO, ORIENTE MEDIO, DEMONSTRAÇÃO, AUSENCIA, SUBORDINAÇÃO, INTERESSE, AMERICA DO NORTE.
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, REVIGORAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), IMPEDIMENTO, CONTINUAÇÃO, UNILATERALIDADE, DECISÃO, DEFESA, ALTERAÇÃO, LOCALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), SEDE, ORGANISMO INTERNACIONAL.
  • COMENTARIO, POSSIBILIDADE, AGRAVAÇÃO, CRISE, ECONOMIA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), AUMENTO, GASTOS PUBLICOS, MANUTENÇÃO, CONFLITO, ORIENTE MEDIO.
  • DEFESA, RECONSIDERAÇÃO, BRASIL, RESPEITO, TRATADO, IMPEDIMENTO, FABRICAÇÃO, ARMA DE GUERRA, NECESSIDADE, GARANTIA, SEGURANÇA NACIONAL, PROTEÇÃO, UNILATERALIDADE, DECISÃO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é lamentável a perda de credibilidade do governo americano neste momento. Tornou-se impossível dar crença, dar fé às informações saídas dos órgãos oficiais do governo americano. Várias notícias se contradizem com os fatos. As cidades do sul do Iraque que haviam sido tomadas na verdade não o foram; continua a haver resistência, e resistência forte. Aquela recepção até calorosa do povo iraquiano aos soldados americanos, como sendo libertadores de um regime de opressão, também não se efetivou. O que se está verificando é uma feroz resistência por parte não só do exército iraquiano, mas da população civil como um todo.

E as armas de destruição em massa, anunciadas com tanta certeza por parte do governo americano, existirão? Armas que os inspetores da ONU não encontraram, armas que não foram usadas até agora, não obstante a devastação do Iraque que está sendo feita pelos bombardeios americanos. Se essas armas não existirem, como ficará a nação americana como um todo perante o resto do mundo, na medida em que a existência dessas armas foi o pretexto para essa brutal agressão perpetrada contra o Iraque? Teria o governo americano decidido por essa invasão se o Iraque tivesse em quantidade substancial armas de destruição em massa? Não teria o governo americano respeitado um pouco mais o Iraque se existissem essas armas? O exército americano, as forças armadas americanas e inglesas, a chamada coalizão, estão usando munição de urânio - não é urânio enriquecido, é um urânio enfraquecido, mas é urânio. Quais as conseqüências futuras da disseminação desse material perante a população iraquiana? Não poderá causar também uma destruição em massa?

Enfim, essas questões estão colocadas, mas as respostas são dúbias, não são convincentes. E, não obstante o protesto do mundo inteiro, esse massacre se processa, continua a guerra, avança a agressão.

Sr. Presidente, é dever do mundo inteiro pensar na ONU. Já que nada pode ser feito materialmente para impedir a continuação dessa agressão, é preciso pensar na ONU depois da guerra. Ao contrário do que algumas pessoas disseram no primeiro momento, a ONU não saiu propriamente enfraquecida desse episódio. A ONU não se encurvou aos ultimatos, às pressões de toda natureza que foram feitas para que aprovasse, o seu Conselho de Segurança, a invasão anglo-americana. Por conseguinte, a ONU não foi vencida, manteve-se na sua posição de instância de legitimidade dos assuntos internacionais, preservando os princípios expressos na sua carta e que norteiam a sua ação desde a sua criação.

A verdade é que a ONU permanece como única instância de solução dos conflitos internacionais com legitimidade, isto é, sem o uso arbitrário ou unilateral da força e da violência. A ONU pode até, Sr. Presidente, sair fortalecida desse episódio todo, à medida que no mundo inteiro crescem as manifestações contra a guerra, que também são manifestações de caráter humanístico contra a violência, contra o unilateralismo, contra o abuso da força sem a legitimação de uma entidade representativa da humanidade que possa, em certos momentos, respaldar o uso da violência e da força.

