Discurso durante a 68ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da adoção da escola integral como instrumento para a distribuição de renda e a redução da criminalidade.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Defesa da adoção da escola integral como instrumento para a distribuição de renda e a redução da criminalidade.
Aparteantes
Eurípedes Camargo, João Capiberibe.
Publicação
Publicação no DSF de 03/06/2003 - Página 14071
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, EDUCAÇÃO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, IGUALDADE, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, REDUÇÃO, CRIME, MELHORIA, SAUDE, REFERENCIA, INFORMAÇÕES, INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS (INEP), ESFORÇO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, AMPLIAÇÃO, ACESSO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, POPULAÇÃO CARENTE, CONCLUSÃO, AUMENTO, QUANTIDADE, ALUNO, QUALIDADE, ENSINO.
  • ESCLARECIMENTOS, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, POLITICA, EDUCAÇÃO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, QUALIFICAÇÃO, VALORIZAÇÃO, PROFESSOR, MELHORIA, REMUNERAÇÃO, DEFESA, IMPLANTAÇÃO, AMBITO NACIONAL, TEMPO INTEGRAL, ESTABELECIMENTO DE ENSINO.
  • COMENTARIO, POSSIBILIDADE, AUMENTO, ACOMPANHAMENTO, ORIENTAÇÃO PEDAGOGICA, ENSINO, TEMPO INTEGRAL, PROTEÇÃO, MENOR, CRIME, VIOLENCIA, EXPECTATIVA, PROVIDENCIA, GOVERNO FEDERAL, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL, BEM ESTAR SOCIAL.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não é novidade para ninguém que a educação deve ser encarada como um das principais armas para combater as mazelas nacionais que, dia após dia, são analisadas aqui neste plenário.

A educação é capaz de aperfeiçoar a distribuição de renda, de melhorar as condições gerais de saúde, de permitir a diminuição das atividades criminosas, de recuperar a dignidade do povo brasileiro e de reconstruir a imagem nacional sobre novas bases.

Mas o discurso genérico sobre os benefícios da educação muitas vezes se torna inócuo exatamente por não fugir dos lugares comuns, por não definir alvos prioritários, por não indicar os caminhos viáveis e as ações necessárias.

Devemos partir para um processo de avaliação crítica da educação brasileira que nos permita atacar com precisão os problemas que se apresentam, resultando no estabelecimento de metas atingíveis em prazos razoáveis.

Temos ouvido, neste plenário, uma série de pronunciamentos que trouxeram dados úteis para essa tarefa avaliativa. Vamos recordar alguns deles, para balizar nosso raciocínio.

Nos últimos oito anos, o Governo Federal lançou uma série de programas que representaram um esforço no sentido da universalização do acesso de nossas crianças e jovens à escola.

Segundo o Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, o INEP, encontramos um total de aproximadamente 38,9 milhões de matrículas no Ensino Regular, Fundamental e Médio, para o ano de 1996. Em 2002, esse número atingiu aproximadamente 43,9 milhões de matrículas - um ganho de quase 13% superior ao aumento populacional no mesmo período.

Os ganhos são mais significativos, quando consideramos outras modalidades educacionais. Sempre comparando os anos de 1996 e 2002, encontraremos um acréscimo de matrículas da ordem de 16,6% na Pré-Escola, 68% na educação especial e mais de 69% na educação de jovens e adultos.

Estamos, portanto, colocando mais brasileiros no ensino regular. São números certamente muito expressivos.

Outros números usados para acompanhar o desenvolvimento da educação no País também apresentaram avanços. Considerando o período de 1995 a 2000, segundo os levantamentos do Inep, a taxa de promoção subiu 9,1; a repetência caiu 8,6; a evasão caiu 0,5 e a taxa de distorção idade-série caiu para 5,3. Isso apontaria, numa primeira vista, para uma melhora do desempenho dos alunos.

Da mesma forma, o objetivo da universalização do ensino parece ter ficado mais próximo. Comparando um período maior, entre os anos de 1980 e 1999, chegaremos à conclusão de que a taxa de atendimento da população de 7 a 14 anos subiu para 16,1, enquanto o atendimento dos jovens de 15 a 17 anos alcançou surpreendentes 34,8 de aumento. Com isso, 97% das crianças de 7 a 14 anos e 84,5% dos adolescentes de 15 a 17 anos estavam na escola em 1999.

Agora, se os números apresentados são tão bons, afinal o que está acontecendo com a educação brasileira, que não tem permitido atingirmos aqueles efeitos indiretos extremamente importantes, ou seja, melhorar a distribuição de renda, diminuir os delitos, aperfeiçoar a qualidade de vida da população brasileira?

Uma das pistas para identificarmos onde estão os problemas nos está sendo revelada pelos estudos, levados a cabo pelo Ministério da Educação e pela Unesco, sobre a qualidade da educação que estamos dando aos nossos alunos. Segundo o Inep, 59% dos concluintes da 4ª série do ensino fundamental apresentam rendimento considerado “crítico” ou “muito crítico” em testes padronizados de compreensão de leitura adequados a essa fase. Com respeito ao desempenho em matemática, a situação é bastante ruim nas checagens feitas com alunos da 8ª série do ensino fundamental e 3ª série do ensino médio, entre os quais 52% e 67%, respectivamente, apresentam rendimento “crítico” e “muito crítico”. Isso demonstra que o processo de universalização tem sido levado adiante sem os devidos cuidados com a qualidade do ensino que está sendo desenvolvido na escola brasileira.

