Discurso durante a 58ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

A importância das reformas constitucionais encaminhadas ao Congresso Nacional. Defesa da aplicação dos recursos, decorrentes da reforma tributária, em investimentos públicos voltados para a justiça social.

Autor
Eurípedes Camargo (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Eurípedes Pedro Camargo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • A importância das reformas constitucionais encaminhadas ao Congresso Nacional. Defesa da aplicação dos recursos, decorrentes da reforma tributária, em investimentos públicos voltados para a justiça social.
Aparteantes
Paulo Paim, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/2003 - Página 11832
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • CONTRIBUIÇÃO, DEBATE, REFORMA TRIBUTARIA, NECESSIDADE, DEMOCRACIA, CONSTRUÇÃO, MODELO, SISTEMA TRIBUTARIO NACIONAL, OBJETIVO, JUSTIÇA SOCIAL, REGISTRO, DADOS, TRIBUTAÇÃO, BRASIL, DEFESA, REDUÇÃO, INCIDENCIA, IMPOSTOS, CONSUMO, ESPECIFICAÇÃO, CESTA DE ALIMENTOS BASICOS.
  • SOLIDARIEDADE, RECLAMAÇÃO, EMPRESARIO, INCIDENCIA, IMPOSTOS, FATURAMENTO, SIMULTANEIDADE, TRIBUTOS, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), CONTRIBUIÇÃO PARA FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL (COFINS), PREJUIZO, ECONOMIA NACIONAL, EXPORTAÇÃO.
  • NECESSIDADE, ATENÇÃO, COBRANÇA, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), INTEGRAÇÃO, INTERESSE, ESTADOS, INTERESSE NACIONAL.

O SR. EURÍPEDES CAMARGO (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como representante do Distrito Federal junto a esta Casa, é com orgulho e satisfação que me dirijo a V. Exªs para registrar a polêmica ocorrida quando do encaminhamento pelo nosso Governo, de que sou representante, do Partido dos Trabalhadores, e pela forma como estão sendo discutidas as questões nacionais no que diz respeito a uma das reformas previstas.

É claro que para o momento, para o modelo que se estabelece de Governo, para a construção de um aparato legal para uma modificação de proposição governamental, as reformas são necessárias.

De forma transparente, como em nenhum momento se viu em nosso País, as reformas foram entregues pelo próprio Presidente da República em plenário, e foi consolidada e construída a discussão pela sociedade, pelo Parlamento. E, agora, como iniciativa do Poder Executivo, chegaram a esta Casa as questões previdenciária e tributária sobre as quais estamos debruçando-nos.

De forma democrática e transparente, está sendo construído esse modelo. Trago mais indagações ao assunto, uma vez que se trata de um processo em discussão.

            No que diz respeito à questão tributária, creio que esse modelo está sendo construído com transparência e democraticamente. Mas, já que estamos no processo de discussão, trago indagações, o meu pensamento sobre o momento histórico que se vislumbra: a reforma tributária.

Não se trata apenas de uma reforma constitucional, trata-se de delinear um futuro igualitário, humanitário e progressista para a Nação brasileira, herdeira de um legado retrógrado e desumano.

A cobrança de tributos, que data dos primórdios do mundo, e, no Brasil, dos idos do Império, é uma das formas de o Governo alcançar sua finalidade e garantir seus objetivos fundamentais.

Documentos antigos sobre impostos, autos de infração preservados no Museu da Fazenda Federal, mostram os registros históricos de uma batalha antiga: a Receita querendo arrecadar e o contribuinte querendo escapar. Essa é a lógica vigente ao longo do tempo.

Séculos depois, essa luta ainda continua. Hoje estima-se que a sonegação fiscal chegue a 30% da arrecadação, tendo como mais grave conseqüência o desemprego. Ninguém se anima a investir e, sem investimento, não podemos gerar emprego e ter um crescimento sustentável.

Hoje o brasileiro convive com pelo menos sessenta taxas, contribuições e impostos diferentes. São mais de três mil normas tributárias, com 55.767 artigos. Os tributos ficam com cerca de 30% da renda das famílias de classe média. São quase quatro meses de trabalho por ano só para pagar impostos.

