Discurso durante a 57ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o Projeto de Lei do Senado 366, de 1999-Complementar, que altera dispositivos da Lei Complementar 76, de 6 de julho de 1993, que dispõe sobre o procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária.

Autor
Duciomar Costa (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/PA)
Nome completo: Duciomar Gomes da Costa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • Considerações sobre o Projeto de Lei do Senado 366, de 1999-Complementar, que altera dispositivos da Lei Complementar 76, de 6 de julho de 1993, que dispõe sobre o procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária.
Publicação
Publicação no DSF de 17/05/2003 - Página 11762
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • CONTESTAÇÃO, MERITO, INCONSTITUCIONALIDADE, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, RITO SUMARIO, DESAPROPRIAÇÃO, TERRAS, REFORMA AGRARIA, PREJUIZO, PROPRIETARIO, PRODUTOR RURAL, RETIRADA, PARTE, INDENIZAÇÃO, REFERENCIA, JUROS, COMPENSAÇÃO, LUCRO, PAGAMENTO, VALOR, COBERTURA, VEGETAÇÃO, RETROCESSÃO, DIREITO AGRARIO, SOLIDARIEDADE, RECLAMAÇÃO, FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA, ESTADO DO PARA (PA).

O SR. DUCIOMAR COSTA (PTB - PA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna manifestar minha discordância quanto ao teor do Projeto de Lei do Senado nº 336, de 1999-complementar, que, ao intentar a alteração de apenas dois dispositivos da Lei Complementar nº 76, de 6 de julho de 1993, acarretará, se aprovado na forma proposta, irreparáveis perdas aos proprietários e aos produtores rurais brasileiros.

Estarei ausente do País na próxima semana, em missão oficial, em plagas lusitanas, ocasião em que o referido projeto deverá estar incluso na Ordem do Dia, para a pronta apreciação desta Casa.

Sendo assim, não poderia deixar de consignar, desde já, perante meus Pares, o povo brasileiro, os paraenses que me são tão caros, nos anais do Senado Federal, meu posicionamento contra o mérito e pela inconstitucionalidade dessa proposição, porquanto afronte ela o art. 5º, inciso XXIV, e o § 3º do art. 182 da Constituição Federal, os quais normatizam a “justa e prévia indenização” em decorrência de desapropriação da propriedade particular, para fins de utilidade pública ou interesse social.

A Lei Complementar nº 76, de 1993, que o PLS nº 336/99-complementar intenta modificar, trata do procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária. Em seus parágrafos 2º e 3º, essa lei vigente prevê, com clarividente acerto, a inclusão de juros compensatórios e de pagamento de cobertura florística no valor da indenização a ser paga ao proprietário do imóvel desapropriado.

Foi, sobretudo, justo o entendimento do legislador de que o proprietário da terra, em caso de desapropriação, deva receber esses juros compensatórios pelos lucros que deixe de perceber dos frutos do seu imóvel.

Também é louvável que, na sentença judicial, seja determinado o pagamento da cobertura florística da propriedade, atinente às matas, à vegetação natural que lhe viceja as terras. Afinal, sem a cobertura florística, o valor de mercado do imóvel seria consideravelmente menor. E, sendo assim, por que não incluir tal quesito no valor da indenização a ser paga? Assim, acertadamente, o prevê a Lei Complementar em vigor.

Pois bem, o PLS nº 336/99-complementar tem a funesta finalidade de elidir esses dois itens, esses dois direitos - já referendados pelo Poder Judiciário brasileiro em súmulas e acórdãos vários - dos donos dessas terras passíveis de desapropriação. E, Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, fala-se em desapropriação para fins de reforma agrária ,“por interesse social”. Ora, que interesse social é esse que agasalha alguns em detrimento de outros? O justo ressarcimento ao proprietário da terra - em que se incluem juros compensatórios ou lucros cessantes e a cobertura florística do imóvel - não estaria incluído nesse chamado “interesse social”?

A proposição em tela parece merecer a alcunha que lhe está sendo imputada de “Lei do Grande Retrocesso do Direito Agrário”.

A Federação da Agricultura do Estado do Pará, além de outras entidades agremiadas afins, produtores rurais, proprietários cujas terras foram invadidas e são objeto de desapropriação, estão alarmados com o teor desse projeto, tema do meu pronunciamento.

Sob a principal e imponderável justificativa de que o pagamento de juros compensatórios e de valores referentes à cobertura florística estaria onerando excessivamente os cofres públicos, ergue-se essa proposição.

Desde quando, Srªs e Srs. Senadores, brasileiros deste País em que se diz haver respeito à justiça, um impasse financeiro do Estado se sobrepõe à paridade constitucional, pela qual se alardeia serem todos os cidadãos, indistintamente, dignos de tratamento equânime e justo por parte da lei?

Até onde iremos nós, os legisladores, caso passe a ser usual a elisão de direitos do cidadão irmão em nome da desoneração dos cofres públicos?

Outrossim, verifica-se, no PLS n º 336/99-complementar, uma particularidade fundamental a ser observada e que, por certo, poderá carrear conseqüências nefastas à preservação ambiental. Refiro-me, na hipótese de sua aprovação, ao incentivo que será dado à prática do desmatamento, pois que em não sendo indenizado o valor da cobertura florística, por que o proprietário haveria de preservá-la? Deverá correr o risco de, algum dia, invadirem suas terras que, por sua vez, serão desapropriadas com suas matas intactas, sendo estas desconsideradas no cálculo do valor indenizatório? Por que, então, não comerciar a madeira? Por que não desmatar, prática de que adviriam o lucro certo e a elisão do risco de uma possível desapropriação, sem pagamento justo pela riqueza, pela matéria prima intocada que valoriza a terra e preserva o meio-ambiente?

E o que dizer daqueles agricultores que, por alguma vicissitude, venham a perder suas plantações, passando a tê-las temporariamente nuas por falta de condições financeiras para o plantio? Consideremos a hipótese de que, nesse meio tempo, suas terras - agora chãs - sejam invadidas e desapropriadas “por interesse social”? Não receberiam juros compensatórios, já que foram invadidas antes que algum dia, muito acalentado, pudessem voltar a plantar?

Vejam, Srªs e Srs. Senadores, que é plausível a indignação da Federação da Agricultura do Estado do Pará e de tantas outras entidades brasileiras afins e de seus agremiados ante a possibilidade da aprovação do projeto em causa.

Os princípios norteadores do Direito apontam para o espírito das leis, ou seja, para a exata intenção com que elas são feitas. E, em nome da utópica perfeição normativa, ergue-se o processo legislativo, para que procuremos aprimorar a norma legal, adequando-a, o mais possível, às necessidades sociais, à realidade que transmuda com a vida que pulsa e passa e ao ideário maior de justiça.

Pois, para reflexão de todos que me ouvem, deixo este questionamento: se aprovado esse projeto, na forma em que é proposto, que espírito teria a norma novel? O de ferir a nossa Constituição? O de cometer um grande equívoco, justificando-o, simplesmente porque o Erário se onera a cada justa indenização que paga?

Se as leis têm espírito, penso ser de bom alvitre, Srªs e Srs. Senadores, que sejam elevados, nobilíssimos. Assim o merece a Nação brasileira, que amanhã buscará nos registros da História o espírito com que nós legisladores fizemos, hoje, as leis que nortearam o seu destino.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/05/2003 - Página 11762