O País não avançou em propostas de solução de seus problemas estruturais, que passam, entre outras coisas, pelo investimento na qualificação do corpo docente das escolas e pela valorização dos profissionais de educação que extrapola a mera questão salarial a que é freqüentemente reduzida.

Ainda é comum no Brasil unidades educacionais funcionando em bases precárias, com professores leigos ou que tiveram apenas acesso ao magistério ou, em casos mais raros, à licenciatura, sem oportunidade de reciclagens e crescimento intelectual. Existem escolas funcionando apenas algumas horas por dia, com turnos reduzidos, por falta de professor ou de espaço físico para conter todos os seus alunos.

Srªs e Srs. Senadores, é preciso persistir em projetos realmente consistentes que levem a educação brasileira a experimentar um estágio de genuína mudança.

E a verdadeira transformação muitas vezes se consegue com medidas simples, mas conseqüentes, mantidas com firmeza pelo prazo que se fizer necessário, sem perder de vista o ponto aonde se quer chegar. Queremos chegar no ponto ótimo de equilíbrio entre quantidade e qualidade. E temos como objetivo a implantação definitiva em nosso País da escola em tempo integral.

Concederei o aparte a V. Exª, Senador Eurípedes Camargo, assim que terminar meu raciocínio.

A idéia não é nova, mas a mudança não está em anunciar uma nova idéia, papel dos profetas e visionários que sempre antecedem os transformadores da realidade. É uma idéia que já teve uma longa linhagem de proclamadores, desde Anísio Teixeira ao saudoso Darcy Ribeiro.

Da mesma forma, poderíamos citar um razoável número de tentativas de lhe dar forma no mundo real. Entre elas estão o Centro Popular de Educação Carneiro Ribeiro, construído na Bahia em 1950 pelo próprio Anísio Teixeira; o Sistema Educacional de Brasília, nos seus primórdios, que adotou até mesmo o apelido de Centro Popular, chamando de escolas-parque várias de suas unidades educacionais; e, mais recentemente, a experiência dos Cieps, Ciacs, Caics, de lembrança menos prazerosa.

Concedo o aparte ao Senador Eurípedes Camargo, para que passe muito do que sabe a este meu pronunciamento.

O Sr. Eurípedes Camargo (Bloco/PT - DF) - Nobre Senadora, quero, neste momento, aparteá-la para dizer que o tema que V. Exª traz é importante porque a base de qualquer sociedade é a educação. Se um país quiser ter sucesso tem de aplicar o dinheiro na educação, cujo retorno é seguro e duradouro. A questão da quantidade e a da qualidade têm muito a ver com o momento atual, mas precisamos trabalhar também para garantir essa qualidade, passando pela gestão democrática nas escolas. No Distrito Federal, essa experiência teve dois períodos, sendo um deles à época em que era Secretário da Educação do Distrito Federal o saudoso Senador Pompeu de Souza, que tinha na democracia a essência da sua vida e entendia que a gestão democrática deveria permear o processo das direções para poder trazer a participação da comunidade no processo. No Governo do Sr. Cristovam Buarque essa experiência também foi colocada em prática e com frutos bons. A comunidade escolar, não só o professor, mas também o aluno e os pais, além do congraçamento de idéias e interesses em torno da escola frutificaram vários debates, várias reuniões e a formação e interação entre pais, filhos e professores. Esse processo, infelizmente, de vez em quando é abortado, porque parece que se conflita com os interesses de quem prefere ditar regras didáticas e pedagógicas em vez de permitir que essa participação - também como pedagogia e como didatismo do processo - possa permear a qualificação das pessoas no sentido da cidadania, que as pessoas sejam atores do seu próprio processo, da construção da sua realidade, da sua formação. Esse modelo exclui a participação e não traz benefícios; pelo contrário, ele acaba conformando uma idéia preconcebida e não traz em seu bojo a discussão. Na cabeça dos idealizadores desse modelo, que a meu ver é excludente, os pais não teriam contribuição a dar porque os professores já têm um modelo e as sugestões atrapalhariam a metodologia, mas é o contrário. Essa é a minha concepção. No discurso de V. Exª, eu agregaria a discussão da democratização das escolas, ou seja, a gestão democrática como forma, como método pedagógico de escola em tempo integral, como sua proposta.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Nobre Senador Eurípedes Camargo, agradeço-lhe o aparte, que, como eu disse, só engrandece o meu pronunciamento.

