Discurso durante a 34ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Advertência para a ociosidade de milhares de jovens entre 15 e 24 anos de idade, fato este que gera o aumento da criminalidade e da prostituição infantil.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Advertência para a ociosidade de milhares de jovens entre 15 e 24 anos de idade, fato este que gera o aumento da criminalidade e da prostituição infantil.
Publicação
Publicação no DSF de 09/04/2003 - Página 6486
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO SOCIAL, REFERENCIA, INFORMAÇÕES, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), CRESCIMENTO, OCIOSIDADE, ADOLESCENTE, ABANDONO, FAMILIA, FALTA, ACESSO, EDUCAÇÃO, INCENTIVO, PARTICIPAÇÃO, TRAFICO, DROGA, CRIME ORGANIZADO, PROSTITUIÇÃO, MENOR.
  • ESCLARECIMENTOS, SITUAÇÃO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, CRIANÇA, ADOLESCENTE, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO, BRASIL, MANIFESTAÇÃO, APOIO, PROGRAMA, GOVERNO FEDERAL, COMBATE, PROSTITUIÇÃO, MENOR.
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, MELHORIA, SITUAÇÃO, FAMILIA, AUMENTO, ACESSO, EDUCAÇÃO, COMBATE, FOME, BENEFICIO, INFANCIA, CRIANÇA, DEFESA, OFERTA, EMPREGO, ERRADICAÇÃO, EXPLORAÇÃO SEXUAL.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há poucos dias, uma cena chocou o Brasil. Pela televisão, milhões de pessoas testemunharam a prisão de uma mulher que negociava com um caminhoneiro o preço dos favores sexuais de uma adolescente. O mais terrível da cena é que a mulher presa é a mãe da adolescente explorada sexualmente.

Muitas pessoas comentaram esse fato comigo, todas absolutamente escandalizadas. E o escândalo maior se devia sempre ao fato de terem testemunhado uma mãe a vender a própria filha.

É evidente que fiquei chocada ao tomar conhecimento do fato - e, certamente, dentre V. Exªs, os que tiveram oportunidade de presenciá-lo. Mas no instante imediato, lembrei-me do que aconteceu na Itália, logo após o final da II Guerra Mundial, quando milhões de jovens, filhas de famílias famintas, vendiam seus corpos aos soldados por um pequeno tablete de chocolate. Não testemunhamos isso ao vivo, nem pela televisão, mas o cinema e a literatura italiana nos deram notícia dessa realidade dolorosa, muito especialmente o escritor Curzio Malaparte, em seu famoso romance A Pele, que, em determinado trecho, fala de um homem que colocou a própria filha em exposição. Pagando em dólar ou em alimentos, jovens soldados podiam constatar, tocando o corpo martirizado da menina, que se tratava de uma autêntica virgem.

Na Itália de ontem e no Brasil de hoje, a fome é o pano de fundo da miséria moral. E só quem está com fome, só aqueles que foram reduzidos à mera sobrevivência podem saber o que isso significa.

Sob a liderança do nosso Presidente, o País inteiro se mobiliza para alimentar quem está passando fome, mas será preciso muito mais que isso para acabar com a prostituição de jovens e crianças. A exploração de crianças e adolescentes é como o uso de drogas ou qualquer outra peste semelhante: tendo contaminado a sociedade, não será tão facilmente erradicada.

Mas deixemos a realidade das ruas e observemos a mesma situação, agora pela realidade dos números. A síntese dos indicadores sociais do IBGE nos informa que mais de um milhão de jovens brasileiros pobres, na faixa dos 15 aos 24 anos, vivem sem ter o que fazer: não estudam, não trabalham e não têm opções de lazer e, por isso, são presas fáceis do crime organizado, tanto do tráfico de drogas, quanto da exploração sexual, uma atividade econômica indigna e criminosa.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando me refiro ao ócio, lembro-me da recomendação que minha mãe me dava quando eu era menina, aquela que todas as mães dão: que estivéssemos sempre ocupadas, ou estudando ou exercitando a música ou fazendo um trabalho qualquer. Elas pensavam em nos livrar do perigo que hoje acomete milhões de jovens e crianças, que vão para as ruas, cumprindo o círculo vicioso de deixar a própria casa por falta de condições de vivência dentro da própria família.

