Discurso durante a 32ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Posicionamento contrário à guerra do Iraque. Sugestões ao Presidente Luis Inácio Lula da Silva para que empreenda nova rodada de viagens ao exterior a fim de pregar o fim do referido conflito.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Posicionamento contrário à guerra do Iraque. Sugestões ao Presidente Luis Inácio Lula da Silva para que empreenda nova rodada de viagens ao exterior a fim de pregar o fim do referido conflito.
Publicação
Publicação no DSF de 04/04/2003 - Página 5986
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • APREENSÃO, GUERRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), IRAQUE, REPUDIO, PERDA, VIDA HUMANA, DEFESA, ATUAÇÃO, POLITICA EXTERNA, BRASIL, MANIFESTAÇÃO, PROTESTO.
  • SUGESTÃO, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, VIAGEM, EXTERIOR, MOBILIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, DEFESA, PAZ, IMPORTANCIA, LIDERANÇA, BRASIL, AMBITO INTERNACIONAL.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho tido pesadelos. O Senador Mão Santa olhou para mim agora e deve estar se perguntando: “o que temos a ver com o pesadelo da Srª Senadora?”. Tudo. Ontem, como Presidente da Mesa, tentei disciplinar a palavra de Senadores tão importantes como V. Exªs, que já foram Governadores de Estado, Ministros - aliás, o Senado carrega toda essa qualificação em seus representantes. Eu poderia dizer que esse seria um dos pesadelos. No entanto, o pesadelo maior diz respeito à minha sensibilidade como mulher, evangélica, que tem acordado durante a noite, quando o brilho de um néon me remete à fantasia de uma bomba estourando ao lado da minha janela. Muitas vezes, a imagem que a televisão mostra de crianças sendo queimadas vivas, de crianças machucadas, me remete ao pesadelo de estar ouvindo, no quarto ao lado, o choro de uma filha minha ou de uma neta.

Esse, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tem sido o meu pesadelo, e diz respeito à guerra.

O pronunciamento que faço hoje é um pensamento propositivo, porque sou uma Senadora propositiva. Vivemos um momento de guerra, temos discutido sobre o salário mínimo e temas muito importantes, como a votação das reformas. No meu primeiro pronunciamento nesta Casa - alguém que esteve presente pode testemunhar -, tive a oportunidade de relatar que, no apartamento vizinho ao meu, havia uma bandeira do Brasil, algo que não acontece muito neste nosso País. Nesse final de semana, a primeira coisa que fiz quando cheguei foi verificar se a bandeira permanecia lá. Estava lá. Para mim, a tradução foi: a confiança permanece; o sentido de Pátria ainda está presente.

Por isso, passo a externar algumas considerações aqui.

O conflito cada vez mais dramático e sangrento que se arrasta no Iraque não diz respeito apenas a George W. Bush ou a Saddam Hussein. Sabemos perfeitamente que todos nós somos, direta ou indiretamente, afetados e que, de repente, acabamos sendo participantes de uma guerra que não queremos, que não desejamos, que não aceitamos - e que repudiamos.

A globalização, Srª Presidente, funciona especialmente em períodos de tragédia. O deserto onde os Estados Unidos exibem o seu potencial bélico está, ao mesmo tempo, muito distante e muito próximo de nós.

Mais uma vez, a história concebe um destes senhores da guerra cuja ambição conquistadora arrasta todo o mundo para uma mesma vala de sangue, para o mesmo martírio da dor, para a mesma epopéia da matança.

Tenho a certeza de que V. Exªs fazem a mesma pergunta que faço: é possível colocar um freio nessa loucura no momento em que ela caminha para a sua decisiva destruição? É possível parar os tanques da aliança anglo-americana às portas de Bagdá?

Qualquer raciocínio lógico vai dizer que não, mas nós temos que persistir e acreditar que possa vir o milagre que estabeleça a salvação de milhares de vidas prontas para serem consumidas pelas bombas e pelo poder de fogo.