É importante que o mundo continue a protestar e a apontar para a Organização das Nações Unidas como sendo o grande foro de decisão das questões internacionais com legitimidade. Também é importante que aqueles países que respaldaram a ONU, impedindo-a que se curvasse e fosse vencida, como a França, a Alemanha, a Rússia, a China, o Brasil, continuem com as suas posições e dêem conseqüência e seguimento à postura que assumiram diante da guerra. É necessário o revigoramento da Organização das Nações Unidas em consonância com os anseios populares manifestados nas ruas do mundo inteiro, do Ocidente ao Oriente, com o caráter não apenas de protesto contra a violência que atinge um país que, afinal de contas, é pobre, mas contra o desbalanceamento absoluto de forças entre agressor e agredido - a nação mais poderosa do mundo, econômica e militarmente, massacrando um país pobre, sob o argumento de se prevenir contra o uso possível de armas de destruição em massa, que, como eu disse, até agora não foram encontradas.

Portanto, na medida em que isso se fortalece, se amplia e se expande pelo mundo, principalmente nos países mais ricos, inclusive na própria sociedade norte-americana, onde também crescem os movimentos contra a guerra desencadeada pelo Sr. Bush, é importante que tudo isso tenha conseqüência. Faz-se necessário, precisamente, o revigoramento da Organização das Nações Unidas como entidade representativa da humanidade e legitimadora das soluções dos conflitos internacionais pela lei, pela moral, pela ética, pelas considerações humanísticas e pelo uso da violência em absolutamente último caso apenas, diante de situações inquestionáveis.

A pergunta que está na boca de todos é esta: poderá a ONU continuar sediada em Nova Iorque? Tem sentido a ONU manter a sua sede naquele país que a afrontou de maneira tão explícita e injustificável?

A sede da ONU está em Nova Iorque porque os Estados Unidos da América tiveram papel fundamental e decisivo no combate às forças do nazismo, na afirmação do sistema democrático, das liberdades democráticas, da ética democrática, da verdade na colocação das notícias e das posições claras. A ONU situa-se em Nova Iorque porque existiam figuras históricas que dedicaram sua vida ao ideal de uma entidade internacional que pudesse solucionar esses problemas - dois grandes presidentes americanos, Thomas Woodrow Wilson e Franklin Delano Roosevelt. Em função disso, estabeleceu-se a sede em Nova Iorque, com a concordância geral do mundo.

Diante desses fatos, da agressão ao Iraque, que também é um ataque a todas as nações do mundo e à própria Organização das Nações Unidas e contra o espírito que preside a sua criação, existência e funcionamento, poderá esta continuar sediada em Nova Iorque? Essa é a primeira pergunta a ser feita, Sr. Presidente, no momento em que se pensa na revitalização da Organização das Nações Unidas.

As razões que levaram a sede da ONU para os Estados Unidos são as mesmas que erigiram, com assentimento mundial, o dólar em moeda internacional. Por que o dólar foi reconhecido como moeda internacional, contra a vontade de Lord Keynes, que sugeria uma cesta de moedas internacionais para substituir o ouro como valor de troca reconhecido internacionalmente? Contra a vontade de Keynes, o mundo todo se curvou, concordando em que o dólar fosse a moeda, não só em razão de a economia americana ser a mais forte do mundo, mas pelo seu prestígio moral. A nação americana detinha perante o mundo o significado de pátria da liberdade e da democracia, condições da mais alta respeitabilidade, que, infelizmente, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, os Estados Unidos estão perdendo. A cada dia dessa guerra, estão perdendo, e perdendo substancialmente, verticalmente.

Ademais, nem os Estados Unidos têm mais a maior economia do mundo. A economia da Comunidade Européia já se iguala, se não a supera, e o dólar certamente haverá de sofrer com os gastos monumentais, estratosféricos dessa guerra. Os déficits americanos que estão crescendo a cada ano, a cada mês, enfraquecem a moeda perante o euro, que já vale mais, hoje, do que o dólar no mercado internacional.

A sede da ONU possivelmente não poderá ser mais nos Estados Unidos, em Nova Iorque; o dólar também, muito provavelmente, não poderá mais continuar sendo a moeda de curso internacional, reconhecida por todos, por razões muito próximas daquelas que podem determinar a instalação da ONU em outro país.