Sobre isso, tenho um testemunho pessoal para passar aos que estão me ouvindo. Como Primeira-Dama do Estado, angustiada com a condição das crianças que perambulavam pelas ruas, tentei fazer um trabalho diferente. Passei a freqüentar as madrugadas da minha cidade, recolhendo aqueles jovenzinhos que estavam nos piores pontos, usando drogas, inclusive. Em um pequeno carro, acompanhada de assessores e amigos, eu ia até eles e os convidava a tomar um lanche no Palácio, algo que eu considerava irrecusável, como realmente o foi. Consegui reunir uma multidão de meninos de rua, que lá, junto comigo, tomando um lanche, passaram a narrar os mais diversos problemas que os afligiam, que os colocaram naquela condição. Eu ofereci a eles assistência. Eles estiveram comigo, acabaram com os estoques de biscoito e de tudo o que havia, retornaram algumas vezes e foram encaminhados para vários órgãos de assistência ao menor.

Confesso a V. Exªs, neste momento, que tive pouco êxito, porque aquelas crianças já se haviam acostumado às ruas, que não impõem regras, dão liberdade total.

Temos, portanto, que deter essa sangria dentro da própria família, reeducando os pais, dando-lhes condições de segurar, como educadores, a infância, para que esta, ao sair de casa, não seja presa fácil de traficantes e de pessoas inescrupulosas.

Não é nenhuma novidade que a prostituição infantil e juvenil está institucionalizada no Brasil e que, para nossa vergonha, é vendida no exterior como atrativo turístico. Ao mesmo tempo, são incontáveis as iniciativas parlamentares, os esforços do Executivo e de organizações não-governamentais para proteger nossas crianças da sanha do comércio sexual. Nossa legislação sobre o assunto é modelar e atualizada. No entanto, nada nos faz acreditar que esse problema esteja diminuindo. Ao contrário, para nossa vergonha, um estudo da Organização Internacional do Trabalho sobre o trabalho infantil no Brasil tem como foco o trabalho de crianças em lixões e a prostituição infantil.

Sobre esse mal, faltam-nos estatísticas, e sobram estimativas. Algumas falam em 50 mil crianças e adolescentes prostituídos no Brasil; outras dobram essa quantia, e há até suposições de organizações não-governamentais que chegam ao espantoso número de 500 mil adolescentes. Não é sem razão que uma das preocupações iniciais do Governo Federal, em seu Programa de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, é a de criar uma base de dados única.

Conhecer a extensão do mal é fundamental para o seu combate. Mas, de certa forma, como podemos afirmar que não conhecemos bem esse problema? Sabemos até, região por região, de que forma isso se dá. O Relatório Nacional sobre a Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, publicado no final do ano passado, fala-nos, por exemplo, que, no Norte do Brasil, a prostituição infantil ocorre mais freqüentemente nos garimpos e se apresenta sob formas bárbaras, como cárcere privado, leilões, mutilações e até assassinatos.

No Nordeste, a prostituição de crianças e adolescentes está associada ao turismo e conta com uma rede de aliciamento que inclui prostíbulos, hotéis, redes de táxi e outros.

No Sudeste, esse comércio floresce nas áreas litorâneas, também associado ao turismo, ou nos portos marítimos, destinado especialmente à tripulação de navios.

No Centro-Oeste, tanto nas Capitais quanto nos Municípios banhados por rios navegáveis, corpos e almas de crianças são objeto de comércio e, até mesmo, em alguns casos, de venda.

Na Região Sul, onde um número menor de casos é registrado, a prostituição infanto-juvenil ocorre principalmente com a população de meninos e meninas de rua. Mas a prisão recente de taxistas envolvidos com a prostituição de crianças e adolescentes nos mostra que, também ali, a crueldade desse comércio está alcançando níveis mais complexos de organização.

Para além do combate à fome, é necessário oferecer modelos alternativos para esse um milhão de jovens brasileiros desocupados, quer seja em instituições governamentais, quer seja em ONGs ou no local onde convivem, já que se criou uma cultura que pode impedir que esses jovens queiram sair da rua.

E mais do que o atendimento pontual ao problema, com ações que vão desde o combate policial à exploração de nossas crianças até a proteção daqueles que pertencem a lares desajustados, é necessário fazer crescer este País, aumentar a oferta de trabalho. É preciso mais trabalho, mais produção e uma melhor divisão da riqueza, para que nunca mais tenhamos de nos envergonhar dessa terrível realidade.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/04/2003 - Página 6486