A introdução, Srªs e Srs. Senadores, é apenas para situar o dilema brasileiro diante dessa guerra.

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva completou anteontem três meses de gestão e, desde que assumiu, o seu governo se transformou em refém, inicialmente, da pré-guerra e, agora, do conflito propriamente dito. Não sabemos ainda, Srª Presidente, o peso das conseqüências que virão sobre o Brasil. Mas a Nação, por sua vez, não pode ficar de braços cruzados assistindo ao desenrolar das batalhas como se fosse um jogo de videogame.

Antes, é preciso protestar - considero que os protestos ocorridos são tímidos -, agir, repudiar e, sobretudo, expressar o amor pelos nossos irmãos que foram lançados ao combate - inocentes vítimas de um sistema cruel e atroz. O Brasil sempre teve uma vocação para a paz e, mais do que nunca, está sendo convocado para exercer esse dom de uma maneira ousada e conseqüente.

As posições antiguerra assumidas pelo presidente desde o início de seu governo expressam um anseio mundial de largas proporções que precisa ser mais bem difundido e trabalhado, de modo a colaborar para, pelo menos, diminuir os dias de conflito e impedir um desastre de proporções ainda maiores.

Muitas vezes os Senadores e Senadoras têm me visto aqui assumir posições de defesa ao governo que ora se formou. Não conheço pessoalmente o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas uma coisa aprendi: é preciso escolher um lado - o lado que eu sentisse que realmente dizia respeito aos meus ideais - e manter posição firme. Aprendi isso, Senador Mão Santa, com o nosso velho MDB de guerra, ao qual estou filiada desde o início, há mais de trinta anos.

Então, eu diria a vocês que alguém tem que começar a agir. Bush, por conta própria, deu início a essa guerra injusta e inaceitável. Por que, então, em contrapartida, as nações que advogam a paz não podem se levantar para impedir que a matança prospere, criando as condições políticas para que essa guerra seja freada imediatamente? No primeiro ciclo de viagens internacionais que fez, as posições assumidas pelo Presidente Lula obtiveram grande repercussão. Ele poderia, agora, dar o primeiro passo, empreendendo uma nova rodada de viagens com um propósito bem definido: pregar o fim desse conflito, o que significa poupar milhares de vidas que se preparam ainda para o embate mais sangrento.

Digo-lhes, com toda minha sensibilidade, que não agüento mais abrir os jornais ou ligar a televisão e ver a face de crianças queimadas. A última imagem que me chocou - a ponto de derramar lágrimas, confesso -, foi a de uma criança morta de cuja boca um soldado retirava a chupeta. Querem imagem pior, querem testemunho pior que a imagem de uma criança morta com uma chupeta ainda na boca!

Muitas vezes, Srªs e Srs. Senadores, subestimamos nossa capacidade e nosso potencial. Vejam que um país com a dimensão territorial do Iraque, vinte vezes menor do que o Brasil, resiste a armamentos de alta tecnologia e precisão inimagináveis e consegue retardar o avanço dos tanques e das tropas invasoras. Agora, vejam o caso do Brasil, um país com suas dimensões, com seu gigantismo, com sua tradição pacifista: o que não poderia fazer caso resolvesse realmente adotar uma postura mais aguerrida no plano internacional?

Hoje ouvi o Senador Eduardo Suplicy, que foi o primeiro orador, e, depois, o Senador Hélio Costa se referirem a uma situação com a embaixadora americana. Infelizmente, fomos, no decorrer da história, submetidos a uma mentalidade destrutiva e medíocre, segundo a qual não somos capazes de crescer mais do que as potências econômicas da América do Norte e da Europa; segundo a qual não temos nenhum poder no plano internacional; segundo a qual apenas servimos para encantar o mundo com o nosso futebol e o nosso carnaval.