Nos Estados Unidos, os tributos sobre o consumo respondem por 16% da arrecadação e o Imposto de Renda da pessoa física, 41%.

No Brasil, é o inverso. Os impostos sobre o consumo representam 45% do total recolhido e o Imposto de Renda, 14%. O que se taxa é o trabalho e não o rendimento.

No Brasil, as classes de renda mais baixa consomem basicamente 100% da sua renda e, portanto, pagam esses impostos sobre o consumo, impostos escondidos, sobre 100% da sua renda.

É necessário desonerar a cesta básica, fazer com que os produtos consumidos pela classe baixa não onerem tanto a sua subsistência. Uma reforma tributária deve alterar essa estrutura, cobrar menos impostos sobre o consumo e mais sobre a renda. Não aumentando alíquotas, mas ampliando o número de contribuintes e buscando meios de acabar com a evasão fiscal.

Os empresários apontam o outro lado da injustiça fiscal. Reclamam que muitos dos impostos são sobre as vendas, sobre o faturamento das empresas, paga-se mesmo quando há prejuízo e que os nove principais impostos diretos ficam com 32% do faturamento das empresas. Possuem suas reivindicações próprias. Cobrar de todos o que se fatura é um equívoco e tratar todos os contribuintes como se fossem iguais é um erro; mas se unem num mesmo ideal, um sistema tributário progressivo, em que quem pode mais deve pagar mais, o que é um princípio de justiça social com o qual podemos compactuar.

Os impostos em cascata que incidem sobre cada uma das etapas da produção encarecem os produtos e prejudicam as exportações. Quando o imposto faz parte do preço do produto, o Brasil não está exportando só matéria-prima e o trabalho ali colocado, mas também uma parcela de imposto que está embutido no custo, e ninguém no mundo compra ou exporta impostos.

A verdade é que a existência de vários tributos em cascata, como por exemplo a CPMF, que no ano passado arrecadou R$22 bilhões, e a Cofins, que taxa em 3% o faturamento das empresas mesmo quando não há lucro certo, oneram a atividade empresarial. Impostos novos ou transitórios transformam-se em permanentes, de preferência fáceis de serem cobrados.

Foi essa a saída encontrada pelo Governo para cobrir o crescimento de despesas, remendos que deram um alívio imediato nas contas, mas comprometeram a eficiência da economia, recaindo sobre o assalariado e sobre a produção. Tal procedimento acabou criando tributações múltiplas, gerando uma carga tributária excessiva que ao mesmo tempo pune a economia, as pessoas e as empresas, e ainda inibe o crescimento do País, como tem ocorrido nos últimos anos.

Por fim, chamo a atenção de V. Exªs para uma guerra. Uma guerra que vive o Brasil hoje, uma guerra silenciosa que se alastra por todo o País, uma guerra em que as armas não são fuzis, canhões ou mísseis, são legislações. Uma guerra que teve sua origem em uma idéia legítima: criar incentivos fiscais para atrair investimentos, uma guerra fiscal na qual não contamos os mortos ou feridos, e sim os desempregados e o retrocesso econômico.

A guerra fiscal existe porque cada Estado possui sua própria legislação para o ICMS, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, cuja cobrança é feita quanto e como quer cada um.

O número de benefícios fiscais concedidos pelos Estados é muito grande, implicando, por vezes, contribuição nula, ou quase nula, de milhares de empresas beneficiadas com um regime especial de tributação.

O ICMS é o Imposto que mais arrecada no País; foram R$105 bilhões no ano passado. Vinte e cinco por cento da sua arrecadação é dividida entre os Municípios e o restante, entre os Estados. Ele é responsável hoje por quase 90% da arrecadação dos Estados. Mexer com este imposto é mexer com uma das mais importantes fontes de receita dos Estados, muitos no limite da Lei de Responsabilidade Fiscal, com gastos de pessoal e com dívidas, sem folga para administrar uma perda de receita em hipótese alguma.

Como poderemos realizar uma reforma tributária desta forma? É necessário ao legislador e aos governantes brasileiros um momento de reflexão.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Eurípedes Camargo, V. Exª me permite um aparte?