Ouso avançar um pouco, fora do que havia planejado para o meu pronunciamento, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

Recentemente, por ocasião de sua vinda a esta Casa, o Ministro da Educação, Cristovam Buarque, em audiência pública, se referiu, de maneira muito entusiasmada, à questão de a escola ser atraente, de a escola voltar a ser alegre, de a escola atrair as crianças. As crianças deveriam ter um acompanhamento que, muitas vezes, os pais, por falta de condições, por terem de trabalhar, por não terem estudado, não podem oferecer-lhes. Assim, essas crianças vão se sentindo, ao longo do tempo, estigmatizadas, incapazes. Pode estar aí uma das causas da evasão escolar.

            Sr. Presidente, está no resgate dessa excelente sistemática de educação, que não descuida dos aspectos humanistas, o equilíbrio do ensino formal da língua, da Matemática, da História e das outras matérias, com a necessária atração, com uma dose de arte, música, esportes, recreação e formação moral.

A grande ousadia, Srªs e Srs. Senadores, não é apenas falar em educação integral, mas viabilizá-la por entender que somente ela pode proteger nossa infância das ruas, das drogas, da violência, do ócio, do caminho, da obtenção de vantagem sem esforço, sem o respeito de um pelo outro.

O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - Senadora Iris de Araújo, V. Exª concede-me um aparte?

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Pois não, Senador João Capiberibe. 

O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - Gostaria de participar dessa discussão sobre educação com duas questões que me parecem fundamentais. A primeira seria uma mudança nos currículos escolares, a qual tivesse como eixo o saber da criança. Quando a criança chega à escola não é uma página em branco; ela possui um saber construído no lar, por suas relações sociais. É preciso considerar essa experiência e o saber da criança para agregar-lhe conhecimentos técnicos e científicos. A partir desse ponto de encontro, teríamos imediatamente uma escola atraente, pois a criança estabeleceria uma identidade com ela. Outro aspecto, entre tantos - mencionarei só dois para não tomar o tempo de V. Exª - é a descentralização total dos recursos da escola. O Estado se encarregaria da folha de pessoal dos professores, e o restante dos recursos, destinado ao pagamento do pessoal de apoio, à manutenção da escola, à merenda escolar e ao material didático, iria diretamente para a escola sob o controle social da comunidade escolar. Digo isso porque essa é uma experiência que temos, e a escola passa a ser muito atrativa na comunidade do entorno - aliás, não só ela, mas tudo fica muito atraente com o dinheiro. Assim, a escola pode adquirir diretamente no bairro tudo o de que necessita. Por exemplo, se a escola precisa de um eletricista, pode contratar o pai de um aluno. Também as compras são feitas no entorno da escola. Essa á uma experiência que vale ser reproduzida e transformada em política pública, numa combinação entre a União Federal, os Estados e Municípios. Muito obrigado.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Nobre Senador, agradeço-lhe o aparte, levando em consideração que V. Exª não se atém apenas à teoria, uma vez que governou o seu Estado duas vezes. Sei que V. Exª tem uma experiência muito grande. A observação de V. Exª, vou agregá-la ao meu pronunciamento, porque estamos carentes, neste momento, do aproveitamento de experiências que deram bom resultado no País. Observamos, não só por ouvir falar mas também pela televisão, experiências extraordinárias que poderíamos aproveitar. Não sei se estou dizendo algo que existe, quero manifestar o desejo de oferecer, como contribuição ao Governo que se inicia de forma bem-intecionada uma presença propositiva em relação a tudo que se pretende fazer no País.

A grande lição a ser aprendida é a de que as soluções para nosso País não devem estabelecer um padrão único.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa) - Senadora Iris de Araújo, lamento informar que está esgotado o tempo de V. Exª, mas, diante da beleza da sua argumentação, concedo-lhe mais dois minutos.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Sr. Presidente, agradeço a V. Exª e prometo que vou terminar meu pronunciamento no tempo que me concedeu.

Existem várias maneiras de conseguir a educação em tempo integral, desde o modelo da grande unidade do tipo Ciac até o modelo intermediário de Brasília, com escolas-classe e escolas-parque, até pequenas unidades, à semelhança de várias escolas-modelos que sabemos existirem no setor privado.

Mas não se pode esquecer o elemento humano. É necessário dotar todos os participantes do processo educacional - do servente da cantina ao gestor, do auxiliar de classe ao professor e a equipe pedagógica - dos instrumentos, mais intelectuais que físicos, para o exercício de suas funções. É necessário redescobrir a importância do papel de cada um deles dentro da atividade transformadora e libertadora que é a educação.

Concluo minhas observações, Sras e Srs. Senadores, conclamando o Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a cumprir seu papel de condutor dessa mudança, com toda a firmeza de propósitos que vem reafirmando em seus discursos e com todo o respaldo do respeito e admiração que lhe devota a população brasileira.

Se a fome deve ser zero, a educação deve ser 100%.

O Brasil precisa ter a ousadia que leve à implantação da educação integral, que permitirá um futuro melhor às novas gerações, livrando nossas crianças e adolescentes do veneno das ruas, permitindo-lhes o acesso à cultura e ao lazer, que redimensionam a alma e o corpo, abrindo uma perspectiva nova para a sociedade brasileira, tendo por base o conhecimento, a comunhão e o bem-estar social.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/06/2003 - Página 14071