Mas basta! Está na hora de uma mentalidade nova, uma mentalidade para cima. Precisamos acreditar em nossas potencialidades, valorizar nosso povo e a sua imensa capacidade de resistir às situações mais adversas. Afinal é das grandes dificuldades que se torna possível extrair imensos ensinamentos e estupendas vitórias. Espero, sinceramente, que o Presidente Lula possa refletir sobre isso com a magnitude que a gravidade do momento requer.

Abordo o tema, Srªs e Srs Senadores, porque a minha sensibilidade de mulher já começa a perceber que novamente a onda pessimista ameaça o Brasil e os incrédulos de plantão já difundem pela imprensa que o presidente não seria capaz de promover o conjunto das grandes transformações que pregou durante a campanha. Isso apesar dos novos números positivos da economia, que evidenciam a queda acentuada do risco Brasil e uma certa estabilidade no processo inflacionário.

Esses agourentos, Srª Presidente, tentam, desde já, substituir a rota da esperança por aquela sensação de fragilidade e de inutilidade que, durante tantos anos, paralisa a vida brasileira. Temo que o presidente possa acabar sendo influenciado por esse ciclo negativista em função dos problemas conjunturais que atingem, especialmente, o quadro social brasileiro.

Está aí a nossa guerra brasileira, acontecendo nas ruas do Rio de Janeiro. Com o nosso salário-mínimo de 240 reais, de acordo com estudos, o trabalhador vive apenas 10 dias. Mas nem por isso vamos desanimar e entregar os pontos, - ainda mais porque o jogo está apenas começando.

A conclamação que faço, Srªs. e Srs Senadores, é para que esta nação possa, definitivamente, por em prática o seu sentimento patriótico, o mais profundo, o mais sincero, o mais avassalador. O mundo está em guerra. Ninguém está protegido, mas muitos de nós continuamos agindo como se não fosse conosco, como se estivéssemos fora desta nau globalizante e a salvo de seus nefastos interesses.

Não nos cabe agora a atitude de forjar um ambiente psicológico negativo para o governo do presidente, mesmo porque é humanamente impossível solucionar os problemas brasileiros do dia para a noite, ainda mais em meio a um conflito dessa dimensão.

Humildemente prego, com o amor à pátria que sempre moveu minha vida, o estabelecimento de uma trégua justa, necessária, fundamental. Uma trégua brasileira em que todos possamos apresentar propostas e iniciativas concretas para que as reformas saiam das boas intenções e se tornem realidade, fazendo com que a nação tenha os instrumentos técnicos para superar o descompasso financeiro e abrir caminhos para um novo período de abundância, fartura e harmonia.

Se nosso presidente imediatamente conquistou uma alta respeitabilidade internacional, então, como brasileiros, cabe-nos reforçá-la e impulsioná-lo a utilizar essa liderança com a finalidade de percorrer as nações incitando-as a atuarem no sentido de desativar a guerra e proclamar o diálogo e a concórdia.

Fragilizar o governo Lula, Sr. Presidente, não interessa ao Brasil, não interessa ao seu Estado, não interessa à sua família, não interessa à paz.

Que tenhamos o desprendimento, o espírito público e, principalmente, a nobreza de colocarmos os interesses do Brasil e do mundo num patamar bem mais elevado, fazendo as gestões que o povo espera no sentido de construir um novo pensamento nacional - pensamento de paz e não de mal; pensamento de vida e não da morte; pensamento de bem-aventurança e não de tragédia. Assim, Deus mudará a nossa sorte.

Que esses pensamentos, Srªs e Srs. Senadores, possam se traduzir em palavras, em diálogo, em compromisso. E que essas palavras possam virar projetos factíveis e eficientes para vencer as nossas dificuldades. E que esses projetos, finalmente, se transformem em ação efetiva, mobilizando o conjunto das forças nacionais para uma etapa de vitórias e de conquistas.

Para terminar, gostaria de fazer, neste momento, uma conclamação a todos os brasileiros no sentido de darmos voz às palavras de John Lennon e pedir aos dois lados: Dêem uma chance à paz.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/04/2003 - Página 5986