Enfim, Sr. Presidente, essa guerra é obviamente uma afronta à humanidade, mas também pode trazer conseqüências desastrosas à própria nação americana. Isso não está sendo considerado nessa cegueira que se abateu sobre o governo Bush, na ânsia de buscar vitórias econômicas também sobre o petróleo, sem o pudor de, por exemplo, evitar que uma empresa que foi do vice-presidente da República seja logo apontada como uma das que vai ganhar muito dinheiro com a reconstrução do Iraque destruído, especialmente dos poços de petróleo.

Todos esses fatos atingem também os brasileiros. É claro que o Brasil ainda tem uma posição relativamente modesta no mundo, mas que mostrou a sua dignidade. Há muito tempo o Brasil não exibia um paradigma de ação internacional de tanta dignidade como nesses últimos tempos, com a posição explícita do Presidente Lula lutando pela paz, interferindo e buscando apoio internacional de todos os países que sustentavam as mesmas idéias. O Brasil conquistou, sim, bastante destaque na boa causa, na causa da paz e do fortalecimento e reconhecimento da ONU como instância legitimadora de decisões nos conflitos e nas respectivas decisões internacionais.

Sr. Presidente, esta mesma consideração sobre o futuro da ONU e a nossa posição, a posição brasileira, nos levam a colocar uma questão muito delicada, mas fundamental: se nada mudar, se a ONU não for revigorada, se não houver nenhum tipo de sanção internacional contra os Estados Unidos por essa agressão unilateral, essa decisão que afrontou as nações do mundo, se continuar prevalecendo - muito mais do que antes, porque a ONU foi desconsiderada - a tese da força bruta, o domínio do império da força bruta sem nenhuma preocupação de legitimação, mas simplesmente na defesa pura dos interesses da maneira mais cínica, seremos obrigados a repensar a nossa posição quanto ao Tratado de Não-Proliferação de Armas Atômicas. Se o argumento é só a força, se não vale mais o Direito, se não vale a lei internacional, se não valem os organismos internacionais, se vale a força e o poder militar, então, todos os países terão obrigação de se armar, melhorar a sua posição militar em relação aos demais países do mundo.

Segundo o arrazoado que levou todos os brasileiros - e eu também concordava com ele - a concordarem com a assinatura do Tratado de Não-Proliferação, estávamos afastando do mundo a possibilidade do uso da violência como fator de convencimento e fator de domínio absoluto e imperial. Se nada daquilo mais vale, se passa a imperar a força bruta cínica, é bom que adquiramos também, como nação, uma força que, pelo menos, tenha um certo caráter dissuasório, fabricando o que já podemos - e estamos num patamar de desenvolvimento tecnológico que nos permite conseguir o domínio dessas tecnologias. Não há por que ficarmos nós como otários, como uma nação de bobos a respeitar um tratado de não-proliferação quando o que prolifera é a força das armas, o uso da força bruta, o uso da maciça agressão numa escala jamais vista na história do mundo. A massa de explosivos, a massa de armamentos despejados, de bombas e artefatos destruidores despejados sobre o Iraque, nesse curto espaço de tempo, já ultrapassou tudo aquilo que a humanidade viu em matéria de artefatos de destruição.

Se os parâmetros agora são outros, Sr. Presidente, não há por que ficarmos nós presos a um compromisso que tinha outros pressupostos: os pressupostos da legitimidade, do respeito à Organização das Nações Unidas, do respeito aos tratados internacionais. Se isso não vale mais, teremos que repensar a nossa posição.

Estou colocando este problema de antemão porque temos que começar a considerar as questões diante do que virá a ser a ONU depois dessa guerra. Agora, se a ONU se revigorar, se os Estados Unidos sofrerem algum tipo de sanção e se voltar a prevalecer o espírito de legitimidade internacional, continuaremos na nossa linha humanística de respeitar a não-proliferação, dentro de um espírito esperado pela humanidade, esperado por todo esse povo que está indo às ruas no mundo inteiro para condenar a violência e exigir o fortalecimento da legitimidade, da razão, da ética e do espírito humanístico que tem que presidir a evolução de todos nós.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/03/2003 - Página 4805