O SR. EURÍPEDES CAMARGO (Bloco/PT - DF) - Concedo o aparte a V. Exª com muita honra, Senador Paulo Paim.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Eurípedes Camargo, representante do Distrito Federal, quero cumprimentá-lo pelo debate que traz à Casa sobre a reforma tributária, pois V. Exª sabe muito bem a minha posição sobre o assunto. Entendo que o Congresso Nacional deveria fazer primeiro a reforma tributária e, depois, a reforma da Previdência. Também entendo - e vejo que V. Exª aprofunda o debate sobre a questão - que a reforma tributária deveria ser um verdadeiro pacto entre Município, Estado e União, até mesmo entre capital e trabalho, para verificarmos como, efetivamente, arrecadar e distribuir tudo aquilo que, de uma forma ou de outra, os Poderes constituídos recolhem a partir dos tributos. Senador, neste fim de semana, debrucei-me sobre a reforma tributária e percebi que a questão é desonerar a folha de pagamento - de que sou totalmente a favor -, fazendo com que as contribuições para a Previdência sejam sobre o faturamento e não sobre a folha de pagamento. Mas não, não se fala. Mas, na reforma tributária, temos que a contribuição sobre o Cofins, que se refere também às contribuições, terá um acréscimo para corresponder à diminuição da contribuição que antes era sobre a folha. Agora, então, passará a ser na reforma tributária. Fiquei um pouco preocupado, por isso ressalto a questão para reflexão. V Exª conhece a minha posição, sou da base do Governo, sou do Partido, mas quero debater o assunto na Casa. Percebo que essa contribuição, que não será mais sobre a folha na sua totalidade, diminuirá bastante. Anteriormente, era em torno de 23% e até 24% sobre a folha que pagava o empregador, sobre o total da folha. Agora, troca-se para a linha do faturamento, a que sou totalmente a favor. Mas percebi que a reforma tributária não está garantido, nessa alteração que trará aumento da arrecadação da Previdência; não fica claro que o montante arrecadado vai para a Previdência, e, sim, para o caixa do Tesouro. Faço essa ponderação porque sei que a posição de V. Exª vai na mesma linha. Tenho essa enorme preocupação, pois o montante de caixa para o sustento da reforma Previdência poderá diminuir, ou seja, o benefício futuro de aposentados e pensionistas.

Pondero a V. Exª no sentido de que tenhamos de fazer uma pequena emenda com proposituras. Estaríamos, assim, colaborando para que, com as reformas tributária e previdenciária realizadas, efetivamente essa contribuição do Confins destine-se à Previdência, sustentando ainda mais o benefício dos aposentados e pensionistas. Faço essa ponderação para colaborar com a bela iniciativa de V. Exª do debate sobre a reforma tributária, pela sua importância. Parabéns a V. Exª.

O SR. EURÍPEDES CAMARGO (Bloco/PT - DF) - Sinto-me honrado com o aparte de V. Exª, pois enriquece a discussão. O propósito da minha contribuição é esse. Não tenho uma proposta acabada, e penso que nenhum de nós tem. Debruçamo-nos sobre a proposta da reforma que o Presidente da República traz a esta Casa para construir um consenso, a fim de que Nação, a partir daí, possa desenvolver-se com leis garantidas por esta Casa. A contribuição de V. Exª é importante para esse processo, assim como outras que virão.

Agradeço a oportunidade de ser aparteado por V. Exª.

Dando continuidade ao discurso. É necessário ao legislador e aos governantes brasileiros um momento de reflexão. Bem sei o quanto é importante e imprescindível ao Estado a arrecadação tributária, mas esta deve ser justa e não um óbice ao crescimento do País.

É hora de todos, União, Estados, Municípios e Distrito Federal, cedermos para juntos vencer. Para isso, é necessário a comunhão de interesses, opiniões e ideais em prol do crescimento do Brasil. Quebrar resistências será um desafio aqui, e cabe ao Congresso Nacional solucionar a incógnita dessa equação.

Concedo um aparte ao Senador Ramez Tebet, com muita satisfação.

O Sr. Rabez Tebet (PMDB - MS) - Senador Eurípedes Camargo, congratulo-me com V. Exª. Creio que fui, talvez, pioneiro aqui, no Senado da República, no sentido de pedir à Casa que começasse imediatamente o debate, até em defesa dela própria. A experiência tem demonstrado que, em muitas matérias importantes, o Senado tem sido apenas uma Casa homologatória de grandes decisões já tomadas pela Câmara dos Deputados. As matérias chegam aqui na última hora e, se são emendadas, voltam a Câmara. Inicia-se uma pressão sobre o Senado, assunto sobre o qual já me pronunciei. E vejo que, nesta Casa e na Câmara dos Deputados, o debate vai ocorrer concomitantemente. Realmente precisamos aperfeiçoar as reformas, pois são imprescindíveis para o País. Todavia, elas não constituem um produto acabado que o Executivo mandou apenas para que a Câmara e o Senado as homologuem, coloquem um carimbo em cima dessas duas propostas. Elas precisam ser amplamente discutidas. A reforma tributária, então, nem se fala. A Previdência é a nossa vida, a vida das pessoas. E quanto a essa reforma tributária, V. Exª mesmo veja como é importante o debate, não só pelas luzes que V. Exª está trazendo, como também pelo aparte que recebeu do Senador Paulo Paim, imediatamente. Sou um homem muito espontâneo e falarei aqui só para que me comprometa comigo mesmo a estudar. A cobrança, por exemplo, da Previdência pelo faturamento pode às vezes ajudar quem tem 200 ou 300 empregados. Mas e em outras atividades nas quais se requer um número menor de empregados e o faturamento é alto? Elas podem até quebrar. Vejam que coisa curiosa. Faço uma referência, por exemplo: se o campo está mecanizado, como vamos fazer? Lá se vai pagar pelo faturamento? Digo que esse é um problema tecnológico, científico, porque cada máquina que entra lembra a Revolução Industrial. De qualquer forma, quero cumprimentar V. Exª. Isso é muito bom, somos parceiros aqui do Centro-Oeste, Senador Eurípedes Camargo. Fico muito contente. Vamos ao debate realmente.

O SR. EURÍPEDES CAMARGO (Bloco/PT - DF) - Senador Ramez Tebet, congratulo-me com a possibilidade de trazer, aqui no plenário, essa preocupação, recebendo apartes dos Srs. Senadores. Percebo a forma construtiva como vários dos meus Pares, no pouco tempo que tenho nesta Casa, têm se portado, para que possamos produzir uma peça legislativa que torne legais os instrumentos jurídicos das mudanças do nosso País. Foi essa preocupação que me trouxe a este plenário, sabendo o que haveremos, com certeza, de construir para o nosso País. Deixaremos essas reformas como legado para as gerações futuras. Não tenho dúvidas, ao perceber o compromisso, a capacidade e o acúmulo que tenho dos Pares nesta Casa, que, ao longo de suas trajetórias de vida pública, têm contribuído com a Nação de forma denodada. Sem essa construção, sem esse arcabouço legal, acaba-se atingindo as pessoas que não têm acesso à discussão que fazemos aqui para obtenção de uma vida, uma nova sociedade.

Portanto, em nome dessas pessoas, trago essas preocupações, sabendo que aqui encontramos um fórum para a discussão fértil, criando condições de obtermos esse arcabouço jurídico de que tanto precisamos. A população sofre mais, quando as instituições não estão em defesa, não estão organizadas, não têm esse aparato de construção, porque, ao se fortalecerem, formam um aparato para a sociedade, para aquelas pessoas que estão em baixo, que precisam desse aparato das instituições para ter uma vida melhorada. E com a certeza de que os Srs. Senadores têm essa preocupação, trago uma pequena tentativa de contribuição a esse debate. E também quero agradecer o aparte dos Srs. Senadores.

Todos reclamam, do aposentado ao trabalhador, do empresário, que paga impostos, ao Governo, que cobra impostos. Mas poucos temas neste País conseguem essa unanimidade: o Brasil precisa de uma reforma tributária.

O primeiro passo nesse sentido já foi dado, com o envio ao Congresso Nacional, pelo Poder Executivo, do projeto de emenda constitucional com o apoio dos 27 Governadores.

Sr. Presidente, temos a oportunidade de mudar o rumo da história deste País, independente de ideologias político-partidárias e realizar mudanças necessárias que permitam à economia crescer e gerar empregos, tornando o Brasil um País mais justo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/2003 - Página 11832